A mentira da maturidade em Karen Bee

 

Mesmo que para todos os efeitos Tsubasa Cat seja o clímax e a conclusão da série Monogatari como ela foi inicialmente concebida, Nisemonogatari é o que Nisio Isin tinha em sua mente como o verdadeiro capítulo final para ela, o epílogo, por assim dizer. Seria o ponto alto onde deixar os personagens, quando eles teriam concluído suas respectivas jornadas e estariam bem. Houve apenas dois empecilhos para tanto: Nisio Isin gostou demais do anime e queria ver seus contos animados; Ele se divertiu tanto escrevendo Nisemonogatari que percebeu que tinha personagens em particular – Tsubasa e Mayoi – que gostaria de explorar mais. Decidiu, portanto, continuar a série. Mas não sem antes estabelecer uma separação entre sua ideia inicial para os livros e os “extras” que viriam depois.

A ideia inicial e já completa de Monogatari, é o que denomina-se hoje como a First Season. Composta dos seis primeiro volumes da novel japonesa ou dos sete primeiros volumes da novel americana. Os extras e as novas ideias que Nisio Isin teve após esta temporada foram denominados como Second Season em mais seis volumes e foram finalizados em mais seis na “Final Season”, são histórias que concluem a adolescência de Koyomi Araragi. Posteriormente, houve ainda uma “Off Season” e atualmente, está sendo escrita a “Monster Season”. Existe algo que compele Nisio Isin a escrever e o cara não para. – Particularmente, eu não acho que seja só sua paixão pelo seu hobby, mas sim a liberdade editorial que ele tem para por no papel algo tão experimentalmente absurdo quanto ele pode imaginar com Monogatari. Katsushi Ota, o editor e responsável pela linha Kodansha Box é quem dá essa liberdade para Nisio e o apoia como um entusiasta literário querendo ver o pós-modernismo em ação através de um bom autor – Desta forma, não é exagero dizer que Monogatari é uma série de livros que já acabou duas vezes e que continua firme e forte até hoje. Porém, suas raízes sempre foram claras desde o começo com a First Season. O  que não significa que o que veio subsequentemente foi só uma reiteração do que havíamos visto. As sequências se tratam de um aprofundamento, tanto de novas quanto velhas perspectivas. E o fundamento disto, apesar de estar sob toda a série, se estabelece de fato aqui em Karen Bee. Um conto sobre mentiras e crescimento, ou sobre as mentiras do crescimento.

Existe uma forma “simples” de explicar o mundo e as regras por trás de Monogatari, bem como a raiz temática de todas os volumes discutidos desta First Season: O idealismo metafísico. Para entender isto, basta vermos as aberrações. Elas são as ideias que tomam formas no mundo físico e são perceptíveis somente para determinadas pessoas em condições específicas. Muitas vezes, as aberrações só são realmente perceptíveis para o “hospedeiro” que está intrinsecamente ligado a elas. Porém, isto não impede que as pessoas dispostas e suscetíveis possam “notar” tais aberrações de alguma forma. Aqui, a realidade é moldada e alterada pela cognição humana.

É algo parecido, mas diferente do idealismo subjetivo de Berkeley, que predispõe a mente do indivíduo como a única forma de existir a realidade. No caso de Monogatari, o fenômeno ocorre independentemente de um só indivíduo e se concretiza através de mais de uma percepção, sendo tangível na realidade como um todo. Também não há raízes de idealismo Kantiano, pelo simples fato de que o mundo retratado por Nisio Isin é metafísico e não puramente epistemológico. Não obstante, também não há raízes do idealismo absoluto de Hegel, já que as aberrações são originadas do imaginário e percepção humana e não de um sujeito absoluto que se transforma em natureza para ser percebido pelo espírito, tampouco se concretiza somente espiritualmente.

Em suma, Nisio Isin não se baseia unicamente em um modelo idealista para escrever, mas ele utiliza desses estudos filosóficos para desenvolver a história sem necessariamente se fechar em uma certeza. O idealismo é uma ótica importante para a narrativa em Monogatari justamente devido ao seu subjetivismo. A verdade aqui não é absoluta, é apenas uma questão de perspectiva e assim, Nisio pode construir melhor as motivações e perturbações psicológicas por trás dos personagens. Além de, é claro, poder enganar o leitor. Não só pelos mistérios que estão escondidos em plena vista, mas também de forma mais literal. vendendo uma mentira como verdade através do narrador não confiável que é o Araragi.

E em Karen Bee nós temos muitas mentiras,  algumas grandes, outras pequenas, e somente uma verdade, que no fim das contas, foi construída. Ou talvez, seja melhor dizer que estas mentiras são falsas aparências. Depende inteiramente de ti se você quer acreditar ou não nelas.  – Deja vu – Portanto, deixe-me lhe dizer a verdade sobre esta primeira parte de Nisemonogatari: Koyomi Araragi é o antagonista da história; Quase nenhum personagem cresceu realmente ou é o que aparenta.

 

Estagnação

 

Tal qual Tsubasa Cat, em Karen Bee todos os personagens da série aparecem. Não só pela natureza finalística do epílogo, Nisio quer fazer um contraponto ao que havia sido estabelecido antes. Por isto, Nadeko, Kanbaru e Hachikuji fazem uma participação na história. Estes momentos não parecem ter muito significado inicialmente, mas eles têm. Não só pelas lacunas que estabelecem toda a base por trás da Second Season, mas também por demonstrar o erro do leitor. O erro de acreditar na plenitude do desenvolvimento dos personagens.

Sabe o que é uma péssima ideia? Visitar a casa de uma garota que claramente tem atração por você quando você tem uma namorada. Isto é óbvio para nós, leitores e para qualquer um que não seja o Araragi. Por algum motivo, Koyomi realmente acredita na inocência de Nadeko e no papel que ela teria para ele como “irmãzinha”. Provavelmente, por que ele queria que Karen e Tsukihi fossem mais quietas, contidas e educadas como Nadeko, que ele enxerga como sendo ideal. Então ele não nota a malícia por trás das ações dela até o último momento, quando ele finalmente é forçado a reconhecer que tem algo de errado. E mesmo assim, ele só o faz metaforicamente. Expondo o mau agouro que sentiu devido ao semblante de cobra no comportamento de Nadeko.

E eis que você me pergunta, qual é o propósito disto? E eu respondo. Deixar perfeitamente claro que o Araragi não é confiável. Nós não devemos acreditar em tudo que ele nos fala, mesmo que ele seja o narrador da história. Mas, por enquanto, guarde esta informação para mais tarde. No momento precisamos falar sobre Nadeko.

Existe algo subtendido do arquétipo “tímido” de personagem. Lendo nas entrelinhas de boa parte de suas histórias, nós notamos que estes personagens mais fechados possuem uma baixa auto-estima. Isto havia sido explorado anteriormente em Bakemonogatari, evidenciado pelo desgosto de Nadeko pelo seu próprio corpo. E em Karen Bee, Nadeko faz uso de seu corpo como uma ferramenta de sedução. Ela tenta provocar e dominar Araragi através de sua eroticidade. Ela o faz enquanto mantém uma máscara de inocência.

E enquanto na superfície pode até parecer que Nadeko superou parte de seus problemas de confiança, na realidade o que existe de fato é uma projeção do amor que lhe falta em si mesma através da idealização do Araragi. Ela o admira, sempre o admirou e acredita que se receber o seu amor, irá encontrar plenitude. É uma forma de validação bem tóxica que pode trazer algum alento a curto prazo, mas que no fundo não resolve os problemas de Nadeko consigo mesma já que ela se vê dependente desta aceitação. E ela quer isto independente do que é necessário, ela irá se degradar e fazer o imoral – tentar conquistar uma pessoa compromissada – porque na sua visão, aquilo é dela.

Kanbaru já viveu algo parecido em Suruga Monkey e aparentemente superou seus problemas. O que nos é mostrado, no entanto, é diferente, mas é algo que o próprio Araragi falha em notar muito bem. Em parte por que ele mesmo faz vista grossa para Kanbaru, em parte por que ele se vê como fraco de vontade e se sente culpado por isto. Apesar de toda sua pomposidade e de sua língua ardente, Kanbaru não é tão segura de sexualidade quanto se gaba. Basta ver sua resignação a sua vergonha quando sua avó a viu nua conversando no telefone. Ou ainda, sua teimosia e desespero quando Araragi conclui que Kanbaru talvez seja apenas uma garota saudável e normal.

De forma similar, Kanbaru tem reprimido seus sentimentos e problemas para si. Ela não se abre com seus avós sobre seu braço demoníaco, ela apenas os diz que é um ferimento. É feita uma linha clara entre eles, pois mesmo que sejam próximos, Kanbaru não quer envolver ninguém em suas questões. E também, por isto, Kanbaru tem guardado para si as emoções que tem por Senjougahara. Mesmo que sinta ciúmes não só do Araragi, mas também de Hanekawa. Mesmo que o desejo seja forte. Tudo para não machucar o relacionamento deles um com o outro e com ela.

Em meio a todas essas questões, é Araragi quem a ajuda. O ato simbólico de limpar o quarto da Kanbaru é uma forma de mostrar como ele a tem feito se sentir mais segura e consciente. Só que ela ainda se sente perdida, ela ainda não sabe como seguir em frente, ela só sabe que precisa disto. Ela precisa do direcionamento constante que obtém das conversas com Araragi, afinal, de pouco em pouco tempo, o lixo se acumula e seu quarto – sua mente – vira uma bagunça de novo.

E é claro, ao contrário de Kanbaru, Mayoi Hachikuji não está mais perdida. Nós vimos sua ascensão em Bakemonogatari e sua dinâmica com Araragi foi bem explorada e recorrente. Porém, é aqui em Karen Bee que algo que eu mencionei em outro texto é mais fácil de notar. Araragi e Hachikuji conversam sobre como pode ser importante guardar segredos para evitar que pessoas se envolvam. Compartilhar experiências é o mesmo que compartilhar dores. Portanto, às vezes é necessário manter segredos para proteger aqueles que nos são queridos.

Eis que nos são reveladas duas coisas: Araragi tem medo de que Hachikuji suma como Oshino; Araragi só se abre completamente com Hachikuji e Shinobu, são elas quem guardam seus segredos. Fica claro então que a relação entre Araragi e Hachikuji realmente é desequilibrada. Embora eles se vejam como iguais, eles não o são e nesta situação, é Araragi quem está forçando seu próprio sofrimento em Hachikuji e fazendo-a sofrer por consequência. A implicação se torna ainda mais significativa quando notamos que Hachikuji decidiu não seguir em frente para ajudar e se relacionar com Araragi, ela quer carregar este fardo junto com ele. Eu já falei antes, mas não custa repetir, a dinâmica das piadas de assédio sexual entre os dois é só uma forma de refletir a relação distorcida dos dois.

O que essas três personagens nos mostram é que elas estão estagnadas. Embora elas tenham superado um problema anterior, elas ainda não amadureceram de verdade e estão presas às suas condições primárias. É uma evidência da falta de imaginação que é pensar que as coisas se resolveram simplesmente por que uma história se concluiu bem. Mesmo quando os sinais são claros, nós mentimos para nós mesmos para evitar decepções. E Nisio Isin quer que você pense no futuro que aguarda os personagens de Monogatari e para tanto, essas três personagens não só acrescentam a temática central de Karen Bee, como também servem como um foreshadowing do que está por vir na Second Season.

 

Os moldes do crescimento

 

Foi uma escolha de Araragi se afastar de suas irmãs. Afinal, ele não quer envolver sua família nos seus problemas, ele não quer levá-los a conhecer o mundo das aberrações. Uma vez que se tem o conhecimento, torna-se muito mais fácil notá-las. Não à toa, Araragi mantém o seu vampirismo em segredo, ele quer proteger a sua família a qualquer custo. Em contrapartida, ele causa-lhes sofrimento de qualquer maneira. A distância que ele impôs se torna uma barreira entre os laços que ele possui.

Tsukihi lamenta para Koyomi que gostaria que ele não estivesse crescendo tão rápido, pois está deixando ela e Karen para trás. E de certa forma, é verdade. Koyomi, que antes havia se fechado para o mundo e só interagia com as irmãs, está agora criando novos laços. Desde o recesso de primavera, Koyomi fez diversas amizades e até mesmo entrou em um relacionamento – não que elas saibam dele ainda -, estando muito mais predisposto a interações sociais. A sua aparente maturidade ocorreu de forma muito abrupta e rápida.

E isto é algo que é notado de forma muito perspicaz por Hanekawa. Ela nota a carência e dependência que as irmãs de fogo tem de Koyomi e o quanto elas se espelham nele. O ideal de justiça de Karen e Tsukihi nada mais é do que uma forma de emular o irmão mais velho que elas admiram. Da mesma forma que Hanekawa é um ideal para Koyomi, Koyomi é um ideal para suas irmãs. – Elas pelo menos reconhecem melhor as falhas dele. Algo que ele não faz com Hanekawa. Mentindo para si mesmo para não admitir que a presidente de classe não é perfeita. –Eles cresceram sobre as mesmas condições e princípios, mas o distanciamento intencional de Araragi prejudica a segurança da justiça delas. As irmãs de fogo sentem que precisam provar algo para Koyomi, que elas são fortes por si só e que elas vão fazer o mesmo que ele.

E é neste conflito que se encontra o pathos de Karen Bee. No confronto entre Koyomi e Karen, onde o antagonista é o próprio Koyomi.

Algo já tocado em Bakemonogatari também é que Koyomi sente decepção de si mesmo. Ele se enxerga como uma versão inferior de si mesmo, como um futuro que deu errado. Na sua visão, a criança que Koyomi Araragi era é um ser muito mais admirável e cheio de potencial do que o atual. Ele era o garoto de ouro, ele fazia jus às expectativas de sua família. No entanto, como já sabemos, algo deu errado e ele se perdeu. Seu desempenho na escola caiu e Koyomi se tornou um cínico que passou a se isolar das pessoas.

Karen quando colocada em contraste com Koyomi simboliza o mesmo, só que em sua infância. A própria adota uma justiça infantil, bem dualista e conveniente. Ela quer ajudar os outros, ela quer parar os vilões. Ela se enxerga como a justiça absoluta. No fim das contas, é o ideal que Koyomi carrega também, porém a perspectiva muda tudo. Koyomi enxerga a sua necessidade de justiça como o algo tóxico que o é. Ele depende disto, vive para isto e quer morrer para isto, pois não tem valor nenhum para si. O ideal de Koyomi Araragi é uma forma de escape da depressão no qual ele se encontrou. O reconhecimento desta verdade o faz sentir falta do tempo em que ele podia simplesmente acreditar no ideal de forma pura.

Por isto, o conflito entre Karen e Koyomi, nada mais é que o conflito entre o Koyomi criança, e inocente, e o Koyomi adolescente, e cínico. E aqui, o crescimento dele deturpa o potencial de sua justiça se aproximar da verdadeira. Daquela que remete a essência do mundo das ideias de Platão. Ainda assim, existe turbulência interna em Araragi, enquanto ele clama pelo que ele já foi um dia, ele diz odiar a justiça que Karen e Tsukihi exercem no presente. Isto pois Koyomi enxerga as falhas da justiça, ele sabe o peso que estas falhas carregam.

Já parou para pensar porque Koyomi odeia tanto Kaiki?

É claro, instintivamente, ele percebeu desde o começo que havia algo em Kaiki que o deixava perturbado. Ele sentiu em Kaiki a segurança do conhecimento de Oshino e a devoção fanática de Guillotine Cutter. E também viu um pouco de si mesmo ao olhar para o abismo. Koyomi entende que Kaiki só é um vilão a partir de uma perspectiva. Ele entende que para Kaiki, ele mesmo não é nada além de um servo de sua própria justiça. Mesmo as ações ruins de Kaiki podem acabar trazendo uma retribuição para outras pessoas, nem que este seja meramente monetário. Para Koyomi, Kaiki é um violador do ideal de justiça, alguém que não a respeita. O total oposto de si… Do seu eu ideal, pelo menos, por que no fundo, Koyomi enxerga um pouco de si mesmo em Kaiki. Ele sabe que se tornou cínico como ele e sabe que se aproveita da justiça tal qual ele, para satisfazer os seus próprios anseios. E existe também uma certa inveja. Koyomi queria ter a liberdade de Kaiki para não sentir o peso da culpa, para exercer a justiça mesmo sabendo que no certo pode haver mau para outrem, ou simplesmente para poder se entregar a seus desejos.

“Eu juro, eu vou fazer minha próxima vida ser melhor. Eu irei renascer como alguém simplista, que dança ao redor de relacionamentos, que não se sente culpado por qualquer pequeno detalhe, que pode deixar as coisas ao acaso sem precisar se preocupar muito, que não sente nenhuma dúvida sobre insistir em conseguir as coisas do seu jeito e que é capaz de culpar tudo de errado que acontece em sua vida nos outros! E é por isso que – !! Eu vou ajudar você. Sugue meu sangue.”

Disse Araragi ao entregar sua vida para Kissshot e morrer pelo ideal no qual acredita.

O “vilão” da história nada mais é do que um símbolo do que Araragi já havia se tornado quando ele cresceu e do que ele tem medo de se tornar como um adulto. E assim se fecha o palco central de Karen Bee, quando Karen (o Koyomi ideal) enfrenta Koyomi (o que cresceu e é parecido com Kaiki).

Seria, no entanto, o que define o Koyomi atual realmente seu cinismo? Isto é algo que realmente o mudou, só que houve também um outro evento que o transformou, o recesso de primavera.

A cena do banho entre Shinobu e Araragi traz a tona essas questões. O diálogo entre os dois nos relembra dos sentimentos que foram se transformando desde Kizumonogatari. Para começar, Shinobu finalmente se manifesta, ela quebra o seu voto de silêncio e participa de uma conversa. É uma metáfora, após Tsubasa Cat, é a primeira vez que Araragi dialoga com sua auto-estima. E é claro, é importante dizer, Shinobu também. Ela não é só uma alusão, é uma personagem por si só e Araragi é um reflexo dela também.

Não é possível apagar o passado, mas é possível conviver com ele, crescer com ele. É através deste argumento que Shinobu decide ser uma participante ativa da história novamente. Araragi e Shinobu ainda odeiam a si mesmos, especialmente Shinobu. Só que existe uma vontade, respeito e amor que um tem pelo outro que eles não são capazes de encontrar em si. E quando Shinobu tenta convencê-lo novamente a deixá-la morrer por ele, Araragi já encontrou sua resposta. Talvez eles não sejam capazes de perdoar um ao outro – perdoar a si mesmos –, mas eles vão viver. Eles irão viver até a morte chegar naturalmente. Mesmo que isto signifique que no final não terão nada além de um do outro.

É uma aceitação de si que Araragi só pode encontrar por ter passado por todos os outros contos até aqui. Ele encontra um lugar dentro de si para o amor e ele faz isso através de Shinobu. E em contrapartida, esta reconciliação é a resolução de um conflito e o início de uma outra jornada, pois agora é Shinobu quem precisa aceitar esta vida. É isto que significa “força de vontade”, é aqui, que pela primeira vez, Araragi se tornou forte de verdade.

E logicamente, a compreensão deste desenvolvimento é importante para entender como se dá o confronto entre Karen e Koyomi. Tendo passado pelo seu próprio arco de crescimento, Koyomi percebe algo sobre Karen e sobre si mesmo. Karen alimenta o seu ego com sua justiça, ela precisa de um vilão, de um objetivo para se satisfazer. Ela o faz de forma inconsciente, mas ela o faz, e a falta de auto-avaliação dela a impede de ter real convicção. É um desejo puro, no sentido de que é o mais próximo da essência do ideal que poderia existir, é um desejo ainda imaculado do conhecimento da malícia. Isto por que a raiz da justiça das irmãs de fogo são os outros e não elas mesmas. Porém, é um desejo fraco e supérfluo, tão distante da força do ideal quanto poderia ser, justamente por que não é motivado pelo eu.

É o contrário de Koyomi que o faz por si. É o contrário de Hanekawa que o faz por si, e todos a enxergam como o ideal, ou o mais próximo do ideal, por que quase não há interferência de seu ego no seu senso de justiça. E diante disto, Karen perdeu para Kaiki e perdeu para Koyomi.

Pelo menos, não foi uma derrota sem significado. Koyomi revela algo muito importante para Karen e se posiciona como um guia para ela. Ele pode não gostar da forma como elas fazem a própria justiça, mas ele sempre teve muito orgulho delas. Demonstrando que ele também sente orgulho de si mesmo, do que foi e do que é. É o eco da aceitação que ele finalmente encontrou para si mesmo. E é isto que impede de se tornar um Kaiki, quando realmente importa, Araragi não define o valor do mundo e da justiça através do cinismo.

 

A construção da verdade

 

Uma escolha que não é dada a nenhuma criança é o seu ambiente. Ninguém tem como escolher onde nascer ou com quem terá de conviver. E se existe uma escolha a ser feita, esta escolha é uma ilusão dada a consciência em formação de uma criança. Não deve-se esperar que alguém seja capaz de tomar uma escolha que altere sua vida na infância. É um peso grande demais para ser assimilado. Ainda assim, este é um aspecto extremamente importante para o desenvolvimento de uma pessoa.

Isto é demonstrado muito claramente em Monogatari. Os contos revelam como as famílias e circunstâncias da infância de Hanekawa, Kanbaru, Hachikuji e Sengoku formaram a personalidade delas. São essenciais para os problemas delas. Karen Bee faz o mesmo com Karen e Tsukihi. E é claro, Koyomi e Senjougahara também tiveram seus passados explorados. Só que existe uma distinção dos dois últimos em relação aos outros.

As outras personagens mencionadas são as que estão estagnadas. Aquelas que não encontraram ainda uma forma de seguir em frente, mesmo que exista um desejo para tal. E o ponto em comum entre todas elas, é que elas ainda não tomaram o poder de decisão para si. Elas ainda são dependentes da criação que tiveram até então. Enquanto Koyomi e Senjougahara fazem o oposto, eles questionam e entram em conflito com a criação que tiveram até então. O que não significa que o que formou eles era necessariamente errado, apenas que eles estão se responsabilizando por eles mesmos.

Kaiki funciona bem como um contraponto aos dois. Ele não assume a responsabilidade pelo que faz ou por si, ele prefere ignorá-la. É bem claro que algo também moldou Kaiki para que ele seja o golpista falso que ele é. Ninguém é cínico simplesmente por ser. Porém, Kaiki não busca se transformar, não busca mudar e ele não aceita o que o moldou. Kaiki meramente se conforma. Ele se isola de todos por isto, é mais fácil assim. É o tipo de vida que Koyomi achava que seria mais plena antes, mas que agora ele vê de forma reprovável. E no fim das contas, é uma existência vazia de significado.

Koyomi e Hitagi passaram por um período parecido, no qual eles se tornaram o resultado de sua criação e dos principais eventos que ocorreram no início de sua adolescência em virtude disto. – Para um foi o período no qual abdicou de sua vida e se tornou um vampiro. Para a outra, o período em que compartilhou seu peso com o Caranguejo. – Ambos passaram por problemas gravíssimos por causa da criação que receberam. O seus maiores dilemas resultam deste conflito. – Para um, todo o dilema entre o seu ideal e sua própria auto-estima. Para a outra, os sentimentos que rejeitava e precisava aceitar para poder dar sentido a sua existência. – Ainda assim, eles tiveram que encarar essa realidade e reconheceram não só o lado ruim que o transformou no que eram, mas também o lado positivo que os transformou em quem são.

São personagens que não rejeitam a sua construção social. Em Monogatari o crescimento é análogo a uma mudança de perspectiva. Então, aqueles que ainda estão presos aos seus dilemas – aberrações-, não amadureceram ainda. Não é algo completamente definido, não existe uma total oposição de visões, apenas um acomodamento. Se você está perto do ponto inicial, você está estagnado, se ultrapassou uma linha de mudança, você cresceu. O crescimento é a mudança. E isto não é algo maleável, tampouco algo que pode ocorrer da noite pro dia. Mas pode ser algo simples de notar.

Kaiki está parado no tempo. Ele é incapaz de mudar pois não reconhece as influências externas, será sempre o resultado do que o moldou. Araragi e Senjougahara aceitam as influências externas. É através destas que são capazes de aceitar os seus conflitos e seguir adiante. O maior resultado e prova disto é o relacionamento entre os dois e como ele os transforma.

Senjougahara foi honesta desde o começo. Ela disse que não acredita no romantismo, no idealismo do amor ou do moe. O que ela quer é o tore ou sentir o smelt, ela quer construir o seu amor. E é o que ela e Araragi fazem. Inicialmente, ela é muito mais dedicada e apaixonada do que ele. Ele é o salvador dela, afinal. Porém, ao se deixar conviver e se abrir com Senjougahara, Araragi realmente encontra amor por ela. E os dois chegam a um consenso juntos, eles lapidam uma verdade para si através de uma mentira. E ninguém pode questionar a verdade que eles encontraram. A decisão de se esforçar por este amor é deles.

Em Karen Bee nos é mostrado que o relacionamento entre Araragi e Senjougahara é forte. Eles confiam um no outro, mesmo quando eles não concordam um com o outro. Há um respeito velado entre os dois, que não precisa ser colocado em palavras para ser tangível. E isto é algo natural para o casal, especialmente depois de tudo que ocorreu em Bakemonogatari. Foi através do amor que descobriu em Senjougahara que Araragi encontrou sua auto-estima. Foi através de Araragi que Senjougahara encontrou em si força para seguir em frente. Eles não precisaram tentar mudar um ou outro para isto, bastou estarem lá. Eles estavam abertos para receber essa influência e ela os transformou.

Por isto, o confronto com Kaiki é importante para Senjougahara. É verdade, o passado não tem um peso real para o presente. Somos nós que remoemos as nossas misérias. Porém, é justamente essa necessidade de encarar o problema e transformá-lo que permite que alguém siga em frente. E para tanto, Senjougahara precisa confirmar que na sua subjetividade não iria se apaixonar por Kaiki. Que ele nunca foi o salvador que ela queria que fosse ou que precisava. Confirmando a sua rejeição por Kaiki, Senjougahara finalmente se resolveu com o seu passado e o aceitou por completo. Não à toa, ela finalmente passa a ver Araragi só por quem ele é, e não pelo que ela tem medo de  que ele represente – um agressor, como o homem que tentou violentá-la, como Kaiki que destruiu sua família –. A construção do seu amor chega a seu ápice. Seu coração não é mais preenchido pela dúvida, e sim, pelo alívio e pela gratidão de que as coisas são como são. Assim, o platônico deixa de ser uma ideia e toma forma na realidade, quando ela finalmente confia seu corpo a Araragi, amando-o com tudo de si.

Se em Monogatari, o idealismo é a razão do mundo, ele não se define só através da percepção do indivíduo, ele se constrói através do indivíduo e da maneira como ele se permite moldar pelo próximo. Você não cresce de verdade por si só, você não vai melhorar em função do tempo por ser uma esponja social e sem nenhum esforço. É um ato consciente, é um ato recorrente. É a desconstrução e reconstrução dos nossos valores e da nossa personalidade. É uma mudança de perspectiva.

Alguém já te disse que Nisemonogatari é a pior parte de Monogatari? Pois é, meu amigo, te contaram uma mentira.

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