Fairy Gone Não Entende seus Pontos Fortes

Fairy Gone é um anime original de 12 episódios, com uma segunda temporada já anunciada, com lançamento previsto para a temporada de outono de 2019. A primeira temporada, por sua vez, foi lançada na temporada de primavera. A sua produção foi feita pelo estúdio P.A. Works (Sirius the Jaeger, Kuromukuro), direção de Suzuki Kenichi (Drifters, Jojo Stardust Cruzaders) e series composition de Jyuumonji Ao (estreante, porém autor de Grimgar of Fantasy and Ash).

Construção de Mundo? Mais pra exposição de mundo

Certo, primeiro de tudo eu preciso dizer que eu tentei gostar de Fairy Gone. A ambientação steampunk meio final da primeira guerra, aliada a um elenco majoritariamente adulto, me pareceu um frescor interessante. Mas os episódios foram passando, e se empilhando, e mais e mais eu ficava entediado.

Mas antes disso, acho relevante uma breve sinopse. Fairy Gone é a história de Marlya Noel, que está em busca de sua amiga de infância desaparecida, Veronica Thorn. Neste mundo, existem fadas, que funcionam mais ou menos como stands de Jojo. Rolou uma guerra que unificou esse país, e agora os caras com poderes de Jojo são caçados pelo governo. Marlya faz parte dessa agência, junto do deuteragonista, Free Underbar, que está em busca de seu parceiro na guerra, Wolfran Row.

É uma sinopse interessante, apesar de meio batida, mas aí que começam os problemas. Fairy Gone não consegue abrir mão de sua megalomania de achar que está escrevendo uma epopéia moderna profunda. A história trata a si própria como se fosse o próximo Legend of the Galactic Heroes.

Então sim, muita gente sentada discutindo planos e mais planos, tramóias e traições. Só que tudo é exposto do jeito mais confuso possível. Temos a máfia, não uma, mas três famílias diferentes. Temos também o governo, com vários ministros, vice-ministros, o primeiro ministro, um imperador. Temos também a Dorothea, que é uma agência neutra do governo. Temos também antigos heróis, os Sete Cavaleiros, cada um com uma arma, que tem um nome. As fadas, também tem nome. Temos um golpe de estado em andamento, ao mesmo tempo em que os protagonistas estão procurando pelos Tomos das Fadas Negras. E cada maldito personagem tem 2 nomes com pelo menos três sílabas em um pseudo alemão.

O que eu quero deixar claro aqui, é que seria necessário um infográfico para manter qualquer tipo de controle sobre quem tá a onde e de qual organização faz parte. Tudo fica muito pior com o design de figurante que mais da metade deles possui. Isso sem contar que as personalidades não são marcantes e os objetivos, nenhum pouco claros.

Tolkien foi uma maldição

Uma das coisas que eu mais odeio em histórias de fantasia, é que todo bendito local tem um nome, uma história de como aquele lugar ficou do jeito que ficou, e um elenco de personagens descartáveis que está muito intrincado com absolutamente nada.

E Fairy Gone aplica esse conceito da forma mais mal feita possível. Se prepare para uma interminável sequência de cenas estáticas com uma plaquinha dizendo a data que aquilo está se passando e o nome do lugar. Não que isso ajude em algo, uma vez que a caracterização dos ambientes deixa as cidades absolutamente indistinguíveis uma da outra. É um grande exercício de catalogação de ambientes. 

O mesmo vale para os personagens, não raras serão as vezes em que um personagem absolutamente secundário vai aparecer e ser introduzido através de uma caixa de texto com seu nome e função. Eu não teria problema com isso, caso fosse apenas pra dar um gostinho a mais. Mas Fairy Gone quer que você lembre dos nomes dos 641 personagens com rosto igual que ele joga na sua frente.

E é por isso que eu digo que Tolkien foi uma maldição, ele sabia como construir essas coisas, mas todo o resto que seguiu seus passos acha que jogar umas informações desconexas é construção de mundo. Não Fairy Gone, não é.

O pior de tudo, é que essa bagunça faz com que a narrativa perca completamente a mão de quem é importante, e fica pulando de um lugar a outro tanto, que a temporada acabou e eu sei menos sobre esse mundo que quando começou. O que é absurdamente problemático pra uma série que ambiciona trabalhar intrigas políticas.

Tanto texto, tão pouco significado

O que mais entristece no infindável amontoado de exposição de Fairy Gone é o quão pouco ele importa. Digo isso por dois motivos.

Primeiro por não termos qualquer conexão com como aquela sociedade de fato funciona. É quase como se fosse uma história de caçar os stands com um enxerto bizarro de contexto pós guerra. Eles ficam repetindo denovo e denovo guerra, querem começar uma guerra, unificação, e eu não sei o que isso de fato significa.

Como o povo se sente? Qual o motivo que levou a guerra de unificação? O Imperador é incompetente? É quase uma antítese do trabalho que Acca fez em 2016, onde mesmo que você não soubesse a cara dos revolucionários, e mesmo que houvesse uma grande quantidade de regiões diferentes, tudo foi devidamente mostrado e construído. As coisas tinham sentido, você sentia os problemas daquele governo.

Aqui, por outro lado, tem um tom belicoso e autoritário passado pelas fadas artificiais, mas é tudo tão estéril e sem vida que eu realmente não sei dizer. E a Marlya não ajuda nada. Como uma personagem que adentrou a organização reguladora, Dorothea, a pouco tempo, ela devia ser o espelho do espectador. Um reflexo e uma orelha. Mas a personagem é absolutamente alheia a todo e qualquer acontecimento, simplesmente abraçando a causa da Dorothea sem questionar, e permanece absolutamente tangencial a todo o antro político de Fairy Gone.

Isso é o segundo motivo pelo qual o anime falha em trazer os sentimentos, a personagem permanece absolutamente apática a basicamente tudo. Enquanto um milhão de personagens entram e saem da trama sem qualquer cuidado ou lógica. Para pegarmos um exemplo contrário, Fullmetal Alchemist tem um trabalho consideravelmente extensivo no lado político daquela sociedade. Mas não é feito a caralha, é um trabalho gradativo, que vai se intensificando à medida que seu protagonista, Edward Elric, se conecta com os problemas do regime militar liderado pelo Fuhrer.

Um problema de foco

Pensando nisso, Fairy Gone seria muito mais interessante se assumisse uma estrutura mais próxima de Psycho Pass. Uma série de casos da semana, que lentamente apresentam a equipe do Dorothea, enquanto deixam pistas de um algo maior por trás. Digo isso, pois não é como se a história fosse críptica de propósito. E existe um certo brilho, até charmoso, ao menos no quarteto mais relevante da Dorothea. Mesmo que o cabeludo e a de óculos sejam extremamente subutilizados.

O problema é que a ausência dessa conexão inicial, faz com que mais tarde, quando ocorre a grande quebra do grupo, o espectador não sinta nada. Quando o careca morre e todos estão muito tristes, não é passado pra você que eles realmente têm um senso forte de companheirismo e camaradagem. É o popular show don’t tell que as pessoas usam como mantra, e que se mantém verdade em casos como este.

Pra além disso, a Marlya, com esse sentimento de criatura amaldiçoada, sempre sendo abandonada por aqueles que ama, encontrar finalmente uma família na Dorothea traria um vínculo emocional muito forte. Mas infelizmente ela vai sofrendo de perda de personalidade durante o meio da série, pra recuperar quando é conveniente.

Olhando como valor de entretenimento per se, Fairy Gone também falha, ao entregar doses muito homeopáticas de ação. Embora as lutas sejam bem coreografadas, e com trilha bem trabalhada, o CGI de baixíssima qualidade salta aos olhos e prejudica. Mas entrega um gore divertido, quase que uma recompensa pelos monólogos torturantes.

Outro destaque importante, é quão sem graça o Free é enquanto deuteragonista. Por ser quase o mesmo que a Marlya, não funciona como contraste. Por estar sempre estóico, não serve como personagem por si. Um grande desperdício.

Fairy Gone?

Bom, o texto pode parecer absolutamente pessimista, mas ainda existe uma chance de dias melhores. Se Fairy Gone abandonar a megalomania e focar no seu elenco principal e porrada de monstro, tem algo aqui ainda.

E considerando onde a primeira temporada acaba, existe espaço para o crescimento da protagonista, e o enredo per se tem caminhos interessantes a seguir. Resta esperar pra ver se ele vai tomá-los ou não.

Foi um caminho tortuoso, com começo promissor e um meio entediante, porém eu ainda quero acreditar no potencial de Fairy Gone.

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