Meu Vizinho Totoro

Seguindo nossa jornada de fins de mês, sejam bem vindos a mais um Filme x Filme. Desta vez o segundo/terceiro filme da Ghibli, Meu Vizinho Totoro. Totoro estreou em uma sessão dupla com Cemitério dos Vagalumes, em abril de 1988.

Totoro foi escrito e dirigido por Hayao Miyazaki (Laputa, A Viagem de Chihiro). Conta a história de Satsuki e Mei, quando elas passam a morar no interior. As irmãs então entram em contato com a natureza e suas criaturas mágicas, em uma aventura com estrutura de fábula.

Uma jornada pessoal

Talvez Totoro seja o texto mais difícil que tive de escrever até agora. Não, sério, essa é a segunda tentativa, e talvez não seja a última. Então decidi abandonar de vez qualquer noção de objetividade e imparcialidade que pode separar o texto de você, leitor. 

Se isso te incomoda, pare aqui, assista o filme, é ótimo, sério. Caso contrário, seja bem vindo a essa…coisa meio disforme que resultará.

Totoro foi uma experiência curiosa. Muito me foi dito antes de começar a ver. A grande fama sobre ser o filme feliz que acompanhava o Cemitério dos Vagalumes. Uma visão meio boba e adolescente de que um drama é melhor que uma comédia.

Totoro é o companheiro perfeito de Cemitério dos Vagalumes. Mas mais importante, Cemitério dos Vagalumes também é o companheiro perfeito de Totoro. São duas faces, duas visões sobre uma história parecida. Crianças, crescidas numa época de guerra, uma mãe doente, fugindo de Tóquio para o interior, possivelmente em busca de segurança.

Enquanto a obra o Isao Takahata representa a crueldade e o pouco caso pela vida humana, Miyazaki opta por uma abordagem de comunidade e acolhimento. Totoro não é a sobra, o prêmio de consolação, um doce pra criança depois de uma vacina. Totoro é uma obra melhor por estar ao lado de Cemitério, e o mesmo pode ser dito do contrário.

Slice of life

O que eu dizia sobre a dificuldade em escrever essa crítica, se deve principalmente a diferença estrutural de Totoro com relação a qualquer outra história que já escrevi para o site. 

Totoro se vê completamente livre das amarras, não depende da estrutura batida e fechada dos três atos. Sequer depende de um conflito. Isso não significa que estruturas são ruins, muito pelo contrário, demonstra um domínio pleno por parte do Miyazaki para poder quebrar as regras, com um grande propósito, conectar.

A grande coisa, o grande charme de Totoro, é a sua universalidade. Mesmo inserido numa visão de mundo muito específica, ela transmite o conceito de infância como poucos.

Tanto a personagem da Mei como da Satsuki são muito palpáveis. Você com absoluta certeza foi ou conhece uma Mei e uma Satsuki. Uma criança que grita não estar com medo pra disfarçar o medo, afobada pela aventura, pela descoberta do desconhecido.

Toda criança tem um pouco de Mei. Em especial me lembrou da minha própria infância, quando viajava para o interior e brincava de faz de conta, ao mesmo tempo que não dá pra saber quanto de real se mistura na cabeça de uma criança de quatro anos.

E essa é a parte mais mágica, ao sermos colocados na visão de crianças, abraçamos o mundo mágico sem restrições, sem preconceitos. Não existe uma preocupação idiota de bestiário de RPG pra catalogar o Totoro. O Totoro É o Totoro.

Animismo japonês

Por falar em Totoro, que criatura graciosa. A todo momento em que ele estava em tela, atraia os olhos com seu encanto e carisma. 

Tudo isso se dá pelo contexto da visão de mundo japonesa, muito menos antropomórfica que a nossa. A visão que permite existir um deus da floresta, e um deus de outra floresta, e isso não ser uma questão.

O cristianismo não deixa espaço para a existência de uma força da natureza. Ou algo veio do inferno, ou do céu. Essa diferença de modo de pensar faz com que a existência do Totoro seja quase que críptica. O Totoro não é um fantasma mau, nem por isso é uma entidade de pura bondade, ele existe para si e para a floresta, é brincalhão e magnífico. Por isso acaba também por ser tão humano.

Uma questão que me chamou atenção enquanto assistia, era de como todos a volta das crianças permitiam que elas explorassem o mundo. Não existia por parte nem dos pais, nem dos locais, qualquer tentativa de podar a mentalidade das garotas.

Prendê-las na lógica que para eles era mais confortável. Muito pelo contrário, houve sempre uma tentativa de incentivar a experimentação das mesmas. Permitindo a elas serem crianças.

Outro ponto curioso é como o filme pega emprestado bastante coisa de Alice no País das Maravilhas. Desde o primeiro encontro com a toca do Totoro, até uma clara homenagem prestada ao gato. Não digo isso como demérito, o filme se apropriou de maneira maravilhosa do clássico da Disney e tornou seu.

Mamãe doente

Mas nem tudo são flores e eu sou um velho rancoroso. Uma coisa que me incomoda bastante é, lá pro final do filme, quando Totoro decide inserir um conflito. No caso, dois conflitos que correm em paralelo: a Mei se perde, e a tensão da possível morte da mãe.

Começando pelo segundo, é um conflito muito artificial. Mesmo que faça sentido dentro do texto, por ela ser apresentada como alguém doente, fica muito destoante do tom geral do filme. Em nenhum momento se sente que a mãe corre qualquer risco. Ele parece estar lá simplesmente porque o roteiro precisava que as irmãs brigassem.

E não é como se ele fosse realmente necessário para o segundo que é o conflito relevante. O filme plantou várias vezes a ideia que a Mei se perde, não foi uma, nem duas vezes, foram vários momentos em que ela se perde momentaneamente. Já era plenamente suficiente a garotinha de quatro anos, com saudade da mãe, ter decidido levar o milho no hospital.

É uma necessidade de tentar crescer os riscos, que não ajuda em nada. Não é como se a Satsuki tivesse um grande arco sobre valorizar a família, mesmo porque não é um filme sobre desenvolvimento de personagens. Então realmente o risco de morte mais drena a relevância do sumiço da garota que soma algo a ele.

Dito isso, a Satsuki recorrer a ajuda da floresta para encontrar a irmã é lindo.

Meu Vizinho Totoro

Meu Vizinho Totoro foi uma jornada, em suas pouco mais de uma hora e meia de duração contou mais que muito filme de três horas. O ecossistema rico, a vila calorosa e simpática, a criatura fantástica e misteriosa, o elenco charmoso e multifacetado.

Foi pouco mais de uma hora e meia, mas pareceu mais. Pareceu que era um mundo que sempre conheci, sempre fiz parte, mas estava escondido em algum canto empoeirado da minha memória. Que só foi necessário um sopro e um pouco de sol para que tudo voltasse, mesmo que eu estivesse vendo o filme pela primeira vez.

Foi pouco mais de uma hora e meia, mas criou um ambiente confortável, uma vila onde todos são a melhor face do que podem ser. Onde um garoto pobre de roupas remendadas empresta seu guarda-chuva furado por ser o certo.

Onde um bando de desconhecidos despende horas procurando uma garotinha perdida. Talvez seja por minha visão de mundo se aproximar tão mais com Cemitério, que me apaixonei pelo seu Vizinho.

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