Ride Your Wave é um café muito bem passado – Crítica

Ride Your Wave é um filme que foi lançado no Japão em junho de 2019. O filme foi dirigido pelo Masaaki Yuasa (Night is Short Walk on Girl, Lu Over The Wall) e escrito pela Reiko Yoshida (The Cat Returns, Liz and the Blue Bird). O estúdio responsável foi o Science SARU (Devilman Crybaby, Keep Your Hands Off Eizouken!). 

Ride Your Wave conta a história de Hinako, uma universitária surfista que acabou de se mudar pra uma cidadezinha. Depois que um incêndio toma conta do seu apartamento, ela conhece Minato, um bombeiro que a resgata, e ambos acabam se apaixonando.

Estética como forma de contar histórias

Acho que a questão mais relevante para se começar qualquer crítica ou discussão sobre o material do Yuasa é a sua parte visual. Bonito para alguns, feio para outros, o quesito estético de cunho autoral sempre vai incomodar os acostumados com um molde.

Ride Your Wave não é diferente nesse quesito, embora consideravelmente mais sóbrio que trabalhos como o já citado Night is Short, ou o atualmente em lançamento Eizouken. Se fôssemos traçar uma linha de gradação em um espectro estando Kaiba, provavelmente Ride Your Wave seria o extremo oposto. É o trabalho mais “realista” e “padrãozinho” do Yuasa, e isso é relevante.

Isso é relevante principalmente por Ride Your Wave ser a história mais sóbria do diretor. Principalmente por causa de uma das grandes temáticas do filme precisar que ele se desenvolvesse de forma menos fantasiosa.

Nem por isso Ride Your Wave é medíocre, muito pelo contrário. Ride Your Wave tem tomadas lindíssimas, principalmente…surfando. Todos os momentos em que os personagens entram em sintonia com o mar será um momento para se recordar. Mas também em outros momentos, como eles cantando no carro, ou cozinhando, ou treinando para incêndios, Ride Your Wave não deixa o espectador descansar, sempre entregando uma cena linda após a outra.

Um pequeno momento que merece destaque é logo no começo do filme, a Hinako está perdida pela cidade, e pede informações pra conseguir voltar para casa. Depois de informada, temos uma cena dela pedalando com a câmera presa na bicicleta nos mostrando o rosto da personagem enquanto ela trafega a cidade. 

É uma cena simples, que evita animar a Hinako pedalando, e ao mesmo tempo nos faz sentir pedalando com ela, desbravando aquela nova vida, sem muitas certezas de onde está ou pra onde deve ir. Que acaba servindo de comentário para o próprio momento de vida que a personagem se encontra.

A doçura e o amargo

Uma reclamação que muitos têm sobre Your Name (eu incluso) é a falta de sentirmos o desenvolvimento do romance. É como se os personagens se apaixonassem porque a cena precisa que eles estejam apaixonados.

É curioso pensar como Ride Your Wave vai no contrário disso. Mesmo que ainda no primeiro ato a Hinako e o Minato já estejam perdidamente apaixonados, nada parece apressado. O trabalho feito na cena do carro, deles começando a se conhecer e se aproximando até se conectarem através da música é absurdamente bem feita. Seja em expressão corporal, sejam nos diálogos e depois disso ainda se segue uma montagem deles interagindo, se conhecendo e de fato se apaixonando. Ao mesmo tempo o espectador se apaixona por aquela relação.

Nós vemos eles se divertindo, comendo juntos, rindo juntos, tendo momentos íntimos juntos, surfando juntos. Ao final da montagem, somos confidentes daquele amor, passamos por todos aqueles momentos, colocamos o cadeado, o papel de coração, ouvimos a mensagem dos outros de feliz natal, estivemos na cama com eles, vimos o primeiro beijo ao por do Sol. Vimos a relação começar e florescer (literalmente o filme corta uma cena deles se beijando para um campo de flores).

Isso faz com que o espectador acredite profundamente naquela relação, no amor quase incondicional que um personagem nutre pelo outro. A Hinako e o Minato se completam, inclusive na escolha da paleta de cores do personagem. Ele é contido, certinho, centrado, e simbolizado pelo azul. Ela é espalhafatosa, meio desastrada, calorosa e simbolizada pelo vermelho. 

Tudo que o espectador quer a essa altura é que eles envelheçam juntos enquanto são donos de um café, mas isso é um filme e ainda estamos no primeiro ato, então as coisas não vão ficar tão bem assim. 

Antes de seguirmos em frente, alerta de spoilers aqui, caso não se importe siga, caso contrário, pare e vá assistir, depois você volta.

O que deixamos quando nos vamos

Uma grande questão que ficou martelando na minha cabeça depois do abrupto fim do romance perfeito era se o Minato estava de fato ali, ou se era uma coisa da cabeça da Hinako. Eventualmente o roteiro deixa claro que ele de fato tinha se tornado uma força da natureza e devo dizer que sigo preferindo que fosse coisa da cabeça dela.

Não escrevo isso por querer um filme absolutamente psicológico sobre uma personagem quebrada por um trauma. Mas Ride Your Wave é um filme sobre um tema tão sóbrio, que o elemento sobrenatural parece no mínimo desconexo. Ao mesmo tempo em que a cena final dela surfando prédio abaixo é uma das mais bonitas do filme, mas não podemos ter tudo.

A questão é que a personagem ter que lidar com a perda repentina, sem brigas, sem doenças, é um drama um tanto mais forte. Ter que processar que as coisas acabam, e que ela precisa deixar ele ir. Não que o real filme seja muito diferente, mas o Minato estar de fato ali perde um pouco do peso da morte dele. Principalmente ao permitir que ele se despedisse do trio principal. 

Ainda nessa questão de pequenos probleminhas do texto, ser justamente a Hinako quem salvou o Minato na infância, mesmo que tematicamente relevante, ainda é uma coincidência um tanto desnecessária, e até mesmo uma tentativa de dar mais uma justificativa do motivo dele amá-la, quando já estava completamente justificado antes.

Mas falando em temática, Ride Your Wave trata o assunto de forma muito madura. Ser a melhor versão de você sempre, não muito diferente de um mangá de lutinha qualquer da Jump, mas aqui tratado de maneira magistral. 

A morte do Minato move todos os personagens ao redor dele, os inspira, os remove da sombra do suposto homem perfeito. Ao mesmo tempo, tirar o personagem da narrativa permite que conhecêssemos o humano por baixo do herói, vemos o esforço, não como um slogan barato, mas como realmente uma filosofia de vida do personagem.

Superando o luto

Então temos a nossa protagonista, Hinako, lidando com a perda de um grande amor. Deixa de morar próxima ao mar, sequer consegue surfar, presa ao passado, a uma culpa do que poderia ter sido diferente.

Por mais que não seja inovador, o filme trabalha muito bem com sua música tema, que vai sendo ressignificada ao longo de todo seu trajeto. Começa como a primeira conexão, se torna uma memória dolorosa, depois um ciclo que se repete dela presa ao passado, até que a música em si se torna o passado, quando a personagem enfim consegue lidar com o fato dele estar morto.

De forma semelhante, o estado da casa também passa muito bem o estado de espírito da Hinako. Todas essas camadas, junto ao excelente trabalho nas expressões faciais, permitem ao filme não ter que expor todas as coisas. Ele pode utilizar o ambiente, ou a iluminação, ou uma expressão sutil para passar o que a personagem sente. Algo que um design mais detalhado impediria.

E voltando para a questão de ajudar ao próximo, gosto como a Hinako decide ser salva-vidas. Não exatamente por ser um dom inato, mas por ela lembrar como se sentiu quando salvou alguém. Por querer fazer a diferença. Também até uma ponta de acreditar que se ela tivesse lá, ele não teria morrido.

Por último, talvez mais importante é que o filme não recaiu na bobeira de fazer com que ela ficasse com o outro garoto. Seria muito leviano como parte da conclusão do crescimento dela simplesmente começar a namorar outra pessoa, suplantando um relacionamento com outro. De forma muito melhor, a personagem se completa em si mesma, seguindo em frente e aceitando que como tudo tem um começo, também tem um fim, e nem por isso precisa ser esquecido.

Um café bem passado

Ride Your Wave foi como um maravilhoso café. Digo isso no sentido de ser uma história que você consome todos os dias, mas só quando realmente experimentamos um bom é que percebemos a diferença que o preparo pode trazer.

Ainda é café, mas ao mesmo tempo é tão mais do que aquele feito com pressa na segunda-feira que se torna memorável. Do mesmo jeito, Ride Your Wave não reinventou os coming of age, ou os romances, mas deu seu próprio sabor no preparo cuidadoso e aprendido através do esforço.

Às vezes um omelete é todo o necessário depois de uma conquista.

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