No Guns Life Me Deixou Bem Triste – Crítica

No Guns Life é um anime da temporada de outono 2019. O anime conta com 12 episódios e uma segunda parte já anunciada, que será lançada na temporada de primavera 2020. O anime é uma adaptação do mangá de mesmo nome, escrito e desenhado por Tasuku Karasuna (Doll’s Folklore). Atualmente o mangá está em publicação na Ultra Jump (Jojolion, B Reaction).

A adaptação ficou por conta da Madhouse (Overlord, Acca). Com direção de Naoyuki Itou (Overlord, Digimon Data Squad) e series composition de Yukie Sugawara (Overlord, Kino no Tabi: The Beautiful World).

Uma breve sinopse: No Guns Life conta a história de Inui Juuzou um ex-soldado que foi transformado em arma biológica para lutar na grande guerra. O anime segue a vida do Juuzou enquanto ele trabalha como um detetive, especializado em lidar com casos envolvendo ciborgues. 

“Eu sou um Revolver, é tudo que preciso saber.”

A primeira coisa que eu queria apontar antes de começar essa crítica pra valer, é que eu tentei. Tentei gostar de No Guns Life, por um curto período de fato consegui. Mas fica claro ao percorrer minhas anotações como a cada linha, cada episódio, os problemas se empilhavam e as coisas boas se esvaiam, como lágrimas na chuva.

E para explicar essa questão, nada melhor que o primeiro episódio. O primeiro episódio trabalha muito bem com o que quer ser, uma história barata de detetive. No Guns Life bebe muito da literatura pulp, temos o detetive marrento fodido, o médico excêntrico, a femme fatale, o policial que não vai com a cara do detetive, mas no final ajuda mesmo assim, o cigarro, a chuva, os bares e o neon.

O primeiro episódio referência esses símbolos tão diretamente e de forma tão pura, que chega a ser difícil sequer fazer piada. É como uma grande paródia sendo atuada de maneira séria. Uma galhofa boba que se acha grande coisa, com uma sutileza apar de um protagonista detetive ser literalmente um revólver halterofilista.

Mas as coisas vão desandando no progredir da narrativa. A cada caso, cada episódio, No Guns Life foi se afastando mais e mais do noire para se tornar uma história de ação pouco inspirada. Mesmo que o último caso tente puxar de volta para o lado noire da coisa, é pouco demais, tarde demais para alterar o curso do transatlântico.

Produção em pedaços

Antes de voltar a falar sobre o aspecto detetivesco de No Guns Life, relevante despender um tempo explicando por qual motivo a parte de ação é ruim. A começar pela direção.

A direção do anime é operante na maior parte do tempo, não tem assinatura, mas também não compromete, ao menos até chegar nas cenas de ação. A ação em No Guns Life é construída muito colado nos personagens, principalmente em cenas de combate. O que poderia dar um senso de pessoalidade, acaba só virando uma bagunça de cortes e fumaças. 

A proximidade deve ter sido implementada como contramedida para diminuir a necessidade de animação, de forma semelhante ao que ocorreu na segunda temporada de One Punch Man. Como resultado nós temos um verdadeiro armário de dois metros de altura trocando socos que não possuem qualquer peso, tirando qualquer poder ou conexão entre o espectador e a cena.

Os designs não ajudam também, por vezes os personagens são tão lotados de sombras duras que mal é possível entender qual o formato do personagem. Talvez o exemplo mais notório disso seja o Gondry, lá pela altura do episódio 6-7.

Impressionantemente feio

E já que estamos nos aspectos visuais, No Guns Life é horrível de se olhar. Parece um jogo de Playstation 3, e não no sentido bobo que as pessoas normalmente usam. Mas sim pelo fato de tentar tanto ser “realista” que acaba com uma paleta absolutamente morta e desinteressante.

Os personagens também não ajudam, com um traçado limpo demais para o que o design está buscando, acabam caindo num meio do limbo entre o diferente e o genérico. Não ajuda também o fato de todo cenário ser feito em cg, e não existir o menor trabalho de fazer parecer que ambos existem num mesmo ambiente. Não é raro os personagens saltarem os olhos no cenário, parecendo que estão colados como uma montagem barata de internet.

Mas talvez o que mais sofra com esses aspectos visuais seja o próprio Juuzou. Por ter um revólver no lugar da cabeça, não existe a possibilidade de se fazer expressões faciais. E como a produção está muito ocupada tentando ser realista, não existe espaço para brincar com a iluminação como a Hiromu Arakawa faz com a armadura do Alphonse. O que sobra são raros lampejos de referências a Evangelion, num mar de um personagem sem expressão alguma.

Isso faz com que os momentos em que a série decide usar gags de comédia fique totalmente fora de tom e descompassado. Parecendo muito mais um erro que uma escolha intencional por parte da produção. O timing cômico também é tenebroso, com uma cena no episódio 9 que envolve personagens ouvindo uma conversa através da porta que chega a causar vergonha alheia.

Estruturalmente confuso

No Guns Life é uma bagunça de estrutura. A história começa com o Juuzou se envolvendo em problemas que o colocam contra essa gigantesca corporação. Daí a corporação decide caçar ele, mas não muito também. Então ele se envolve no maior da temporada envolvendo um herói de guerra. Daí o roteiro retorna pra missõezinhas menores, mostra um possível rival, entra numa side mission e acaba.

Quero dizer, No Guns Life é uma gigantesca bagunça. Os doze episódios não são uma temporada, não tem um grande arco começado nos primeiros e que termina nos últimos. São o que cabia do mangá em doze episódios. Isso é absolutamente terrível, mesmo com uma segunda parte já anunciada, devia ter algum trabalho de desenvolver algo aqui, qualquer coisa.

O maior sintoma disso são os dois grandes inimigos. A menina de biquini látex número 2 e o cabeça de revólver número 2. Eles são tratados como antagonistas, estão na abertura, no encerramento, e o roteiro faz uma certa cerimônia para de fato colocá-los na trama, com foreshadowing e sombras aqui e ali. Bom, eles acabam aparecendo, lutam com o Juuzou, arrancam um braço dele na luta, e vão embora. 

E isso não foi feito como a grande empresa do mal mandando uma mensagem. A dupla vai atrás dele por vontade própria, luta por querer que ele se torna a ferramenta da vilã, e vão embora pra não causar mais confusão. Realmente não sei o motivo deles estarem nessa temporada além de “bom, eles estavam no mangá”.

“Tem duas coisas que eu odeio, umidade e crianças”

Voltando às questões detetivescas, No Guns Life tem alguns problemas. O primeiro deles é realmente textual, No Guns Life não sabe escrever mistérios. Essa temporada cobre cinco arcos, três deles tem a exata mesma virada de roteiro para revelar o vilão. Um arco não tem um mistério e o último é óbvio no exato segundo em que a situação é apresentada.

Não seria um problema se o anime desse o tempo para respirar. Mas as coisas acontecem tão rápido que não existe um espaço para sentir os acontecimentos. É um arco grudado no próximo, que é grudado no próximo. Seriam arcos demais se fosse uma história de ação, quem dirá para um suposto noire.

Ou que aceite de uma vez a natureza episódica que quer ter e faça de fato um anime episódico. Mas novamente No Guns Life se depara no meio do caminho. É engraçado como muito disso é representado na dupla protagonista.

Temos o Juuzou, representando o lado mais sujo daquela sociedade, veterano de guerra, máquina de combate, fodido pelos outros, sem conseguir confiar em ninguém. Do outro lado o Tetsuro, um jovem utilizado como cobaia, inocente e infantil como uma criança deve ser, sempre buscando se conectar com as pessoas.

Poderia ser uma dinâmica interessante, mas como outros aspectos de No Guns Life, as coisas nunca se conectam. Os personagens, que deveriam funcionar como qualquer história policial, mal interagem juntos. 

A maior parte dos arcos ou segue o Juuzou sozinho, ou o Tetsuro sozinho. E separados, eles são claramente menores que a soma das partes.

 “Só alguém que eu confio pega no meu gatilho, e eu não pretendo confiar em ninguém.”

E veja, não é uma questão do que eu queria que acontecesse. Todo o conflito central do personagem do Juuzou é sobre voltar a confiar nos outros. Sobre parar de afastar as pessoas de si.

Então ter toda uma temporada onde ele basicamente permanece estático enquanto personagem é, no mínimo, bizarro. Principalmente quando a resolução do segundo arco é ele deixar o Tetsuro dar um tiro.

Isso devia simbolizar que eles estão se aproximando, mas no final é só um Deus Ex Machina para resolver o conflito. E cria uma série de problemas como a frase que abre esse tópico perdendo seu peso, afinal ele já deixou o moleque que ele mal conhece atirar, o que impede de deixar qualquer outro?

E falando em texto e simbolismo, toda vez que No Guns Life tenta aprofundar o lore ou explicar simbolismo, é sempre horrível. Tem um momento em que uma personagem da diretoria da empresa do mal (bom conceito visual inclusive) começa a falar sozinha o motivo pelo qual a empresa escolheu o design da sua logo. O diálogo não tem qualquer propósito que não seja dar tapas nas costas do próprio anime se achando muito inteligente. Nem preciso dizer que acho patético.

Em outro momento, existe um diálogo entre o Juuzou e a diretora da polícia, onde ela diz que se ele não cooperar vai enviá-lo Wunder Bender. No contexto daquele mundo e daquela conversa, é muito óbvio que Wunder Bender é uma prisão para ciborgues, mesmo assim o roteiro precisa interceder e dizer que Wunder Bender é uma prisão para ciborgues. Não dá nenhuma informação adicional, apenas confirma o óbvio, chega a ser triste.

Nem tudo está perdido.

Esse texto foi quase que totalmente negativo. E sendo sincero, eu poderia continuar reclamando de coisas sobre No Guns Life. Mesmo assim, não acho que esteja tudo perdido.

Os momentos em que os personagens de fato sentam e interagem permanece sendo bom. O elenco principal tem carisma, e aquele mundo pode oferecer discussões interessantes, principalmente se parar de se achar tão inteligente assim.

Mas pra isso a história precisa de tempo para respirar, tempo pros personagens interagirem, terem arcos, mudarem e se conhecerem. Caso contrário vai ser só mais um Ascensão Skywalker.

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