Samurai 8: Um pastiche de Naruto – Review

Samurai 8: The Tale of Hachimaru é um mangá de 5 volumes lançado no Japão em 2019. Com arte de Akira Okubo (estreante) e roteiro de Masashi Kishimoto (Mario, Naruto) o mangá foi publicado na Weekly Shonen Jump (Akaboshi, Sensei no Bulge). O quadrinho permanece inédito no Brasil.

Sinopse: Hachimaru é um garoto com um corpo frágil. Preso a um sistema de suporte, sonha com o dia em que se tornará um samurai. Então, em um dia ordinário, um daruma aparece em seu quintal. Esse Daruma, além de se transformar em um gato, alega ser um mestre samurai. Daí em diante, a vida mundana de Hachimaru vira de cabeça pro ar.

Contraste e formatação de página

Eu tento evitar procurar por entrevistas e coisas que o valem antes de escrever reviews. Prefiro adentrar o mais neutro quanto possível num texto. Isso não foi possível com Samurai 8 por uma série de motivos. A começar por ter tido o desprazer de acompanhá-lo desde sua estreia até seu cancelamento. Se você me acompanha no Twitter sabe que tenho um costume de comentar capítulo à capítulo de basicamente todos os mangás da Jump semanal.

Então pessoas me mandam links e impressões vez por outra, e uma delas foi uma entrevista comentando sobre a produção de Samurai 8. Na entrevista o editor do mangá, cujo nome me escapa, dizia sobre como era quase injusto com os novatos serem comparados ao traço do Akira Okubo. Bom, me permita discordar. O trabalho de construção das páginas de Samurai 8 é péssimo. O traço fino do Okubo deixa muito complicado de separar personagem e fundo, a quadrinização é pouco aplicada e as cenas de ação são poluídas de um trilhão de elementos dissonantes. A escolha das armaduras gigantes, por exemplo, além de esteticamente feias, deixa um tanto truncado a leitura.

No que tange a quadrinização, o desenhista tem uma mania brega de dividir verticalmente a página para criar espelhos. Na maior parte do tempo o espelho já estava clara no texto literal do Kishimoto, não precisa deixar ainda mais bobo e escancarado. Eu me sentia vendo a página do penúltimo capítulo de Naruto, onde o Kishimoto te chama de imbecil ao, além de mostrar as estátuas quebradas com os braços dados, ainda conecta os personagens na cena com o sangue E FAZ UMA SOBREPOSIÇÃO DOS MESMOS DANDO AS MÃOS. Quem leu sabe qual a página que me refiro.

Um mundo complexo demais

Lembro como se fosse ontem quando Samurai 8 teve sua estreia. O retorno de Masashi Kishimoto foi alardeado com toneladas de propaganda. Para o primeiro capítulo, quase oitenta páginas. Então as oitenta páginas vieram e oh meu deus, quanta exposição.

A questão é, eu concordo, o mundo de Samurai 8 é complexo. Só que isso de maneira alguma é bom, muito pelo contrário. Metade dos sub-sistemas e textos importam um total de ZERO para o leitor. São apenas um amontoado de informação. Tem o samurai, dai tem o pet do samurai, que também é a armadura do samurai, daí tem a princesa do samurai. E cada samurai é parte de algum dos quatro estilos de luta. Que possui sua própria árvore de habilidades. Mas no final das contas tudo se resolve com um raiozão mesmo.

A quantidade de exposição é tanta que passamos longas quinze páginas entre o começo do mangá e a apresentação do protagonista. Isso se deve pela escolha bizarra de começar a história focando numa personagem que sequer aparece, depois vamos para uma luta confusa que na verdade é uma partida de videogame jogado pelo Hachimaru. Veja, disse o nome dele pela primeira vez desde a sinopse.

Mas isso não se limita ao primeiro capítulo. O mangá tem 43 capítulos e pelo menos até o 38 ainda estamos sendo inundados de explicação sobre o universo. Eu entendi que você gostou do seu mundinho Kishimoto, mas faça o favor de contar uma história antes.

Relações de plástico

É de se esperar que um mangá que gasta tanto tempo construindo seu universo tome o mesmo cuidado com seus personagens, mas não é assim que funciona com Samurai 8. A começar pelo relacionamento que deveria ser a âncora emocional do primeiro arco, Hachimaru e seu pai.

Nos é dito, por flashbacks (sempre eles) que eles se amam muito. Acontece que em qualquer momento com os dois personagens em cena estão trocando farpas. Normalmente com o Hachimaru sendo mimado com o próprio pai. E isso não é tratado como uma relação desgastada ou qualquer coisa do gênero. Então, quando a separação finalmente ocorre, nada é sentido por parte do leitor. A história diz que é um divisor de águas para o personagem do Hachimaru, mas pouco ele muda de fato.

Igualmente mal construída é a relação Ann-Hachimaru. Ann é a princesa do destino de Hachimaru. Além de, nos melhores casos brega, nos piores machista, a garota não passa de um acessório que tem seu personagem orbitando o de Hachimaru. Todos os momentos de algum desenvolvimento da Ann estão correlacionados a superação do Hachimaru. E a única vez que a trama ensaia um conflito entre os dois, por culpa de ciúmes besta do Hachimaru, o Kishimoto ainda tem a cara de pau de inverter e colocar a garota como errada por não estar enchergando o proto-samurai como ele mesmo.

Amigos e Rivais, o elenco de suporte de Samurai 8

Ainda falando da parte de personagens, Samurai 8 é bem pobre nesse quesito. Tem uma pegada bem Fairy Tail de ser, só que ao invés de magos, são samurais. A tentativa é de trabalhar um elenco composto de excluídos. E o mangá repete inúmeras vezes como personagem x ou y é muito parecido com o Hachimaru. Não que ele faça qualquer coisa com isso além de “é mesmo, são parecidos”.

Pra começar temos o/a Nanashi, personagem não binário apresentado logo no começo do mangá e basicamente esquecido desde então. Um lado meu agradece que tenha esquecido, o Kishimoto certamente não teria qualquer tato de tratar o assunto. Mesmo assim, quando o personagem eventualmente retorna, o assunto parece completamente esquecido.

Outro personagem, desta vez com bastante presença, é o mentor. Daruma é um mentor em desgraça que acabou transformado num gato depois de ter sido traído pelo seu discípulo anterior. Daruma é o personagem que traz a moral da história, com ditados lindamente tirados de uma roda de boteca, tem a finesse de um episódio do He-man. O personagem em si, além de ser um repeteco do Jiraya, parece completamente perdido na história, sem conseguir de fato se conectar ou treinar o protagonista, mesmo que a própria narrativa tenha certeza do contrário.

Sobra a talvez melhor coisa do Samurai 8 então, a dupla Ryu e Sanda. Ryu é um personagem basicamente cômico, um samurai sem memória. Sanda é o parceiro trambiqueiro dele. Ainda que não seja a coisa mais profunda do mundo, a relação deles soa real, orgânica, algo que falta em basicamente todas as outras, mas tem um porém.

Battle Royale, uma imensa perda de tempo

E esse porém é o arco do battle royale. O maior arco do mangá, com 17 capítulos e uma longa missão paralela, o arco é péssimo de maneira geral. Eu quero me atentar primeiramente a total falta de controle narrativo de Samurai 8. O mangá começa um battle royale com +1500 participantes, mas não consegue passar esse sentimento de maneira nenhuma, principalmente por chegar a unidade das dezenas em três capítulos.

O mesmo se dá para o primeiro duelo entre Ryu e Hachimaru. Em um único capítulo o duelo/treino começa, mostra a superioridade do Ryu e inverte para uma vitória do Hachimaru. É muito claro que Samurai 8 morre de medo de deixar seu protagonista numa posição ruim. Hachimaru precisa estar certo, vencendo, por cima, sempre.

E pra isso, ao invés de mostrar durante a luta ele lentamente domindando os movimentos do Ryu, Samurai 8 opta por simplesmente colocar um monólogo interno do Ryu de “nossa, ele tá melhorando”. Não sou parte do culto Show Don’t Tell acima de tudo, mas nesse aspecto em especial, estamos lendo uma mídia focada no visual, o Okubo não era injustamente superior aos novatos? E essa sessão de treinamento ainda é repetida com o próximo rival, o Kishimoto consegue se repetir num mangá de quarenta capítulos.

Mas depois da tangente e voltando ao battle royale, o arco acaba sendo resolvído por um quase figurante. Sim, eu sei que o Sen tem nome e um capítulo dedicado para uma lutinha, mas sério que ESSA era a escolha para resolver um arco que está trabalhando o Sanda e o Hachimaru? Um terceiro completamente alheio? Então tá.

O flashback do Sanda

Antes de darmos o derradeiro adeus para o segundo arco, queria um momento especial para o flashback do Sanda. Primeiro por achar impressionante o quanto o Kishimoto não percebeu o que escreveu.

O flashback começa depois de descobrirmos que o Sanda é um traídor e está trabalhando para o vilão do arco. Ele atrai samurais para o planeta e o vilão rouba as chaves deles. As mecânicas sobre como isso funciona e o que é uma chave de um samurai importam pouco, basta que você saiba que o samurai morre se perder a chave.

Então, com a traição, descobrimos que o Sanda é filho de um samurai famoso, no entanto não pode se tornar um por causa da baixa probabilidade de sucesso. Ele é então abandonado pelo próprio pai e passa a não confiar mais em ninguém.

A grande questão é que, durante o flashback, descobrimos que o vilão do arco trocou os testes para que ele falhasse. Então o pai, um samurai de renome, decide deserdar o garoto e depois quase o mata tentando forçar uma transformação em samurai. Da forma como a história é contada, fica muito focado numa narrativa da traição e manipulação do próprio vilão, e a própria narrativa absolve o pai de ver o filho como nada mais que uma extensão de si próprio.

Tá tudo bem ele ter consientemente tentado transformar o filho em samurai mesmo com a chance quase nula de sucesso para manter as aparências, foi tudo um plano do vilão. O gosto final disso tudo é um tanto amargo, além de privar o próprio Sanda de ter um bom arco de personagem, sendo alguém que não pode se tornar um samurai.

A história de Hachimaru

Dito tudo isso, talvez a coisa mais triste de todas seja o quão pouco essa longa epopeia fala sobre o Hachimaru. O coração de Samurai 8 deveria ser a jornada desse garoto empolgado e singelo, que por vezes acaba sendo até mesmo rude, conhecendo o universo pela primeira vez.

No lugar disso a megalomania da história se torna sobre salvar o universo, sobre heroísmo, sobre caixas e deuses. Nada disso é sequer explorado, Samurai 8 é muito raso para tratar qualquer tema. Heroísmo é o nível de poder do personagem. A espada é a vida do samurai? Então a alma literalmente é a espada do samurai. Isso percorre todos os temas que a história se predispõe a tratar.

E no meio dessas alegorias furadas, esquece de se aventurar com o jovem. Dragon Ball não é o monstro de popularidade por causa das explosões, nem por causa de Namekusei explodindo em cinco minutos. Dragon Ball é o que é pelos pequenos momentos. Do Goku carregando o leite com o Kuririn, do Piccolo se sacrificando pelo Gohan, do Gohan assumindo o posto de defensor da Terra no lugar do pai.

Se algum dia o Kishimoto voltar a escrever mangás, espero que ele se lembre disso.

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