As não tão recentes Light Novel Brasileiras

Eu passei uns meses ponderando se escreveria ou não esse texto. Falar sobre Light Novel Brasileiras poderia, com certa facilidade, deixar pessoas pessoalmente ofendidas. Mas decidi que se eu reclamo como um velho dos autores japoneses, nada mais justo que fazer o mesmo com meus compatriotas.

Por motivos de transparência, as light novels lidas para a elaboração deste texto foram Scarlet e a Guerra Santa (3 capítulos lidos), escrito por Leonardo Araújo, As Crônicas de Arian (8 capítulos lidos), escrito por Marco Abreu e A Saga das Três Luas (2 capítulos lidos), escrito por Fred Oliveira, e portanto não se trata de um review de nenhum dos livros.

O que é uma Light Novel?

 

Light Novel é um termo criado no Japão pra designar um selo de publicações, normalmente de histórias com poucas páginas. É presente na maioria delas uma série de ilustrações, não necessariamente em estilo mangá.

Light Novels são, principalmente, desenvolvidas para consumo de massa, altamente descartáveis e de forma seriada, tal qual mangás em uma Jump da vida. A presença de ilustrações permite ao autor enxugar a descrição das cenas, graças ao auxílio visual.

É raro que um autor consiga mais que um sucesso. Isto se deve graças a produção em nível industrial que a mídia exige.

Se quiser mais informações sobre a mídia, aqui está um artigo em inglês sobre o assunto. 

Por esses motivos, a mídia demonstra ser muito mais focada na quantidade do que na qualidade das suas narrativas, e os autores, presos num ciclo de trabalho quase desumano, causam a homogeneização das produções. E é  por isto que animes baseados em light novel são, normalmente, tão parecidos um com o outro.

 

Mas e o Brasil?

 

Eu precisava esclarecer isso antes de comentar sobre as light novels dos youtubers. Precisava porque toda essa indústria por trás dos autores japoneses é absolutamente inexistente por esse lado do globo.

E é aí que meus problemas começam. Quando se escreve uma obra seriada, é comum o nível de planejamento não ser tão grande. Principalmente na indústria japonesa, seja nas light novel, seja nos mangás semanais. Isso faz com que essas obras apresentam uma quantidade maior de gordura, capítulos dispensáveis, que estão ali para respiro do autor.

Por serem seriadas, a interação do público também tem influência no desenvolvimento da trama, e pra isso não é necessário ir muito longe. Só é preciso olhar para as populares novelas que produzimos aos montes na tv. Além do absurdo ritmo de produção (1 episódio de 1 hora, seis dias por semana), se percebe uma enorme quantidade de núcleos, cujo tempo de tela é basicamente regrado pela aceitação do público.

Os tamanhos das novelas também variam conforme a quantidade de audiência que a mesma possui. E esses não são os únicos traços de semelhança entre as mídias, mas não é sobre isso que eu queria falar hoje.

Literatura brasileira já foi publicada de forma serializada, sempre bom lembrar, que Machado de Assis (dito chato no press release de um dos autores) publicou algum de seus livros em jornais da época. No entanto, este não é o caso aqui, ambos publicaram seus trabalhos apenas de maneira independente na internet, ou em formato de volume fechado nas livrarias. Não existe aqui uma pressão de fazer os capítulos sem planejamento prévio, correndo para cumprir prazos exigidos por uma indústria.

 

Um livro escrito por quem não gosta de ler

 

“E reforço, mesmo quem não gosta de ler, não é um livro chato e paradão que te obrigavam a ler no colégio” 

É complicado ver alguém que se predispõe a trabalhar numa mídia, pegar os clássicos e falar “já que somos traumatizados por livros horríveis no colégio” link. É como um cineasta iniciante olhar Poderoso Chefão e dizer que faz melhor.

Mas não é nem necessário este tipo de comentário para se deduzir que não há qualquer entrosamento autor->mídia, você só precisa ler os capítulos.

A tal tediosa descrição, apontada pelo senhor Marco Abreu, não existe em literatura para dar sono, aumentar o número de páginas, ou por preguiça de deixar a narrativa dinâmica. Descrição serve para nos tornar parte daquele universo, nos fazer imergir na história e nos importarmos com ela.

Sem falar que no desespero por fazer uma obra dinâmica, ele se atropela em fazer com que o leitor se conecte com o que está acontecendo, e ele nem é o pior da leva no que diz respeito a narrativa.

Indo além disso, um problema compartilhado pelas obras é o de assumir que você se importa com os personagens. Bom, eles tem um nome, uma pincelada de características, então obviamente o leitor se importa com eles, né? Não é assim que funciona.

O trabalho do autor, é fazer a ponte entre os seus personagens e o leitor, e, para tal, é necessário alguma dose de respeito por parte do mesmo com os próprios personagens. Quando se inicia uma narrativa com um personagem que é claramente uma ferramenta de choque e nada mais, não existe leitor no mundo que vai se importar com o que está acontecendo.

Não é responsabilidade do público simpatizar com os personagens, é o trabalho do escritor.

 

Desespero para parecer adulto

 

Marco e Leonardo identificam suas produções como sendo focadas no público adulto. É notável a necessidade que eles têm de provar que o livro deles é maduro, e pra isso, utilizam do pior e mais barato artifício possível, o estupro.

Devo dizer, que não sou da corrente de pensamento que não se deve utilizar estupro de maneira alguma em obras de arte. Devo dizer também que não sou mulher, e portanto não vivo com medo de que isso ocorra toda vez que coloco os pés na rua.

A questão é, estupro é uma ferramenta que deve ser usada com MUITO cuidado, é um dos mais pesados meios de se ferir alguém, uma vez que o fere de maneira severa, psicologicamente E fisicamente. Uma ferramenta que só pode ser igualada talvez, pela tortura.

Dito isso, pra onde essas histórias planejam escalar? No começo de suas narrativas, pra mostrar que um personagem (nos dois casos, masculino) é forte, recorrem ao estupro ou tentativa de estupro da personagem feminina (e olha que em um dos casos é a protagonista). O que eu posso esperar daqui pra frente? Que teremos uma tonelada de violência gratuita? Você já dessensibilizou o leitor e criou pra si mesmo um power creep da crueldade.

 

Qualquer um consegue escrever um livro, né?

 

Esse tipo de problema se dá por uma causa: falta de planejamento. Não existiu um trabalho de construir uma linha prévia que guiaria  para onde a narrativa vai, afinal, é muito fácil escrever um livro. E isso fica evidente nas três produções.

A começar por Arian que passa sete capítulos com um prólogo/side story que só está ali para estabelecer o trabalho do protagonista. É um frankestein que vem das influências. Afinal, mangás de batalha (principalmente os vindos da Jump), tem a tendência de começar com um arco descartável (Zabuza, Alvida, Deku sem poderes), e só então ir “pra história”.

Só que trazer isso para um livro é não entender literatura e quadrinhos. Esse corte de material inútil está lá porque séries estreantes podem morrer a qualquer momento, então os autores gastam, por vezes, uma dezena de capítulos para dar o tom da história, ao mesmo tempo em que não querem alienar quem começa a ler lá pelo capítulo 10-12.

Interessante, no entanto, é que o outro erro clássico de falta de planejamento, Arian não comete, mas Scarlet e Três Luas sim. Está na hora de falar sobre construção de mundo.

Existe uma regra não dita dos primeiros capítulos dos mangás de porrada. Se o autor fez a famosa página do Hunter x Hunter, pode ter certeza que ele vai pra forca. Tudo bem que esse não é o único indício de cancelamento que o primeiro capítulo pode entregar, mas é o que eu preciso para esse texto.

Quando este tipo de página expondo “suas idéias pra aquele universo” aparece, a confiança do leitor para com a obra é absolutamente minada. Ela traz a sensação de que NEM O PRÓPRIO AUTOR CONFIA QUE VAI LONGE, então ele precisa apresentar tudo que o mundo tem de legal pra agarrar algum leitor o quanto antes. É um sinal claro de amadorismo e falta de cuidado.

 

Você não é suas referências

 

Acho muito interessante a produção de obras de arte, caso não o achasse, estaria fazendo qualquer outra coisa, menos esse texto. Gosto principalmente de obras feitas por equipes pequenas, porque a pessoa, quer queira, quer não, acaba transbordando pra dentro da própria obra. É por isso que Evangelion ter sido produzido durante um período determinante da depressão do Hideaki Anno foi essencial para o que a história seria.

Dito isso, eu não sinto nenhuma pessoalidade nessas light novels, e pra mim, MESMO COM TUDO QUE EU ESCREVI ATÉ AQUI, esse é o maior pecado. Esses livros são uma grande colagem do que os autores gostam, não um espelho do que eles sentem e pensam.

Eu não acho errado produzir algo descartável e feito para passar tempo, mas é assim mesmo que quem escreve isso quer não ser lembrado? Porque um recorte de gostos não vai marcar ninguém, não vai inspirar ninguém, não vai mover ninguém, e uma obra que não diz nada, não é falada por ninguém.

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