Listeners é um Escravo das Próprias Referências – Review

Listeners é o nome do mais novo lançamento do estúdio Mappa (Dorohedoro, Banana Fish), ao menos até a chegada de God of Highschool na temporada que vem. Dirigido por Andou Hiroaki (Ajin, Short Pace) e Series por Satou Dai (Eureka Seven, Ergo Proxy). Um anime de mecha concluído em 12 episódios na temporada de primavera de 2020.

Sinopse: num universo em que músicos utilizam mechas ao invés de guitarras para enfrentar inimigos feitos de sombras, Echo é um garoto ordinário que sonha em algum dia se tornar um Player. Só existe um problema, ele não passa de um catador de lixo. Mas tudo fica de pernas para o ar quando o jovem entra em contato com uma garota desmemoriada chamada Mu.

Livechester

Tal qual o próprio anime, vou me permitir seccionar Listeners em dois grandes momentos. Os primeiros seis episódios e os últimos.

Comecemos pelos primeiros seis então, eles são nossa porta de entrada na história. Assim como Mu, conhecemos muito pouco daquele universo curioso, então nos é dado o tempo (ou quase isso) para conhecermos toda aquela loucura em primeira mão.

Inclusive ouso dizer que o ouro de Listeners se localiza exatamente nessa metade. No descompromisso e na descoberta de locais diferentes, enquanto acompanhamos nossa dupla ficar cada vez mais próxima. Se existe algo que a série faz bem feito, esse algo é nos vender a relação do Echo e da Mu. Ambos se importam um com o outro, riem, brigam, divergem e se reconciliam, tudo isso de forma muito natural enquanto conhecem as demais peças daquele complexo tabuleiro.

Mas quem são Echo e Mu? Essa pergunta pode parecer simples a primeira vista, mas é o motor que nos propele para frente. A jornada do anime é justamente uma de descoberta da dupla, sobre quem são, quem é o mundo que os cerca e como se enxergam nele. Mas vamos voltar nisso mais tarde, por agora vale apenas levantar o questionamento.

Elenco diverso, porém pouco aproveitado

Uma coisa bastante notável nessa primeira metade é a verdadeira tonelada de personagens que são apresentados. Cada episódio da conta de um novo universo, cada qual com seu próprio sub-elenco e relações próprias. No entanto muito pouco disso é reaproveitado fora desse microcosmo.

Temos, por exemplo, um episódio inteiro em uma cidade que delimita muito fortemente os papéis do feminino e do masculino. Esse episódio é um dos pontos em que a relação do Echo e da Mu mais está deteriorada. A partir daí, se desenvolve uma espécie de episódio da sincronia de EvangelionDe forma alguma tão bem executado, mas a ideia é a mesma, eles precisam se conectar para vencer uma outra força coordenada.

Acontece que a cidade, a delimitação e até o colchão que serviu de estopim nunca mais é relevante. E pode parecer um nitpicking, mas quando essas questões passam a se amontoar (por exemplo a doença do Echo), fica difícil olhar para o outro lado. E esse episódio ainda tem em seu benefício que o Denka (líder da cidade e um homem gay) e suas duas auxiliares são interessantes.

O mesmo não pode ser dito de outros episódios, como o focado no colégio e contrabando de drogas. Além dele ser um tanto quanto óbvio, o elenco apresentado nele é muito pouco interessante. E não ajuda nenhum pouco o fato da Nir se tornar um personagem recorrente posteriormente.

Earless e Listeners

Gostaria agora me permitir a entrar um pouco nas temáticas e no lore de Listeners. Uma grande questão que pairava sobre mim enquanto eu assistia esse anime era se toda esse caldo de referências serviria a algo que não a própria estética.

Ao terminar, devo dizer que esse é justamente o maior erro da série, ao invés de beber de referências para que essas lhe dessem ideias, acabou preso pelas mesmas. A começar pelos Earless.

Os Earless são os grandes antagonistas de Listeners, grandes fumaças que lembram bodes e assolam a humanidade. Monstros incomunicáveis não são uma novidade desse anime, Evangelion tem seus anjos, Attack on Titan seus titãs e Bleach seus hollows. Também não é uma novidade que eles guardem um algo a mais em seu interior.

E então entramos no tema de Listeners. A grande questão que ele quer falar é sobre comunicação, sobre como deixamos nossos próprios preconceitos nos impedir de conectarmos uns com os outros. No terceiro episódio existe todo um discurso sobre como terminamos relacionamentos por medo de nos machucarmos. E é aí que entra o equivalente dos músicos desse universo.

Acontece que utilizar mecha como um equivalente de uma guitarra é uma escolha muito ruim. E ainda mais quando o final é uma grande Woodstock que conecta os humanos, os players e os earless, é um tanto bizarro que isso seja feito através de porrada de robô gigante. Acaba por soar hipócrita que personagens pregando paz e amor o façam com um tanque gigantesco.

Armamentismo e liberdade

Voltando um pouco, mas mantendo o assunto, alcançamos o sétimo episódio. Nele, a tão falada Londres desse universo nos é finalmente apresentada. Ela é basicamente uma versão estremada da real, em específico nos anos 70.

Essa Inglaterra, imersa em constante vigilância e repressão, é como um soco na boca do otimismo presente nos anos 60. Justamente esse caldeirão que dá luz a V de Vingança numa imaginação de onde tudo aquilo iria levar por parte do Alan Moore. Mas não é nisso que Listeners está realmente interessado.

O que a história quer é uma permissão para introduzir uns personagens que representem o movimento punk, ao mesmo tempo em que consiga criar um engravatado mal que vai decolar os seus planos maléficos. Com isso, a cacofonia entre estética e substância começou a ficar ainda mais dissonante na minha leitura do anime.

Não ajuda muito que a série tenha optado por tomar o caminho fácil e ao invés de lidar com a sociedade que criou, escapou pela tangente com um vilão ultrapoderoso nascido de uma boa dose de conveniência. Ah, e antes que eu me esqueça, um tanto quanto baixo fazer o Jimmi Hendrix desse universo um branco loiro.

De qualquer forma, se o próprio engravatado assumisse o posto de grande vilão, utilizando da indústria da música para propagandas belissistas e com discursos vazios que justificam os próprios abusos em prol de uma dita liberdade, ainda seria um caminho interessante, mas não foi essa a escolha de Listeners, e pra isso, preciso entrar em spoilers.

Operação Freedom

Então, descobrimos que nossa querida Mu era uma earless o tempo todo. Mais do que isso, ela acaba por se tornar o receptáculo do Rei dos Earless. Junto disso descobrimos também que eles gostariam de ser chamados de Listeners, e que foi a soberba humana que considerou impossível a comunicação.

Eu tenho alguns pequenos problemas com isso. O primeiro é que a série deixa meio claro que partiu dos earless o ataque inicial. O segundo é que quando fica tudo bem, eles deixam a forma claramente pensada para ser amedrontadora e se tornam apenas humanos com chifres. Digo, agora que eles falam e se parecem com humanos, toda questão da impossibilidade de comunicação acaba perdendo força, não?

E ainda tem outra questão, a Mu se tornar o vilão final é uma boa jogada no quesito plot twist, mas ao mesmo tempo uma punhalada na série. Lembra quando eu disse que a melhor coisa da série era a interação da dupla de protagonistas? Pois bem, isso é abruptamente cortado no oitavo episódio.

Não foi o melhor dos custos-benefícios, mas ao menos em troca tivemos o melhor episódio da série, o da fazenda. Nele finalmente abrimos mão da visão completamente idealizada do Jimmi Stonefree, para o conhecermos como realmente é, um filho do Blues que cresceu na fazenda e tinha uma ideia que queria compartilhar com a humanidade. O simbolismo da memoria da humanidade presente nesse episódio e a igreja dos infinitos caminhos são ótimos também, gostaria que mais disso se fizesse presente no resto da série.

Cuidado com suas referências

Mas de tudo isso, das músicas ao claro texto carregado de Macross, o maior erro de Listeners foi, sem sombra de dúvidas, pesar demais a mão em Evangelion. Essa poderia ter sido uma história mundana sobre esses dois garotos se descobrindo e se conectando, mas não, Listeners se via como algo importante demais para a simplicidade.

Então a história optou por se tornar uma grande epopeia apocalíptica em seu final, com planos e mais planos tirados diretamente do trabalho de Hideaki Anno. No final, o que sobra comigo de Listeners é, justamente, seu começo mais simples, o dia na fazenda, o quanto é mais importante estender a mão que ser algum herói milagroso. Já a parte armamentista, as referências, o caos de sentidos, isso fica bonito numa página de wikia, mas não toca ninguém.

A história ainda precisou fazer um epílogo de novela brega onde desfaz parte das consequências, ao mesmo tempo em que assegura para o espectador que tudo ficou bem. Amaldiçoo todos os dias o final de Naruto.

E aí, assistiu Listeners? Gostou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, fala qual o próximo anime deve dar as caras por aqui.

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