Bubble é um Filme Oco – Review

Bubble conta a história de Hibiki um garoto que vive em uma Tóquio que passou por um cataclisma. Uma chuva de bolhas misteriosas atingiu a cidade, depois de muitos dias de chuva de bolhas, elas começaram a estourar e inundaram a cidade formando uma redoma. A cidade foi então evacuada e se tornou um palco para os órfãos começarem a viver nos escombros e praticar uma espécie adaptada de parkour. O longa é uma produção Wit Studio, lançado em 2022 pela Netflix. O filme conta com direção de Tetsuro Araki e roteiro de Gen Urobochi.

Me lembro do anúncio desse filme. Ele foi feito junto de outros trabalhos do braço de animes da Netflix. Quando vi o curto trailer combinado com a lista de artistas que trabalhariam, fiquei logo empolgado. Mas uma coceirinha no fundo da cabeça me fazia questionar aquela lista, parecia muito algo pensado por um comitê. Corta então para o dia em que eu consegui assistir Bubble, e essa coceirinha se confirmou. Bubble é um filme bonito, mas vazio, seu nome não poderia ser mais preciso, mas vamos por partes.

A movimentação pela cidade ficou realmente muito bem feita.

Acho bom começar pelo setting do filme, esse ambiente isolado de uma Tóquio parcialmente submersa onde adolescentes fazem parkour em cenários malucos. Uma coisa que chama atenção desde começo e se mantém até o final de Bubble é a preguiça que o filme tem de arrumar subterfúgios para a sua exposição. Logo que o filme começa, estamos no meio de uma disputa de parkour, então um figurante chega para outro personagem e diz: “Eu sou iniciante nessa coisa das disputas, você pode me explicar o que está acontecendo?” ao qual o outro personagem responde com as regras da corrida de parkour daquele ambiente. E esse é só o primeiro exemplo de uma série de momentos em que um monólogo entra para explicar ao espectador o que está acontecendo. Inclusive, esse é um dos melhor executados, normalmente a Makoto, uma cientista, simplesmente começa a explicar o plot sem sequer esse setup barato.

Passamos disso e somos apresentados ao grupo de protagonistas, os Chamas Azuis o time que vem vencendo todas as partidas, especialmente por causa de seu ace, o Hibiki, um garoto calado que age sozinho. É muito engraçado como acabamos de sair de um longo monólogo chato explicando que a corrida é um esporte estratégico de 5 contra 5, pra imediatamente o Hibiki fazer tudo sozinho. Ele está completamente desconectado do resto do time dele, se recusando a treinar, comer, ou manter uma relação com os demais membros. À partir daí a história vai desenrolando, ele é salvo pela Uta, uma bolha que ganhou consciência e virou uma garota esquisitinha clichê. Ele começa a se fascinar e se interessar por ela, ela é ótima no parkour, então na próxima corrida ela vai fazer a sua estreia, e o Hibiki já está completamente integrado ao time.

A lindíssima cena de resgate do Hibiki.

Por mais clichê e raso que seja, eu entendo a progressão (corrida) da relação do Hibiki com a Uta, por mais que quando entrar nos spoilers eu vá reclamar de outras coisas, mas agora, como que ele se conectar com ela fez com que ele fizesse parte do time como um todo? Além disso, nunca pareceu que ele realmente precisasse se conectar com o time para vencer, e o mesmo se mantém nessa segunda (e última) corrida. Qualquer história meia sola colocaria, no mínimo, uma corrida intermediária na qual ele perde por ser cabeça dura e não seguir a estratégia do líder. Ao invés disso, temos a primeira corrida, na qual ele sola e ignora completamente o comando, e depois a segunda na qual ele está seguindo e confiando completamente nas instruções do líder. E por falar na segunda corrida…

Esse é um ambiente onde adolescentes formam pequenos grupos para disputar corridas de parkour. É bem estranho que no começo parece uma parada mega grande, mas na real tem 4 times de 5 pessoas e os dois adultos que ficam observando. Me faz questionar como 22 pessoas continuam recebendo suprimentos num ambiente inóspito, se fosse realmente uma pequena sociedade, faria mais sentido. Isso sem falar que querer ser muito cool com os Chamas Azuis sendo campeões, pra na real todas as pessoas não encherem uma sala de aula do Ensino Médio, é meio patético. Mas enfim, a questão é que um desses quatro grupos é basicamente a Equipe Rocket. Eles têm equipamentos high-tec, no caso umas botas que soltam jatos d’água, e usam máscaras e se vestem todos de preto. Essa equipe, os Coveiros, tomam então quase 30 minutos da meiuca do filme, desde serem introduzidos, raptarem a cientista Makoto, com direito a um calling card, para ter a corrida com eles, e eles obviamente perderem pros protagonistas. Por qual motivo esse filme precisava de uma super equipe do mal que não tem espírito desportivo? Não sei. Inclusive quando a corrida contra eles acaba, lá pelos 50 minutos de filme, todo o aspecto de corridas de parkour se torna completamente irrelevante pelo resto de Bubble.

Vilões caricatos e completamente descartáveis.

Então a gente tem um aspecto que parecia central, com pelo menos 2 monólogos longos sobre seu funcionamento, uma equipe do mal que (não) é construída por 20 minutos, para só então Bubble falar sobre o que quer falar, o romance entre a Uta e o Makoto. Por mais divertido que as cenas das corridas sejam, eu realmente não entendo o motivo delas existirem nesse filme se seriam descartadas nos dois terços dele. É muito tempo gasto com isso pela importância nula que vai ter no final do filme. Não faria nenhuma diferença se cortasse toda a ideia de esporte e fossem só adolescentes que moram nos escombros de Tóquio e precisam do parkour para se locomover. Pelo contrário, poderia até reduzir o elenco e dar mais espaço para cada personagem.

Mas se o que importa é o romance, vamos falar de romance. Vou passar por cima do quão cansado estão os tropes do cara caladão e da garota exótica que vai fazer ele se abrir. Bubble é, ou acredita ser, uma releitura de A Pequena Sereia. Ele acredita ou ponto de várias vezes trazer literais passagens do conto sendo narrado pelos personagens. É uma tentativa frustrada de conexão por osmose, eu conheço Pequena Sereia, logo eu conheço Bubble, eu gosto e acredito no romance e no drama de A Pequena Sereia, então é muito triste quando esses personagens vão se separar. Acontece, meu caro Gen Urobochi, que se você não der corpo para os seus personagens e ficar apontando para uma história melhor, só vai demonstrar o quão seu roteiro é pobre. No final do dia, a Uta nunca passa do ponto de ser uma superfície bonita, e isso quebra as pernas da história de maneira monumental no clímax, mas a gente já chega lá.

Uma das muitas cenas em que Pequena Sereia é diretamente citado dentro do filme.

E isso que nem vou entrar direito no elenco de apoio, que é inchado em quantidade, fraquíssimo em qualidade. Como exemplo, vou pegar o personagem do Mamoru Miyano. Shin é o único adulto ali, ele fica olhando e zelando pelos adolescentes. O papel do Shin é jogar umas falas soltas aqui e ali para parecer um personagem sábio. Ele é um lendário praticante de parkour, que perdeu uma perna em algum momento, talvez no acidente das bolhas, talvez depois, é meio vago. Ele utiliza uma prótese agora. No clímax do filme, ele aparece para guiar a galera pelo caminho dos destroços, por ser mais experiente naquele terreno. Acho que o episódio do surf do Pokémon fez um trabalho melhor de estabelecer esse tipo de relação do que esse filme. Inclusive em dado momento ele diz que não pode mais praticar parkour por causa da prótese, mas não parece fazer a menor diferença quando ele de fato pratica. E claro que tem a cena dele usando e destruindo a prótese para ajudar o protagonista, com a finalização de ‘eu não conseguiria salvar ela, mas talvez você Hibiki, talvez você consiga’. Ele tem uma foto da esposa e filha no barquinho, então só posso presumir que perdeu elas em algum momento e tentando salvar perdeu a perna? Não sei, o filme também não chega perto de trabalhar algo.

Apesar de tudo, esse filme tem alguns enquadramentos de tirar o fôlego.

Antes de entrar em spoilers, queria falar que o que mais me frustra nesse filme é que visualmente ele é lindo. O Tetsuro Araki traz para Bubble uma técnica que ele já aplicava em Kabaneri da Fortaleza de Ferro, os close-ups mega detalhados. Além disso é um filme muito bucólico e a atmosfera das coisas meio que flutuando cheio de bolhas de sabão dão uma identidade visual bastante única para o longa. O Araki também enquadra muito bem as cenas, então o filme tem uma fotografia bastante saturada e vibrante. Acaba transmitindo um sentimento bastante forte de um apocalipse otimista, com a natureza retomando seu lugar e a sociedade encontrando um caminho, longe dos dramas de sobrevivência tão comuns ao subgênero. Só realmente achei o character design feito pelo Takeshi Obata pouco inspirado, parecem remixes de personagens que ele já fez antes. E por mais que eu goste da ideia de a Uta ser “mais anime” enquanto o resto é mais sóbrio, meio que não é isso quando outras equipes tem pessoas tão excêntricas quanto. Mas agora vamos para os tais spoilers de Bubble, esteja avisado.

Os close-ups mega detalhados são um show a parte.

Ok, então descobrimos que o cataclisma começou por que a Uta, assim que chegou na terra, se interessou aleatoriamente pelo Hibiki, e isso não era ok para a entidade cósmica das bolhas. Primeiro que enfraquece demais o conceito dessa entidade cósmica feita de bolhas de sabão. Isso por si só daria uma história de terror interessantíssima, mas no lugar disso, é meio que só um pai controlador mesmo, o que é um baita desperdício de conceito. Além disso, todo o caos de Tóquio ter acontecido especificamente por causa do nosso protagonista é só muito idiota. E nem quero entrar na bolha inumana que imediatamente se apaixona por um humano por que sim. Se ficasse como estava antes desse twist, de o Hibiki em busca de uma voz que vem da torre, e no processo de escalar várias vezes acaba chamando a atenção da bolha que fica curiosa, que progressivamente acaba se tornando humana, era muito melhor. E a forma como a Uta vence a entidade bolha do mal soltando bolhas de memórias felizes é absolutamente ininteligível, sinceramente.

Fora isso nós temos a outra questão do romance dos dois, a Uta é uma bolha com forma humana, isso faz com que ela não possa tocar outras pessoas. Nunca fica muito claro o motivo disso, ela pode tocar absolutamente qualquer outra coisa, mas tudo bem, efeito dramático. Isso por si só, já seria um conflito bom o suficiente para construir a relação deles e o filme. Mas coloca em cima disso as corridas de parkour, e a entidade alienígena que veio para a Terra e ficou em Tóquio numa redoma meio que por que sim, e o senpai que tem dramas inacabados, e outras 34 coisas. Bubble é um filme inchado de um milhão de coisas, sem explorar absolutamente nada direito. E esse filme ainda termina com um monólogo em off da cientista absolutamente pedante, o que é a cereja do bolo do roteiro ruim que acredita que contou uma história transcendental, bastante patético. Alguém devia interditar o Urobochi, o cara não escreve nada pelo menos mediano desde o filme de Pyscho-Pass que é de 2015.

A melhor cena de interação do casal durante o filme todo.

Inclusive falando da equipe, como que se chegou a conclusão que a equipe ideal para um filme de romance água com açúcar seria composta por uma galera que faz drama e série de ação? O Urobochi nunca escreveu uma história sequer próxima do que esse roteiro pede. Tão pouco o Araki dirigiu algo assim, e embora ele até vá bem nas cenas mais silenciosas, é muito claro que o forte dele não está ali. E quem dirá da trilha mega enérgica do Sawano. Esse projeto estava premeditado pra falhar já no planejamento.

No final das contas esse é realmente um trabalho feito por algoritmo. Alguém viu na planilha que os filmes do Makoto Shinkai faziam muito sucesso, mas ele não toparia fazer um filme exclusivo para a Netflix. Chamaram então os nomes mais conhecidos pelos ocidentais: o diretor de Death Note e Attack on Titan, o escritor de Madoka Magica e Fate/Zero, o músico de Attack on Titan e Kill la Kill, o desenhista de Death Note e Bakuman, misturaram tudo e deram luz ao filme animado mais sem alma do ano. Saio desse filme com meu apresso renovado pelo Shinkai, mesmo o pior filme dele é melhor do que Bubble.

Hibiki e os figurantes, nessa cena da equipe unida que não foi nada merecida.

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