Jujutsu Kaisen 0: As Relações que Deixamos Para Trás – Review

Jujutsu Kaisen 0 conta a história de Yuta Okkotsu um garoto tímido do primeiro ano do colegial que é assombrado por sua amiga de infância, Rika. O fantasma da garota impede que qualquer tipo de mal físico ocorra ao Yuta, dando o troco por vezes de forma muito mais brutal. Isso faz com que Yuta se isole de todos, mas as coisas começam a mudar quando essa maldição chama a atenção de Satoru Gojo, um exorcista renomado e professor da Escola Jujutsu. O longa é uma produção do estúdio Mappa lançado em 2021, e trazido para os cinemas brasileiros pela Crunchyroll neste ano de 2022. O filme conta com direção de Sunghoo Park e roteiro de Hiroshi Seko.

Falando um pouco do aspecto visual do filme, ele é incrível. Em especial o trabalho de cenários, que estão muito mais bonitos que sua contraparte para a televisão. Por ser um filme para o cinema, uma camada a mais de cuidado foi dada nesse aspecto. As cenas de ação também estão melhores que a série de tv, com menos daqueles efeitos bizarros dos personagens escorregando e confusão de filtros para lá e para cá. Os embates em si acabam sendo mais sóbrios, até mesmo pela natureza das habilidades do Yuta.

Mas se você está indo procurando trocação franca, o clímax desse filme foi feito para você. Com direito inclusive a vários cameos de personagens da série que levaram a sala do cinema abaixo. Considerando o roteiro do filme em si, são dispensáveis, mas pelas proporções do incidente, não dá pra dizer que não faz sentido eles estarem ali. No final, acabam sendo uns 10 minutinhos de fanservice, o que não chega a incomodar.

Se você é um leitor mais antigo do site, deve lembrar que eu já falei sobre o mangá de Jujutsu Kaisen 0 por aqui uns anos atrás. Nessa review eu comento sobre como espaços confinados servem de estopim para a criatividade do autor, e pincelo um pouco dos temas gerais do filme. Então eu vou me permitir entrar um pouco mais nos específicos da adaptação para o cinema.

A começar pela estrutura do roteiro. Jujutsu Kaisen 0, o filme, tem seu maior problema nesse aspecto. O filme começa fortíssimo, com uma introdução do Yuta, fica morno enquanto vemos missõezinhas dele integrando com o grupo, e depois ele esquenta novamente no ato final, quando o vilão se revela. Não me entendam mal, o Yuta se conectar com os outros estudantes é importantíssimo pra temática desse filme. A questão é que isso é uma coisa que funciona em um quadrinho com capítulos delimitados, e não tão bem assim num longa.

É quase como se estivéssemos vendo aqueles filmes compilação, como já são de praxe na franquia Gundam por exemplo. Só que isso em um filme que não compila nada. Esse é um problema que meio que nasce da natureza de Jujutsu Kaisen 0. A lógica de produção do mangá foi que o Gege Akutami, autor da série, primeiro escreveu o 0 e depois lançou a série principal na Weekly Shonen Jump. Já a versão animada fez o caminho contrário, ao mesmo tempo que tentou preservar ao máximo o roteiro original. Isso faz com que gastemos tempo introduzindo personagens que já nos foram introduzidos na série de tv, para só depois partirmos para a parte que interessa. Uma solução que me vem a mente seria mudar o roteiro para já estar mais clara a presença do Suguru Getou desde o início, com uma missão única ao invés de várias mini-missõezinhas de dupla para ter o momento do Yuta com a Maki, depois o momento do Yuta com o Inumaki. Transformar a história em um fluxo mais orgânico de causa e consequência, sem perder os momentos de integração do Yuta com os colegas de sala.

Porque falando nos momentos com cada um dos colegas de sala, eles são muito bem feitos. Em especial a relação que se forma durante o filme entre o Yuta e a Maki, que é bastante orgânica, com ela progressivamente se abrindo e aceitando mais e mais o garoto esquisito com a maldição bizarra. O filme faz muito bem pro personagem dela como um todo, uma vez que a série ainda não teve tempo pra explorá-la para muito além da relação com a família Zenin. Uma cena muito especial é, já pro final do filme, quando o Yuta diz que se inspira na Maki, o que é fortemente contraposto com lembranças da infância da personagem, lembrando o quão desprezada ela é por não ter poderes.

A relação com o Inumaki é a segunda mais trabalhada dentro da sala, com o roteiro sendo habilidoso o suficiente para conseguir passar o que o personagem que fala apenas “salmão” e outros sabores de onigiri está sentindo através da entonação e enquadramento. Falando em trabalho de voz, a Megumi Ogata (Shinji Ikari, Kurama) caiu como uma luva para o Yuta, e me deixou pensando como ficou o Gege ao descobrir a escalação, sendo fã confesso de Evangelion. O último do quarteto é o Panda, que é um panda. Ele acaba sendo o menos trabalhado dos 4, sendo o único a não ter uma missão solo. O personagem acaba funcionando mais para compor o ambiente da escola e com a comédia do filme. Aqui vale dizer que assisti em uma sala de cinema na estreia, e o público deu risada de todas as cenas de comédia, então acho que estava no ponto certo.

Já no elenco adulto, os destaques são o já citado Satoru Gojo, e o outro lado da moeda, Suguru Getou. O Gojo segue sendo o falastrão que amamos, debochado, imprevisível e impossivelmente poderoso. É interessante apontar que temos um lado um tanto mais emotivo do personagem nesse filme. Isso acontece por causa do Getou. Satoru e Getou estudaram juntos na escola Jujutsu anos antes. Além, disso, em algum ponto no passado, ambos foram melhores amigos. A relação entre eles no presente está completamente quebrada e distorcida, mas é interessante ver que apesar disso, eles ainda confiam plenamente um no outro. Por mais bizarro que isso possa soar, existe um companheirismo que restou no lugar onde uma vez houve a amizade.

Falando do Getou, ele é um vilão absolutamente carismático, que rouba toda cena em que está presente. Ele é um mestre das maldições, nome dado aos feiticeiros jujutsu que são fora da lei, por assim dizer. Muito pouco é dito sobre o passado do personagem, mas o roteiro é bem escrito o suficiente para deixar tudo intuído. Getou foi quebrado por aquele mundo, deixando de ser alguém que acredita que os fracos devem ser protegidos, para alguém que prega a morte dos humanos normais.

E é desse ponto que nós temos o embate, de um lado, o Yuta é um humano normal que foi amaldiçoado e forçado a viver nesse mundo. Quando chegou, acabou criando um laço muito forte com a Maki, uma humana normal descendente de um dos clãs mais importantes dos feiticeiros jujutsu. Batendo de frente com o Getou, um cara que quer o extermínio completo dos humanos normais, considerando os feiticeiros um passo além na evolução humana.

Se contarmos o Satoru então, nós temos os 4 personagens mais importantes desse filme, todos presos por relacionamentos que não existem mais. O Yuta, literalmente preso a amiga de infância que se tornou um fantasma. A Maki, presa aquela família que nunca a quis, muito pelo contrário, fez questão de a menosprezar. E tanto o Satoru quanto o Getou presos a uma amizade que morreu sem ter um fim. O ato final do filme é muito sobre entender que essas relações acabam, e que é preciso seguir em frente, por mais dolorido que seja. Também é muito sobre como, apesar da vida nos modificar e nos afastar, algumas vezes de forma irremediável, o carinho que existia ali vai continuar sendo verdadeiro, mesmo que a relação em si tenha acabado.

Pegando tudo isso, e olhando pro personagem do Yuta, um garoto completamente traumatizado pela perda da amiga ainda criança. E vendo como ele acabou se privando de se conectar aos outros, se retraindo mais e mais. Ao longo do filme o personagem vai se abrindo aos pouquinhos, dando chance para conhecer pessoas novas. E então, ao final, quando ele se afirma em frente ao Getou, e mais do que isso, consegue se libertar da maldição que se colocou, é um momento forte demais.

Jujutsu Kaisen 0 é um filme com problemas de ritmo e com um pouco mais de fanservice do que eu gostaria, mas nada disso tira o brilho da construção de seu elenco, pelo menos considerando as peças mais centrais, e é um filme que me deixa empolgado para termos mais produções de anime chegando aos cinemas brasileiros. Quanto a série, resta agora aguardarmos pela sua continuação na segunda temporada.

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