Acompanho a mídia dos animes a relativamente bastante tempo. Com a bagagem dos anos acompanhando animes de temporada, a gente acaba treinado para perceber um trabalho especial logo de cara. E foi esse o sentimento que tive assim que comecei o primeiro episódio de Paraíso Ilusório.
Paraíso Ilusório é uma produção da Production I.G. lançado no Brasil através do HBO Max contendo 13 episódios e uma segunda temporada já anunciada. Ele conta a história da dupla Maru e Kiruko, que viajam por um Japão pós apocalíptico em busca do paraíso. A série é uma ficção científica de sobrevivência com pitadas de horror.
Trigger Warning: Paraíso Ilusório contém cenas de abuso sexual e pode não ser indicado a todos os públicos.
Um fim do mundo bucólico
Uma coisa que me chamou atenção enquanto assistia a Paraíso Ilusório foi a escolha da direção de arte da série. Normalmente em histórias sobre o fim do mundo temos uma paleta toda lavada, cheia de marrom e cinza, para representar o fim da civilização.
Já a visão do anime sobre o fim do mundo é um tanto quanto mais bucólica. Passamos por lagos, florestas, campos, sempre cheios de verde. Mesmo as antigas cidades, agora destruídas, estão sendo novamente inundadas pela natureza.
Isso, aliado ao character design do Utsushita dão a Paraíso Ilusório um aspecto completamente único em um gênero pra lá de batido. É uma série que se mostra ao mundo como algo único, e não um pastiche de outros trabalhos.
Outro destaque nesse quesito, além da animação que se manteve em alto nível do começo ao fim, é o trabalho envolvido na construção dos monstros. Os comedores de homens são monstros bizarros que parecem uma mistura de 4-5 criaturas em um único ser e a série constantemente foi apresentando novos e diferentes bichos que sempre pareceram ameaçadores e grotescos.
Sempre que um comedor de homem estava em cena ele tomava para si toda a tensão, pouco importando quantos já haviam sido combatidos anteriormente. Som, animação e fotografia trabalharam em conjunto para trazer o perigo que essas criaturas representam.
O fator humano de Paraíso Ilusório
Mas animação e fotografia só podem levar uma série de ficção científica até um certo patamar. O passo além só pode ser dado com o elenco e as ideias que esse não futuro quer evocar.
Falando primeiramente do elenco, Paraíso Ilusório tem um hall consideravelmente grande de personagens. A narrativa é dividida em 2 núcleos principais, os que estão do lado de fora, com o Maru e a Kiruko, e os que estão do lado de dentro, com foco na Tokio e na Mimihime.
Inferno: O Lado de Fora?
O lado de fora é composto por aventuras parcialmente episódicas. Em resumo, Maru e Kiruko continuam sua jornada em busca do paraíso enquanto se deparam com outros habitantes daquele mundo.
Nesta primeira temporada, esse foi o lado da narrativa que mais me interessou, é aqui que está a carne de Paraíso Ilusório. Em primeiro lugar, pela dupla em si. Ambos os personagens começam interessantes, mas ganham tanto com o passar dos episódios.
Seja Kiruko, que começa como essa pessoa livre que parece não temer nada e resolver tudo, para ao final termos escavado tão fundo em seus traumas e dúvidas que não podemos mais não ser cúmplices de sua jornada. Seja Maru que começa como um garoto inocente sem conhecimento do mundo exterior ou de si mesmo, e termina com um peso psicológico das vidas que tomou e das que não tomou, a dupla carrega a história consigo.
Mas mesmo as pequenas histórias de momento a momento não deixam o nível cair. Da rebelião motivada pela ignorância, ao abatedouro de homens ou a pacata vila onde tudo está bem, Paraíso Ilusório parece sempre ter algum lado novo a explorar e mostrar dessa nova humanidade.
Paraíso: O Lado de Dentro?
Já o paraíso, embora tenha sua boa dose de desenvolvimento, é onde a narrativa esconde mais as cartas. Muito é mostrado propositalmente sem contexto para deixar o espectador curioso e se perguntando o que está rolando ali.
Não era raro ver as pessoas comentando nas redes sociais que não tinham entendido essa ou aquela cena, e sempre era sobre o lado de dentro.
Acho que o interessante dessa metade da narrativa é a clara parábola com o Eden. Temos crianças que são tentadas pela serpente do conhecimento e acabam sendo expulsas, com conhecimentos que elas não deveriam possuir.
Uma coisa interessante do lado de dentro é que quanto mais entrávamos nas tramoias e planos dos adultos, mais aquele paraíso ia sendo maculado. Ao final da temporada, é impossível olhar para aquele lugar com a visão inocente do começo, os muros que protegiam na verdade eram muros que aprisionavam.
A Quebra de Ídolos de Paraíso Ilusório
Para seguir falando do anime, vou ter que entrar em território de spoilers, Paraíso Ilusório é uma série que eu recomendo muito, então fica o aviso para quem for ver não ler daqui pra frente.
Um tema que ficou martelando muito na minha cabeça enquanto eu assistia Paraíso Ilusório é essa ideia do ídolo que você tem na sua frente, mas que você não sabe nada sobre ele. Muito dos personagens passam por isso, estando em um ou outro lado do espectro.
O mais óbvio de apontar é a relação do Haruki com o Robin. Quando Haruki viu Robin pela última vez, Haruki era uma criança, e o Robin era o jovem descolado rebelde que protegia todos. É natural que ele visse naquele cara o símbolo de tudo que é mais daora no mundo. Mas o Haruki nunca de fato conheceu o Robin, então no presente, quando se reencontram, ele busca um ídolo, não uma pessoa. E tem a imagem do tal ídolo esfacelada da maneira mais cruel possível.
Falando da cena em si, eu realmente acho que ter uma violência sexual algo desnecessário e clichê, o que é uma pena, pois a ideia é muito forte e muito interessante, e é algo que outros personagens também estão passando na trama.
Os doentes tinham esse ídolo no doutor, que por sua vez tinha seu ídolo na sua esposa. O próprio Maru cria essa relação de ídolo e obsessão com Kiruko. Quando esses ídolos quebram, temos as mais diversas reações, algumas saudáveis, outras de crescimento e até aquelas em que a pessoa termina destruída e sem nada.
Paraíso Ilusório
Pra mim, toda a perna final dessa primeira temporada fazem Paraíso Ilusório subir muito de qualidade. E com perna final eu quero dizer depois que eles saem da estação de tratamento.
A dupla Maru e Haruki estão no rio, e Maru vai se declarar a Haruki uma última vez. Todas as outras vezes, Maru sentia uma atração física pelo corpo de Haruki, uma musa inspiradora que e inexistente que atiça os hormônios do adolescente. Nesta última vez, no entanto, Maru não tem mais ela apenas como algo carnal, e o que ele ama é a pessoa Haruki, com todas as dúvidas e confusões que isso possa trazer.
Após isso, o que antes era uma relação de protetor e protegido, se torna finalmente uma relação de duas pessoas que irão cuidar uma da outra. Por mais que Haruki tenha muito mais experiência de vida, não é mais um laço desigual entre eles, o ídolo foi quebrado.
E então, Haruki rasga a foto do Robin, aquele por quem buscou incessantemente por todo esse tempo e depois de uma temporada inteira onde eles viajavam da direita para a esquerda em busca de si mesmos, agora finalmente eles vão no caminho contrário, já tendo encontrado o que procuravam. Ficarei de olho nos próximos trabalhos do Mori Hirotaka, o cara é muito bom.
O cara que só acredita vendo, e depois acaba escrevendo para os outros acreditarem.
2 pensamentos em “Paraíso Ilusório – Crescer é deixar seus ídolos para trás”
Primeiramente, vou falar parabéns pelo texto, achei muito hem escrito e acho que ele escolhe uma visão e uma linha que apesar de clara e recorrente não necessariamente é a que todos vão tirar ao ver a série de forma imediata, mesmo que ela seja uma das mais essências para o etendimento dela.
Agora, elencar aos poucos minhas anotações do texto, sei que você escreveu evitando spoillers e por essa razão tentei manter isso em mente também, mas aqui já abro pra conversar de forma aberta com spoillers contigo
Sobre a paleta de cores, acho que é uma escolha certeira por conta do tipo de historia que pela principal diferença é que apesar de ninguém saber nada, não é porque foi um apocalipse super distante, mas algo que ocorreu cerca de 15-20 anos atrás então a grande parte do que foi feito pelo ser humano tá bem de pé, tanto que apesar de ter dificuldade de achar comida não é absurdo e gasolina é abundante pra quem tem carro funcionando.
Outra coisa sobre os comedores de homem que acho incrível, mesmo tendo partes humanas e até assimilando humanos, como vemos o primeiros, nenhuma das partes humanas deles tem o mesmo propósito ou haje de forma humana, mesmo sendo animais conhecidos alguns se movem de formad completamente diferentes e acho que isso ajuda e muito na bizarrice e estranheza do que construiram.
Sobre o paraiso do lado de fora, um ponto que acho que não é muito spoiller mas importante resaltar e o porque a Tokio é tão importante é que a missão deles é achar alguem que tem o rosto igual ao Maru e que está no Paraíso, como vemos a troca de câmera “sabemos” que essa pessoa é a Tokio.
Já em relação ao lado de dentro, acho que uma estranheza que se aparece e se introduz cada vez mais aos poucos é como as “crianças” tem sempre alguma peculiaridade e algo que as deixa muito mais habilidosa do que um humano normal.
Um ídolo que também é quebrado e não vi você falar é o Kona com a Asura. Aparentemente ele consegue até ver ou sentir ela mesmo depois de ela morrer mas ele fica em uma negação tão grande que se quer pensa na possibilidade de que o que a Mimihime está vendo é ela.
inclusive, uma coisa é que a série me dá muita vontade de rever, como por exemplo a possibilidade de o comedor de homens peixe ser a Kuku, aquela que ajuda Tokio a ir ver os bebês.
Enfim, é isso, obrigade pelo texto.
See you bye bye
Opa, desculpe a demora, mas sim a iniciativa era realmente evitar dar spoiler porque senti que acabou sendo pouco visto na avalanche de coisas desse ano.
Falando especialmente do rosto igual ao Maru, eu não acredito que seja a Tokio. Para mim, tudo que acontece dentro do paraíso nessa temporada é um grande prequel, quando os garotos escapam ao final, eles dão origem ao apocalípse. Tenho grandes convicções que o Maru é um dos dois bebês da Tokio, e ele está buscando o gêmeo dele.
Isso explicaria o motivo dos Comedores de Homens serem semelhantes aos desenhos do Kona, afinal, como descobrimos, a doença faz com que os infectados se tornem Comedores de Homens. E quando as crianças escaparam, provavelmente todas infectadas, não havia cura desenvolvida.