O Legado de Kimetsu no Yaiba – Review

Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba é um mangá de 23 volumes que foi lançado em 2016. O mangá foi escrito e ilustrado pela Gotouge Koyoharu e publicado na Weekly Shonen Jump (Boku no Hero Academia, Black Clover). A série está sendo publicada no Brasil pela Panini e foi adaptada para anime pela ufotable (Fate Zero, God Eater).

Sinopse: Tanjiro Kamado é o filho mais velho de uma família de carvoeiros. Em um dia pacato, Tanjiro desce a montanha para vender uma remessa em uma cidade vizinha, quando retorna, sua casa foi destruída, família dilacerada e sua irmã, Nezuko, foi transformada num demônio. A partir daí, Tanjiro tem sua vida virada de pernas pro ar enquanto busca uma forma de reverter a transformação da irmã.

Eu preciso ser sincero, essa daqui é a segunda versão da review de Kimetsu no Yaiba. Na primeira tentativa, tentei ser sucinto e pular coisas para ficar com um texto final menor, não deu certo. Então peço um pocadinho da sua paciência, porque esse negócio aqui vai longe. Utilizarei como linha guia os arcos do mangá, então estejam preparados para um pouco de vai e volta com relação aos personagens.

Obviamente spoilers leves serão dados durante todo o texto, mas quando precisar falar de algo mais pesado terá aviso antes, de qualquer forma fique avisado.

Um início atropelado

O início de Kimetsu no Yaiba é um tanto quanto apressado. E isso ocorre por vários motivos, dentre eles uma lógica de publicação dentro da Shonen Jump. Kimetsu correu muito risco de cancelamento no começo de sua via, isso não é uma justificativa, mas sim uma explicação. No final das contas, continua corrido, mas não é necessariamente por falta de habilidade da escrita.

A questão é que uma história tem como base o seu início, por mais que as pessoas por vezes queiram negar, e todo o Kimetsu no Yaiba sofre com esse início fraco e corrido. Esse começo faz com que o sistema de luta fique confuso, a conexão do Tanjiro com a própria família pareça breve demais, os treinamentos tenham pouco impacto.

Começando de trás pra frente, o primeiro treinamento, aquele dado pelo Urukodai, parece esquisito por dois motivos. O primeiro é ele valer de muito pouco no final das contas, uma vez que o Tanjiro só se torna forte “de verdade” depois que a Shinobu ensina a tecnica definitiva de respiração. O outro é que não vemos o treinamento em si, somos aludidos a ideia de que houve um treinamento. Isso faz com que a qualquer momento o Tanjiro posso convenientemente dizer “eu conheço uma respiração para essa situação” e nós, enquanto audiência, somos obrigados a aceitar. Lembra em muito a estratégia de Masami Kurumada com o treinamento da Marin em Cavaleiros do Zodíaco.

A questão da família acaba bem contornada nos arcos posteriores, por meio de flashbacks e viagens internas do protagonista. De qualquer forma não existe como chegar no arco das aranhas e não sentir um retrogosto de deus ex machina quando o Tanjiro lembra que tinha um pai. E ainda que esse pai sabia uma dança cerimonial que também é um poder e a lendária respiração do Sol. Justamente por essa questão fazer parte do cerne temático de Kimetsu que deveria ter sido estabelecido devidamente antes.

Let Sleeping Dogs Lie

Queria aproveitar esses primeiros arcos pra já tirar da frente a dupla de personagens que fazem equipe com o Tanjiro. Nada melhor do que começar com o (não tão) querido Zenitsu.

O Zenistu é um grande trope sem graça, ao mesmo tempo em que curiosamente ele parece uma versão mal feita do Usopp. Digo, ele é o garoto medroso, uma espécie de tentativa de trazer um personagem mais comum e mundano naquele universo de loucura. Acontece que quando ele desmaia, se torna um cara fodão.

Além do trope um tanto bobo, isso nunca representa um real conflito pro personagem. No arco da Luz Vermelha, por exemplo, pouca diferença existe entre o Zenitsu desmaiado ou acordado fora do desenho. Ele continua conseguindo coordenar estratégias, pensar e fazer duplinha com o Inosuke. Se ao menos a versão inconsciente dele agisse apenas no instinto seria uma outra conversa, mas não é o caso.

A Gotouge se perdeu tanto com esse personagem que precisou virtualmente inventar um inimigo para ele no arco final, que conectava com um passado nunca realmente trabalhado como algo relevante para o personagem. E do mesmo jeito que essa luta surge, ela acaba, indo de nada pra lugar nenhum e servindo mais de ruído que de tema.

Mesmo assim o Zenitsu funciona muito bem na dinâmica cômica com o Inosuke e o Tanjiro, infelizmente o personagem tem espaço demais na história pra ser só isso.

O Mogli com cabeça de Javali

Inosuke é o clássico musclehead, aquele personagem que pensa com os músculos. Exatamente por isso é um dos personagens mais simples da série, ainda que dos mais carismáticos. Um garoto selvagem criado por javalis é uma ideia tão idiota, que só poderia se tornar algo maravilhoso.

O estilo de traço da Gotouge funciona muito bem com a comédia corporal do Inosuke, e se tratando de um battleshonen o criador da respiração da besta é o secundário perfeito.

Mesmo assim, a autora ainda consegue dar pequenos pedaços de desenvolvimento pro personagem, que vai de um… javali (?) solitário rapidamente para alguém completamente integrado tanto ao grupinho do Tanjiro quanto a própria corporação dos demônios.

A falta de uma presença de autoridade na vida do garoto fez com que ele se tornasse metido e completamente obcecado por se provar e ser o melhor. Justamente isso faz com que, tanto o arco das aranhas quanto o trem infinito tenham um impacto fortíssimo na auto-estima do jovem porquinho.

Mesmo assim, não espere um grande desenvolvimento do psicológico do Inosuke, ele é um personagem feito para ser cool e entregar as punchlines enquanto contrasta com qualquer personagem minimamente civilizado que esteja fazendo dupla nas lutas que ele participa.

Trem Infinito

Kimetsu no Yaiba pisa finalmente o pé no freio justamente neste arco. Depois do grande momento de catarse do Tanjiro descobrindo a respiração do Sol de seus ancestrais e do Muzan matando metade do próprio esquadrão, chegamos ao tão falado Trem Infinito.

A maior função desse arco é de aumentar os riscos. Estamos vindo de um crescimento constante, primeiro demônios comuns, então aparece alguém que se diz um Lua Menor, mas é mentira. Daí entramos em contanto com um ex-Lua Menor, mas que foi renegado ao ostracismo pela falta de potencial. No arco das aranhas, pela primeira vez nosso protagonista bate de frente com um inimigo de alto nível, então chegamos no trem.

O demônio do trem, Enmu, é o primeiro a ter um efeito real na sociedade humana. Até aqui tinhamos encontrado demônios fortes, mas eles estavam reclusos a uma casa, uma floresta desabitada, ou uns becos aleatórios numa cidade qualquer. Enmu é o primeiro demônio em larga escala e que diretamente manipula humanos pelos seus sonhos.

E não só através do literal poder dele de controlar sonhos, o Enmu mexe com a esperança de humanos muitas vezes abandonados por aquela sociedade. Então os doentes, os órfãos, os viúvos tem naquele trem uma chance de encontrar a paz, e o Enmu canibaliza esse sentimento.

Mesmo assim é um arco meio desconjuntado, as questões levantadas são interessantes, mas resolvidas rápido demais. Logo se descobre que é um sonho e já está tudo concluído com o Inosuke e o Tanjiro tentando cortar a cabeça do trem. Isso sem falar que o poder em si do Enmu não se encaixa com nada apresentado antes ou depois desse arco na série. É um poder complexo e regrado demais para Kimetsu no Yaiba.

No entanto, todo esse momento dentro da cabeça do Tanjiro é excelente

Leão do Sacrifício

Fica o aviso de spoiler pesado do final desse arco agora, pule para o próximo subtítulo se quiser evitar…

Talvez a melhor jogada desse arco seja justamente sua perna final. Depois de tudo destruído, encontramos o primeiro Lua Maior do mangá, Akaza. Akaza é um lutador nato, enviado para dar cabo dos caçadores remanescente, já que o Muzan nunca confiou na competência do Enmu.

Acontece que estavamos saindo diretamente de um momento de superação, Tanjiro e Inosuke deram tudo que tinham para derrotar o próprio Enmu e estão fora de combate, e é nisso que a Gotouge aplica o trope.

Leão do sacrifício é um trope muito usado em histórias. Especialmente utilizando figuras de mentores para isso, ao forçar o protagonista a ter um crescimento acelerado através da perda de alguém, ao mesmo tempo em que intensifica a ameaça do vilão que aplica a pena. Nesse caso, Rengoku é o personagem escolhido.

Não que eu me importe com o Rengoku, muito pelo contrário, ele é um personagem mais interessante morto do que vivo. Ele de fato nasceu para ser a empunhadura da espada do Tanjiro, aquele peso da pessoa que não foi salva por ele não ser forte o suficiente. Mesmo assim a morte do Rengoku move bastante o tabuleiro e cria uma sensação de dúvida até no próprio Akaza.

Distrito da Luz Vermelha

Uma série de questões giram em torno desse arco. É nele que temos um uso mais consciente do Tanjiro de seus poderes do sol. Neste arco os caçadores de demônio finalmente conseguem uma vitória significativa contra os demônios. Também é aqui que a Nezuko tem a maior agência no combate. Mas não é sobre nada disso que eu quero escrever aqui, e sim sobre o que está acontecendo no segundo plano desse arco.

A começar pelo ambiente em si, a Gotouge nunca mais conseguiu explorar um ambiente tão bem quanto neste arco. Aqui, temos o ambiente perfeito para um demônio se alimentar, por ser um local de “diversão adulta” temos pessoas em situação muito vulnerável.

Nos é apresentado por muitas vezes o quão pouco os chefes se importam com a segurança e integridade de suas gueixas. Basta se ter dinheiro o suficiente, e tudo será resolvido. Pessoas podem ser compradas, vendidas ou quebradas ao bel prazer daqueles detentores do dinheiro. Para as mulheres presas neste sistema, resta abaixar a cabeça e serem bonitas o suficiente para subirem nos rankings.

Neste ambiente que temos a Daki, uma verdadeira vampira social, se alimentando da beleza de outras gueixas e sobrevivendo como a Lua Maior Seis. Ela e seu irmão, Gyuutarou são não mais que um produto daquele ambiente, moldados e destruídos pelo distrito.

Como contraste a isso temos o pilar enviado a missão, Uzui, um ninja que entrou em atrito com a família especificamente por negar a visão do seu irmão, que olhava para as mulheres como meros objetos. Para completar essa malha de conexões, a dupla de demônios não deixam de ser, por si só, uma versão vista por um espelho macabro da situação do Tanjiro e da Nezuko, um passo em falso e os papéis estariam trocados.

Na tangente disso, o próprio Tanjiro enfrenta o conflito entre a respiração da água, lhe passada por seu mestre, e a do sol, por seu pai. É muito interessante de ver que a conclusão que ele chega é uma mescla entre ambas, assim como uma pessoa é formada pela sua família e as conexões feitas ao longo da vida.

Vila dos Forjadores

Esse arco da Vila dos Forjadores talvez seja o arco mais esquisito pra mim, em toda publicação de Kimetsu no Yaiba. Ele começa de forma interessante, com o Tanjiro sendo carregado vendado rumo a um lugar misterioso, mas muito rapidamente o arco se enrosca e perde o ponto.

Talvez justamente por ser o primeiro arco com múltiplos inimigos, a Vila dos Forjadores não tem exatamente um tema. Por um lado, temos o demônio que se divide, com a ideia de alguém que não assume responsabilidade pelos próprios atos. Esse demônio simplesmente não contrasta com nenhum dos quatro personagens que o confrontam. O embate não diz nada sobre o Tanjiro, nem sobre a Nezuko, nem sobre o Genya, muito menos sobre a Kanroji.

Do outro lado, a luta do Tokito contra o tritão dos vasos é uma tentativa de discussão sobre arte, no contraste entre o demônio e os forjadores, mas também não chega em ponto algum. Esse arco é a primeira vez em que os temas e o battleshonen de Kimetsu no Yaiba se colidem e o segundo acaba tomando a melhor.

Dito isso ainda temos coisas interessantes no arco. A questão do, ainda que ingênuo, ideal do Tanjiro de que ajudar os outros sempre resulta em coisas boas. Pra depois ele ser confrontado entre escolher a irmã e ajudar completos estranhos e o próprio personagem optar pela irmã. É uma batida de personagem interessante que infelizmente fica presa no caos temático que é esse arco.

O mesmo vale para o arco do Tokito, que é bem construído, mas é feito em cima do vilão mais sem graça da série, que é aquele peixe bizarro que faz katamari com seres humanos.

Inclusive talvez agora seja uma boa hora, eu acho todo o lore de Kimetsu no Yaiba um tanto quanto mal aproveitado. Digo, a lenda do metal que faz as espadas é legal, mas depois as cores de cada uma nunca vai pra lugar nenhum. Os rankings de caçador nunca vão para lugar nenhum. O lírio misterioso que conquista o sol é absolutamente esquecido. O sangue especial que embebeda demônio tem função literalmente uma vez na série toda e etc.

Invasão ao Forte Dimensional

Finalmente chegamos, foi uma árdua e longa jornada até aqui, um demônio finalmente conquistou o Sol. Aproveito esse momento para falar um pouco da Nezuko. Essa personagem me é uma tristeza. Passei a série toda acreditando que “agora vai”, nunca foi. Mesmo quando ela conquista o Sol, continua sendo um cachorro/ferramenta pro Tanjiro proteger e ser fofo para o público.

O pior é que eu gosto do entorno da personagem, ela conquista o Sol justamente por não ser um predador da noite e matar humanos, uma espécie de “recompensa” por não jogar sua humanidade fora. Mesmo assim é muito triste que, mesmo depois do remédio da Tamao fazer efeito, a Nezuko é virtualmente irrelevante enquanto personagem e se torna um token para o desenvolvimento do Tanjiro.

Isso posto, esse momento de preparação para o inevitável é realmente muito bem feito. O sentimento de final de jornada é quase tocável pelo leitor conforme o treinamento com os pilares se desenvolve. Uma pena que mais uma vez a Gotouge falha em entregar um treinamento verdadeiramente interessante e utiliza os recordatórios como muleta para avançar por eles rapidamente.

De qualquer forma, durante o treinamento com o Himejima, finalmente fica claro a ideia por trás das respirações. Elas são muito mais uma questão ritualística que um poder por si só, exatamente por isso o pai do Tanjiro carrega, numa dança típica, a respiração mais forte da série. É uma ideia de tradição posta em prática nas lutas da série, o que conecta bastante com a ideia principal da série, legado.

O líder dos caçadores de demônio

Kagaya Ubuyashiki é, por grande parte de Kimetsu no Yaiba, uma figura extremamente dúbia. É muito difícil de se precisar o quanto ele está lá por interesse própria, usando os caçadores como meras ferramentos e o quanto ele realmente se importa com os garotos.

Afinal, um bando de órfãos maltratados pela vida seriam peões úteis demais para alguém que posa como figura paterna para eles. E é durante o grande embate entre ele e o Muzan que a linha na areia é traçada. Ubuyashiki vê a si mesmo como uma ferramenta também, ele nada mais é que um meio para um fim.

O fim em si é libertar todas aquelas crianças da corrente de ódio, por fim a opressão do Muzan para com a humanidade, para quem mais ninguém tenha que fazer parte dos caçadores. E com isso vem o legado dele e o que são os demônios.

Demônios são os seres que abandonaram a humanidade (ou foram abandonados por ela) e vagam consumidos pelos próprios desejos. Alguns desejos são até nobres, outros mesquinhos, o importante é que desejos sozinhos não constroem nada, e os demônios são os próprios desejos.

Completamente desconectados do resto da humanidade, sequer um corpo resta para ser enterrado depois da morte, ninguém para lembrar, testemunhar ou passar o legado para frente. Justamente por isso, os demônios mais humanos da história são a Tamayo e o Yushirou, por terem construído um vínculo verdadeiro acabam por terem alguém para lembrar de sua existência. Exatamente por isso o último capítulo de Kimetsu no Yaiba sequer menciona o que aconteceu com os outros demônios, quando se abandona a humanidade, se é esquecido por ela.

Shinobu, Kanao e Inosuke vs Douma

Talvez isso seja meio óbvio, mas daqui pra frente vou basicamente comentar sobre as lutas finais do mangá, obviamente spoilers daqui até o final do texto, você foi avisado.

Essa é uma luta curiosa, a luta entre personagens com problemas em relação as emoções. De um lado, temos a Shinobu, que por mais que esteja sempre mergulhada em ódio, mantém um rosto estoico e complacente. Temos Kanao, que se culpa por não conseguir chorar no funeral de uma pessoa importante. E temos o Inosuke, que usa uma máscara e reage a tudo de forma sempre agressiva. No outro lado, temos Douma, o ser mais desprezível de Kimetsu no Yaiba. Douma é apresentado como um completo psicopata, que finge os próprios sentimentos para tentar mimicar um humano funcional.

Douma é um líder de seita e maníaco sexual, mesmo que a Gotouge faça isso de forma sublime, sem apelar para cenas baratas de estupro. Mesmo assim está implícito qual o significado dele se alimentar exclusivamente de mulheres para que elas alcancem a salvação.

Ainda sinto falta de um desenvolvimento melhor desses momentos, o Douma e o drama das irmãs borboletas renderia um arco por si só, inclusive um arco muito melhor que o dos Forjadores. Mesmo assim, o fim da Shinobu é muito bonito, entregando a esperança para a futura geração e passando o bastão para a nossa querida Kanao.

Falando em Kanao, muito triste que é outra personagem que fica eternamente no quase. Completando os cinco personagens que passaram juntos pela prova e têm sentidos aguçados, justamente ela acaba sendo a menos trabalhada, uma pena.

Giyuu e Tanjiro vs Akaza

Já que estamos nesse ritmo agridoce, preciso falar sobre o Giyuu Tomioka. O Pilar da Água sempre foi um personagem distante de todos os outros, o tempo todo negando as próprias responsabilidades e sendo aquele clássico Sasuke do rolê.

Justamente por isso acho muito triste que no final um papinho mole do Tanjiro que termina numa competição de soba meio que resolva o drama do personagem. Mesmo o flashback dele é bem pouco interessante, é quase um “passado triste . png” por parte da Gotouge. Bastante brochante de maneira geral.

Na quase contramão disso temos o Akaza, talvez a figura mais trágica dentre os demônios sob o comando do Muzan. O Akaza passa, no começo da luta, de um arrombado que matou o pilar do fogo para um ser digno de pena em seus movimentos de pena. Mesmo que a autora as vezes pese nos flashback triste pós derrota de vilão, inegavelmente aqui foi muito bem aplicado, principalmente por ter significado algo para o personagem em si.

Esse também é o arco no qual o Tanjiro transcende para o modo monge dele. Todo o momento em que ele finalmente vence o próprio ódio contra os demônios é muito bem feitinho (e meio jogado fora logo que ele encontra o Muzan, uns dez minutos depois). É interessante ver o caminho que o personagem percorreu para chegar até esse ponto e vingar o Pilar do Fogo.

Tokito, irmãos Shinazugawa e Himejima vs Kokushibo

Minha primeira pergunta é, o que o Himejima está fazendo nessa luta? Digo, o Tokito é descendente do Kokushibo enquanto ainda humano e os irmãos Shinazugawa contrastam com a maneira que ele se relacionava com o próprio irmão, mas o Himejima meio que só está ali por ser fortão demais.

E tem outra, Kimetsu no Yaiba passou muito tempo criando um hype desnecessario pra cima desse personagem. O grande samurai que se tornou demônio. E no final das contas a história dele é um repeteco com menos força da do Akaza em uns pontos, e um plot de Mulheres de Areia no outro. Mesmo com dois personagens, teoricamente, importantes morrendo nessa luta, ela parece jogada, esquecível, descartável.

A única coisa que se aproveita é o momento que ele morre, e isso num quesito mais temático dele olhar para a própria trajetória e perceber que, mesmo que o irmão dele tenha morrido a séculos, ele ainda vivia nas novas gerações, enquanto ele, ainda vivo, nada mais era que um cadáver putrefato e sinistro de alguém que uma vez fora um grande samurai.

Batalha até o Amanhecer

Enfim chegamos nele, no derradeiro clímax de Kimetsu no Yaiba. No momento em que todos os caçadores remanescente enfrentam Muzan Kibutsuji. Uma coisa meio esquisita nessa luta é que o Muzan é muito mais ameaçador quando age pelas sombras movimentando as próprias peças.

Então esse final é como se o Kira de Death Note saísse no soco com o Near e o Mello para resolver o conflito. Digo, eu sei que é uma armadilha sem muita escapatória, mas ao mesmo tempo a autora não fez nada para tentar contornar isso. Aquelas correntinhas dele ala Parasyte são bem pouco amedrontadoras.

O mesmo vale para a luta em si, por se alongar demais, temos um zilhão de momentos de quase morte com todos os Pilares. Só que isso é um tiro pela culatra e ao invés de aumentar a ameaça do Muzan, acaba por mitigá-la e dá um ar de incompetência para o inimigo derradeiro da humanidade.

A única coisa que eu de fato aprecio é a luta terminar com um plano bem executado por parte da Tamayo e Shinobu, mesmo que isso envolva uns três twists a mais do que o necessário. Só é bizarro que no meio disso tem uma décima terceira respiração do Sol que importa bem pouco, mas tem uma atenção enorme por parte do roteiro.

Tanjiro Kamado

Não dava pra falar de Kimetsu no Yaiba sem falar do seu protagonista, Tanjiro Kamado. O Tanjiro é um personagem muito interessante enquanto protagonista da Jump por ser consideravelmente diferente. O Tanjiro tem como traço definidor a gentileza dele, o que me lembra do saudoso Yoh Azakura de Shaman King.

Um carvoeiro do interior, cujas circunstâncias fazem com que se torne um samurai e enfrente monstros do oculto. Mesmo assim o jovem Tanjiro não perde a compaixão por aqueles seres dignos de pena, todos dizem que aquela compaixão vai levá-lo para a ruína, mas ele segue em frente.

Justamente por isso é uma imagem tão forte quando ele se torna um demônio no final daquela história. Um animal descontrolado movido pelo desejo do Muzan, numa tentativa do demônio primordial de passar o seu próprio legado para frente. Mas esse não é mais o mesmo Tanjiro, um Tanjiro que acha que é melhor morrer se isso for salvar outra vida. O Tanjiro de agora já passou por essa jornada, perdeu muito no decorrer dela e não tem um desejo de poder, ele é um simples carvoeiro no final das contas.

Então, nosso pequeno protagonista, que poderia ser o rei dos demônios, nega tudo isso e se mantém o que sempre foi, um fraco, frágil e mortal humano. Não existe um legado que o Muzan possa passar, porque o desejo puro e vazio nunca vai construir pontes.

Reflexos de tempos mais simples

Antes de pularmos para a conclusão, acho interessante de olhar como Kimetsu no Yaiba é uma história inocente e brega para os dias de hoje. Tudo que sai precisa de um olhar cínico, duzentos litros de metalinguagem e algumas pitadas de edgylord.

Mas justamente não apontar pra nada disso e escrever uma história mais anos 90 foi justamente o que deu tanta força pra narrativa de Kimetsu e engajou tanto o público. Existe uma certa carência atual por um battleshonen que não seja trevoso e self aware, ao invés disso entregue uma história honesta e boba, são mangás para crianças de 12 anos no final das contas.

Ainda assim é curiosa a trajetória do mangá, saindo de um quase cancelamento para roubar a coroa de uma década de One Piece. A narrativa em volta de Kimetsu no Yaiba já é o suficiente para captar adeptos, nessa época de torcidas por marcas e briga de fandom, é muito fácil se perder em discussões que esquecem sobre o que as hitórias são no final das contas. Justamente por isso que eu quis desenvolver essa longa review, para dizer o que eu acho que Kimetsu trata, mas não vou terminar em uma nota positiva não, vou fechar falando sobre o último capítulo.

Fanservice Tóxico

Eu entendo a ideia por trás do último capítulo. A Gotouge quis mostrar que os humanos que deram suas vidas para impedir a criação de um Demonio passaram pra frente seus votos de esperança e foram lembrados, enquanto aqueles que só espalhavam desespero foram esquecidos.

O problema é que reencarnação é literalmente a pior forma de fazer isso. Toda questão da diferença entre humanos e demônios era a fragilidade da vida humana e o quanto no final isso não importa porque as futuras geração seguirão os nossos passos. Só que tudo isso é descartado quando os próprios personagens tem sua nova vida garantida, é como entregar um passaporte de imortalidade para eles.

E tudo isso em prol de um balde de fanservice pro fandom, entregar os shippings que a galera queria, mesmo entre personagens já mortos, poder colocar um gostinho de “e viveram felizes para sempre indo para a escolinha” mesmo que isso traia todos os temas do mangá até ali.

É a pior versão desse final pau mole que virou norma entre os battleshonens da Jump. Parabéns Kimetsu no Yaiba por conseguir ultrapassar não apenas Naruto como também Bleach e se tornar o exemplo de como não se fazer um último capítulo.

Deixe uma resposta

11 pensamentos em “O Legado de Kimetsu no Yaiba – Review”