Levius é um desbunde e um desperdício

Levius é um mangá de três volumes que foi lançado entre 2012 e 2014. O mangá é de autoria de Haruhisa Nakata (Char design de Fairy Gone) e foi publicado na finada Ikki (Dorohedoro, Bokurano). O mangá terá uma adaptação pela Polygon Pictures (Godzilla, Blame) e possui uma sequência, Levius/est, ainda em publicação.

Visualmente soberbo

Levius é, provavelmente um dos mangás mais bonitos que já coloquei minhas mãos, ao menos no que tange o preto e branco. E digo isso não só pelo traço em si, mas todo o trabalho de composição de página é muito bem feito.

Mangás de luta vivem e morrem no seu traço. Um desenho duro, estático e sem vida enforca qualquer emoção que uma sequência de ação pode transpor. Por outro lado, um traço dinâmico e bem quadrinizado tem o efeito contrário, amplificando a cena e jogando ao seu favor. 

É nesse segundo grupo que Levius se encontra. O mangá se utiliza muito de uma “câmera” sempre muito colada ao personagem, com o desenhista usando e abusando de borrar e retículas para que o leitor foque toda sua atenção exatamente onde ele quer. Não importa qual página você olhe em Levius, elas serão um desbunde de narrativa e perspectiva.

Esse aspecto mais próximo durante as lutas também ajuda a nos colocar naquele ambiente quase claustrofóbico do ringue. Ambiente esse em que qualquer erro pode resultar na morte do lutador e, por consequência, a nossa. 

Também é notório que o mangá sabe construir cenas calmas, sem diálogo, até mesmo contemplativas, com o protagonista caminhando pela cidade, absorvendo aquele mundo, vendo-o respirar. Não que o worldbuilding seja muito bem feito, mas já entramos nisso.

Outro destaque é como o desenhista tem um traço fino, firme, sem muito sombreado, traz toda uma leveza para o traço, principalmente considerando que li Levius como uma pausa de Dorohedoro, um mangá com páginas carregadas de tinta, é uma variação e tanto. 

Uma pena que essa arte não transita nada bem para o colorido. Com um digital quase amador, as (ainda bem que) poucas páginas coloridas são uma tristeza. É como cair de um desenhista de mão cheia para uma fanart feita por um fã adolescente, em uma virada de página.

M.M.A. Steampunk

Mas afinal, sobre o que é Levius? Essa é uma pergunta complicada. Basicamente a história se passa num século 19 alternativo, onde teve uma grande guerra e o mundo avançou de uma forma que pessoas implantam pedaços robóticos. Esse mundo tem um novo esporte, o Mechanical Marcial Arts, M.M.A., um combate com alto nível de mortalidade, do qual nosso protagonista, Levius, é um participante.

Isso quer dizer que é um mangá de esporte? Não. Levius tem um grande problema de querer abraçar o mundo em três volumes, mas a gente já chega nisso. A questão é que um outro elemento igualmente relevante é a empresa que venceu a guerra, Amethyst. São uma empresa absolutamente poderosa (ou não), com poder de vencer uma guerra sozinha e controlar países ao próprio capricho (ou não). E claro, eles são responsáveis pelo passado traumático do protagonista-kun.

Falando em protagonista-kun, o Levius (personagem não mangá) é uma bagunça. Começa construído como o cachorro louco, o personagem atormentado pela culpa do passado, com uma vontade de vingança pela empresa que matou o pai e aleijou a mãe. Só que de repente ele decide que vai salvar uma outra personagem/máquina de matar da mesma empresa.

Nunca nos é estabelecido o porquê, nem ninguém dentro da narrativa questiona o personagem. E isso é o grande motor da história por mais de metade dela. Uma louca corrida para salvar uma personagem que não importa. No meio do caminho, custando qualquer característica marcante do protagonista, que sobra em sua casca vazia em forma de trope de battleshonen.

Ainda falando de ambientes e narrativa de forma mais geral. O mundo de Levius faz muito pouco sentido. E não digo nem no moedor de carne que é o coliseu, mas na mega empresa do mal que é a Amethyst. Empresa gigantesca reduzida a nada quando um personagem recurso de roteiro e deus todo poderoso basicamente estala os dedos.

É um balanço muito bizarro de forças, que não se sustenta se você ler com mais que meio neurônio funcionando. Uma empresa tão influente, que finge a própria dissolução (por algum motivo), volta sendo aclamada pelo público e nada disso é relevante para a conclusão do mangá. Isso pode ser trabalhado na sequência, mas eu precisaria ter alguma vontade de lê-la pra saber.

Adolescente revoltado

Acho que essa é a maior energia que Levius emana. Coincidentemente, no caso, tanto o mangá quanto o próprio personagem. A energia de um adolescente revoltado, o famoso rebelde sem causa. Ele odeia tudo que tá aí, mesmo não sabendo o que é esse tudo que está aí.

Foi um tanto curioso, toda a jornada com Levius. O começo, promissor e refrescante. O meio, confuso e inconsequente. O final, triste e jogado. Mas vamos por partes.

A questão sobre toda a revolta vazia do mangá é o quanto ele parece achar que está construindo um grande tratado sociológico sobre guerra e manipulações. Isso se dá em como ele cria o mundo nele, com paralelos claros a filósofos e sociólogos. O Levius lê Kant. (spoiler alert) A personagem que ele quer salvar é filha de um pseudo Karl Marx, que é torturado e vende a própria filha em troca da vida.

É de uma pretensiosidade que só poderia ter vindo de um adolescente, de idade ou mentalmente. Toda a mensagem é um tanto bagunçada e acaba indo para tantos lugares e lugar nenhum. Ele quer falar sobre honra no esporte, sobre guerra, sobre religiosidade, sobre conexões, sobre humanidade, acaba não falando sobre nada no final das contas.

Existe toda uma questão sobre como o Levius utiliza um braço robô que faz ele sentir a dor do oponente, enquanto outros lutadores utilizam formas de defesa. Isso significa algo na grande temática do mangá? Não. No arco do Levius? Também não. E digo isso com pesar, por que era uma ideia distinta. 

Colocar o Levius como esse lutador que é bom justamente por não tratar os implantes como melhorias, mas como extensão do seu corpo. Construir esse personagem que foge da dor das perdas da guerra com a adrenalina e a dor no ringue. Isso inclusive talvez fosse a ideia do personagem em algum ponto, certamente não no final.

E se o protagonista é ruim, o antagonista é ainda pior. O grande engenheiro do mal que se veste igual palhaço e  remove o sentimento de seus lutadores para eles se tornarem verdadeiras armas de guerra. Porque veja, guerra é ruim, e Levius não tem nada mais a dizer sobre esse tópico, mas que é ruim, isso é. 

É um personagem tão edgy e caricato que a narrativa perde todo o peso. Não tem como uma narrativa que quer se levar a sério, quer discutir temas complexos, mas o contraponto é mais tosco que esquete do Zorra Total. E não é como se fosse apenas o grande antagonista que sofresse desse mal.

O diretor de um personagem secundário se resume ao ganancioso que “não se importa com a honra do esporte e só quer dinheiro”. E é isso, ele existe na história para criar um conflito artificial que vai pra lugar nenhum. Uma tentativa de dilema moral para o médico do Levius decidir entre a integridade ou dinheiro, não que ele sequer tivesse construído um personagem cinza para que essa questão sequer coubesse.

Por favor, contrate um roteirista

Levius tem conceitos interessantes. O mundo é inventivo, as lutas são maravilhosamente coreografadas, os designs são muito bem feitos. Infelizmente o mangaká achou que estava escrevendo um novo Ghost in the Shell. O problema é que ele estava escrevendo um novo Ghost in the Shell com os personagens de Fairy Tail.

Quem sabe em um universo paralelo onde ele chamou alguém pra escrever as ideias dele, teríamos um mangá muito bem feito. Ou um universo paralelo onde ele apenas desenhou um ótimo mangá de porrada steampunk também serviria bem.

Isso que eu nem parei para esmiuçar todas as coisas que me incomodam nesse mangá. Tem uma virada de roteiro pela metade que, apesar de ousada, acaba não refletindo muito pro elenco relevante. A mãe do protagonista é completamente esquecida pelo roteiro. O tio mendigo tira um poder do cu para resolver o plot, e a lista segue.

Apesar de tudo, ainda foi uma jornada interessante, principalmente pelo visual e narrativa (construção das páginas, não roteiro) que são realmente estupendos. No mais um mangá um tanto confuso e perdido no que quer criticar, no que quer narrar e no que quer ser.

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