A Estranha História de Panorama Island – Review

The Strange Tale of Panorama Island é um mangá de 1 volume lançado em 2007. O quadrinho é uma adaptação do livro de mesmo nome, escrito por Edogawa Rampo em 1926. A ilustração e adaptação foram feitas por Suehiro Maruo (O Sorriso do Vampiro, Mr. Arashi’s Amazing Freak Show). Panorama Island permanece inédito no Brasil.

Sinopse: a história segue o tortuoso caminho do escritor falido Hitomi, que é bizarramente parecido com o filho de um rico empresário. Ao descobrir a morte do herdeiro, Hitomi decide assumir seu lugar e usar a fortuna da família para construir um paraíso…

Antes de começar, é sempre bom avisar para quem não conhece o Suehiro Maruo que Panorama Island tem nudez. O autor é um dos mangakás expoentes do Eroguro, estilo artístico nascido nos anos 30 que mistura o grotesco e o erótico. Apesar de ser um dos seus trabalhos mais leves, Panorama Island carrega muito do gênero, então nem preciso dizer que não é uma história para todo mundo. Um outro exemplo de artista do mesmo gênero é o Shintaro Kago, que já teve um mangá com review no site.

Tirado isso da frente, eu gostei demais de Panorama Island até o penúltimo capítulo. Mas sem me adiantar, queria comentar um pouco da arte do mangá. Panorama Island tem, provavelmente, um dos melhores trabalhos de cenário que eu li esse ano.

Justamente por ser de um Suehiro Maruo mais maduro enquanto artista, chega a ser obscena a quantidade de detalhes que ele imprime em cada página. Realmente é um quadrinista completo e com plenos domínios de seus poderes. Mas essa beleza não é puramente estética. Panorama Island precisa te vender o maravilhamento daquela ilha paradisíaca. Uma ilha saída dos sonhos loucos de um escritor falido.

Mas não só o visual, o Suehiro Maruo brinca demais com figuras geométricas nesse capítulo. E ele utiliza esses labirintos e montagens para, ao mesmo tempo, mostrar a confusão e loucura do Hitomi, enquanto ao mesmo tempo nos dá uma sensação muito forte de claustrofobia. Como se estivéssemos presos junto ao protagonista nessa teia de eventos que só pode terminar em tragédia. Como se por serem quem são, os personagens de Panorama Island só pudessem chegar nos resultados que chegam.

Falando do escritor, Hitomi é basicamente o único personagem de verdade dessa história. No sentido que nós estamos presos e mergulhados na perspectiva dele, e tudo ao redor é dado menos atenção. Isso acontece porque o próprio Hitomi é um ególatra vazio, e nisso a história acerta muito em como começa.

Panorama Island começa com dois acontecimentos. Primeiro vemos um sonho do Hitomi sobre um paraíso cheio de beldades, natureza e sexo. Então somos jogados para a realidade, que é ele vivendo num muquifo, ao lado de um bairro da luz vermelha, enquanto não consegue emplacar história alguma.

Temos então uma reunião com o editor do mesmo, que pede para o Hitomi colocar mais de si mesmo nas hitórias. Acontece que o Hitomi não tem o que colocar, ele é completamente oco. Mas o que ele tem de oco, tem de megalomaníaco. Por isso, quando descobre que o seu colega de classe que compartilhava do mesmo rosto que ele morreu jovem, Hitomi acredita que é um chamado do próprio destino para que ele possa construir um legado.

O maior medo do personagem era ser engolido pelos novos tempos. Ser esquecido pelo passado, dormindo enquanto as eras avançam. Então Hitomi forja o próprio suicídio, e toma o lugar do morto.

E é a partir daqui que Panorama Island se desenrola. Com esse personagem afundando em paranoias e obsessões para trazer ao mundo o paraíso que ele deseja. A história faz um ótimo trabalho em nos fazer conectar com o Hitomi, mesmo ele sendo completamente desprezível.

Ao mesmo tempo, temos camadas o suficiente desse personagem para ficarmos aflitos com ele. Comprarmos um pouco da paranoia, e outro tanto da megalomania. O Suehiro Maruo inclusive faz um excelente trabalho de nos passar toda a tensão por trás de cada conversa, enquanto o Hitomi mantém sua máscara na frente dos outros.

Com a entrada dele na vida de magnata, vemos um tanto da pobreza de espírito daqueles que rodeavam o morto. Gonzaburo Komoda não tinha muitas pessoas próximas de verdade. Com exceção de sua esposa, seu círculo de amizades se limitava a bajuladores e aproveitadores.

E com isso Panorama Island acerta novamente em mostrar que, dado os incentivos certos, nenhum dos sócios se importa. Muito cedo o Hitomi se demonstra completamente diferente do morto, mas os silêncios já foram comprados. Seja com uma filial, ou com um ingresso para o paraíso falso.

A única que não pode ser comprada, é aquela que tinha uma relação verdadeira com o morto. Chiyoko é a esposa do falecido e agora desfalecido Komoda. Eu gosto bastante como, no mar de podridão e falsidade, ao menos o roteiro dá espaço para que alguma relação fosse de verdade. Claro que isso só pode significar mais desgraça para a vida da viúva, mas não se pode ter tudo.

Entrando então na dita ilha, eu acho simplesmente maravilhoso como ela é representada. Panorama Island é uma grande fachada, uma ilha sem substância, um truque de mágica que alude um paraíso.

Tudo que o Hitomi quer é um ambiente de sexo, beldades e grandeza. Não existe nenhum pensamento em construir um lugar realmente utópico. Então as longas escadarias são truques de perspectiva. Os ambientes, são menores do que aparentam. Os belos e livres habitantes são artistas contratados. As esculturas, apenas réplicas de outros lugares. Nada é real, nada significa nada, e é desse vazio de sentido que se constrói toda a ilha.

Dessa forma, Panorama Island é uma abordagem refrescante de histórias de utopias. Normalmente começamos com uma ilusão de perfeição, e caminhamos junto ao personagem para perceber que o bolo é uma mentira. Panorama Island faz o caminho inverso, nos mostra como tudo é falso, enquanto os personagens abraçam essa falsidade. A ilusão é o objetivo daquele construto, e ficar preso dentro dele, o desejo de todos.

Todas essas questões e discussões estavam me deixando realmente intrigado, e é então que a história decide fechar e parte da magia se esvai. Panorama Island tem um final abrupto, um tanto quanto gratuito e que ficou devendo construção. É muito claro que o Suehiro Maruo queria fechar tudo num volume só, mas a história pediu mais, e ele não deu. Ainda mais que o personagem que resolve a história surge do nada no capítulo final.

Se eu já não soubesse que ele é um personagem famoso do Edogawa Rampo, teria ficado bem frustrado. Do jeito que as coisas foram, só me decepcionei mesmo.

Mesmo com um final apressado, The Strange Tale of Panorama Island ainda é uma leitura que vale muito a pena. Seja pelas discussões que o mangá levanta, pela construção do seu protagonista, ou mesmo pelo apelo estético. Só realmente pra uma base tão sólida, merecia uma conclusão melhor do que a que teve. Inclusive fica a dica para as editoras brasileiras de correrem atrás desse, que é um dos trabalhos menos polêmicos do Suehiro Maruo.

Eai, leu The Strange Tale of Panorama Island? Gostou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, qual o próximo mangá que deve aparecer por aqui.

Deixe uma resposta