O potencial desperdiçado de Violet Evergarden

 

Ficou óbvio com os textos antigos que eu não estava satisfeito com as decisões feitas pela produção de Violet Evergarden e com a estrutura da adaptação devido a notória divergência entre a série animada de Violet Evergarden e sua inspiração, a light novel escrita por Kana Akatsuki. Por isso, decidi me poupar a fadiga de falar de decepções todas as semanas e acabei por decidir abordar o assunto após sua conclusão. Hoje, após o fim da série, estou aqui para detalhar minhas impressões por trás do processo criativo da série animada, suas divergências com o material original e o que ela faz melhor e pior.

O que vai ser encontrado aqui, no entanto, provavelmente não é só o que se quer ouvir ou afirmar, isso por que o público de Violet se divide facilmente em duas percepções: Uma objetiva, que se incomoda demais com a estrutura da série, com a construção de mundo e com a suspensão de descrença para se sentir imerso na narrativa, e uma subjetiva, de pessoas que não se incomodam tanto com as falhas de execução pela relação que criam com as histórias que foram contadas. Particularmente, eu me encaixo completamente nas duas percepções e em nenhuma. Eu sinto que minha percepção é corrompida demais para fazer um julgamento justo, por isso eu não estou aqui para falar nada além da minha experiência e da minha opinião pessoal.

Em resumo, esse prefácio todo serve pra te aconselhar a não fazer julgamento de valor por causa da minha opinião e julgar por si só. Você pode encontrar algo muito bom que vai te fazer feliz ou pode encontrar algo que vai te decepcionar, de qualquer forma, Violet Evergarden é uma experiência muito única para que você não a tenha por si só.

Spoilers adiante, da light novel e do anime.

Diferentes histórias, diferentes personagens…

 

Violet Evergarden não é uma adaptação fiel, nem está preocupado em ser. Não seria nada exagerado dizer que o material original é apenas uma inspiração. O que não quer dizer que não existam falhas na adaptação, mas elas são quase irrelevantes para as intenções do diretor Taichi Ishidate e da series composer Reiko Yoshida. O mais importante de se ter em mente ao julgar é que todos os personagens que apareceram no trabalho original são diferentes, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau. Só que em maior grau, todos os personagens que são importantes e constantes para a narrativa mudaram. A Violet é diferente, o Hodgins é diferente, Gilbert é diferente e até mesmo Dietfriet é diferente. Ou talvez, o melhor fosse dizer que todos os personagens são simplificados. De qualquer forma, essas mudanças são resultado do foco da Kyoto Animation, que no fim das contas não era reestruturar a natureza episódica da light novel de Violet Evergarden, mas sim contar a sua própria história naquele mundo e com aqueles personagens.

Descrever as diferenças entre os personagens do anime e suas contrapartes de acordo com os acontecimentos cronológicos da narrativa e não com a ordem dos episódios deixa isso tudo muito mais claro.

De acordo com a light novel, a última memória de Violet começa quando Dietfriet a encontrou em uma ilha deserta, uma situação que não é retratada no anime. Ela não sabe por quê estava lá, mas ela foi atraída por Dietfriet desde o começo. É estabelecido neste momento que existe uma conexão especial entre os Bougainvillea e a real natureza de Violet. Dietfriet estava com o que havia sobrado de sua frota após o seu navio ter afundado em uma tempestade durante uma batalha naval, eles chegaram à ilha após passar dias a deriva em um barco salva-vidas. Eles encontram Violet assim que chegam na ilha e, apesar da fatiga, alguns dos mais sórdidos soldados de Dietfriet em seu torpe estado decidem que vão estuprar a garotinha. Dietfriet é complacente da personalidade podre de seus companheiros, mas não iria deixá-los cometer este ato de violência, porém, antes que pudesse pará-los, Violet matou um deles à sangue-frio. Diante da situação absurda e da possibilidade de que Violet fosse só uma criança de uma tribo inteira, Dietfriet e seus soldados tentaram fugir para o outro lado da ilha. Não adiantou, não importa para onde fossem ou onde estivessem, Violet sempre esteve os acompanhando de perto e se mostrava visível. Cansado e com medo, Dietfriet ordena seus companheiros a abrirem fogo e matarem Violet, o que resulta no massacre de todos os seus soldados e companheiros com exceção de si mesmo. Mais tarde, Dietfriet nota que a garotinha sempre o acompanha e que não o faria mal, nota que ela obedece suas ordens desde que não ofereçam danos à si mesma e percebe que parte da culpa pela morte de seus soldados é dele mesmo, pois a Violet entendeu sua ordem para os seus companheiros como uma ordem para si.

Alguns meses depois, Dietfriet convida Gilbert para uma comemoração devido à sua promoção como Major em uma fachada para poder presenteá-lo com Violet. O que ele havia planejado é mostrar para o irmão a capacidade de sua arma, por isso preparou um cenário em que Violet matava três criminosos para que Gilbert compreender a sua natureza. Gilbert aceita o “presente”, entendendo que Violet é, na verdade, um fardo muito pesado para o irmão e que ele tem medo dela.

Este é o passado de Violet que é omitido pelo anime de Violet Evergarden. E por causa disto o personagem de Dietfriet é alterado drasticamente. Ele até é impetuoso até certo ponto quando se trata de Violet, mas esse aspecto tem seu impacto diminuído consideravelmente quando no anime sua raiva é representada pelo assassinato de seus companheiros sem o contexto completo. Para Dietfriet, no contexto original, era mais fácil perdoar um de seus marujos por estupro por que ele era seu amigo do que perdoar Violet por tê-lo matado por ter sido vítima de um assalto sexual. O peso dos sentimentos de Dietfriet é este, até certo ponto, ele enxerga o que há de errado com a natureza de seus companheiros e de seu caminho de vida, mas para ele é mais fácil ver um completo marginal como digno de tratamento humano do que a Violet, porque ela o assusta. Este ponto é reforçado de outras formas para retratar que a sociedade do mundo de Violet Evergarden é machista e objetifica as mulheres, só que aqui ele já funciona como um forte gatilho para a mensagem. Todo esse aspecto e conflito do personagem (que tem sua visão confrontada na light novel) não existe no anime. Ele deixa então de ser o cúmplice de uma situação horrível e inaceitável para ser a vítima (no anime, é apenas dito e mostrado que Violet matou os soldados de Dietfriet), para ser o contraponto dos pecados de Violet e o reflexo de sua redenção no final da animação a qual discutiremos mais tarde (sendo colocado inúmeras vezes como o maior exemplo vivo da violência de Violet).

Eu entendo que para que a história que o anime quer contar funcione que essa alteração seja necessária. O que eu não entendo é porque decidiram que era melhor omitir o contexto do que transformar ele em algo diferente. A omissão cria dois furos de roteiro (o Gilbert fazer tudo que faz pela Violet sem entender do que ela é capaz, Dietfriet e Violet estarem juntos) e fere a narrativa sendo estabelecida, dependendo da falta de atenção do espectador ou de saltos lógicos para fazer algum semblante de sentido que fica forçado. Era mais fácil ter criado um outro motivo para que Violet tivesse matado os soldados de Dietfriet e depois tivesse se juntado a ele ao invés de omitir a situação e deixar essas pontas soltas.

Uma outra crítica a essas alterações e uma que irá retornar em outros momentos, é que considerando as mensagens e o tom da obra original, a adaptação atenua demais todos os aspectos relacionados a Violet que torne mais difícil ou ambígua a sua identidade como um ser humano e como objeto de nossas relações e afeições pessoais. Por isto, há uma diminuição muito grande na violência causada pela Violet e contra a Violet, no retrato de conflitos e cenários de Guerra, e de quase todos os tipos de situação ou interações da Violet com outros personagens que a tornem “menos pura” para Gilbert e para audiência. Por essas e outras coisas foram feitas as seguintes decisões:

  • A omissão do passado de Violet;
  • O capítulo mais importante e extenso do primeiro volume da light novel foi adaptado de forma corrida em somente um episódio (para efeito de comparação, o anime adaptou cinco dos seis capítulos do primeiro volume, cada um teve um episódio de duração, só que este capítulo em específico é um terço do primeiro volume inteiro);
  • Violet não beijou Aidan na boca para confortá-lo enquanto ele alucinava, chorava e ansiava pela namorada Maria enquanto temia profundamente pela sua morte;
  • Leon não se confessou para Violet e não recebeu um sorriso e uma rejeição que deixa uma ponta de esperança para o futuro, tampouco reencontrou Violet novamente anos depois para observar as estrelas junto com ela;
  • O quinto capítulo do primeiro volume que retratava a visita de Violet a Edward para escrever a sua carta não foi adaptado (isso omite a ambiguidade da personagem da Violet, pois na novel, embora ela se arrependa e não veja mais propósito na matança, ela admite gostar de matar e de cumprir o seu papel como um arma);
  • A natureza da obsessão da Violet em seu papel como uma ferramenta para Gilbert é bem menos retratada.

Continuando de onde havíamos parado, Gilbert recebeu Violet de seu irmão. Ele sentia um misto de pena e carinho por ela por se tratar de uma criança, mas ele era plenamente consciente de suas habilidades. Temendo que ao ser abandonada, Violet pudesse cometer atrocidades ou obedecer ordens de outras pessoas, Gilbert toma para si a responsabilidade de cuidar dela e para isso, ele precisa garantir que ela possa fazer parte do exército para sempre acompanhá-lo. Arriscando sua reputação e o nome de sua família, Gilbert consegue arranjar uma demonstração para os oficiais superiores que mostre o potencial de Violet como uma arma. Esteve presente neste dia, Claudia Hodgins, melhor amigo de Gilbert. Hodgins nota que Gilbert parece mais sensível do que antes, pois este tinha bastante cuidado para com Violet, chegando a parar de fumar por causa dela. Isso mais tarde cria sentimento mistos em Hodgins, pois todos, inclusive ele, são chocados pela proeza marcial de Violet ao assassinar dez prisioneiros armados com facas e porretes. A garotinha é admitida no exército, como uma arma sob domínio e responsabilidade de Gilbert Bougainvillea.

Durante o período de guerra, Gilbert ensinou Violet a falar e tudo que era necessário para que ela vivesse bem dentro do convívio das bases e acampamentos militares e do campo de batalha. Ele também a deu seu nome, com a esperança de que um dia ela pudesse deixar de ser uma ferramenta e pudesse se tornar alguém digna deste nome como uma mulher, para que ela pudesse estar a altura de uma divindade da natureza como algo gentil como uma flor. Esta era a forma como a proeza e beleza de Violet afetava as pessoas ao seu redor, sua presença remetia ao divino nos olhos de quem a via e Gilbert não era exceção.

Todos os dias e todo o tempo, Gilbert estava se preocupando com Violet e seu bem-estar, mas ele era incapaz de impedir que o ambiente de guerra manchasse a pureza de Violet. Até certo ponto, ele se acostumou com isso. Se acostumou com as matanças e batalhas, se acostumou com os ocasionais corpos encontrados nos recintos de Violet de homens que a visitavam de noite esperando tomar proveito de sua beleza, se acostumou com a reverência obsessiva que a garota tinha por ele.

Violet tinha somente o propósito de servir Gilbert, qualquer outra coisa era desnecessária para ela. Desde o momento em que o encontrou, estava resignada a isso. Nunca é explicado exatamente qual a ligação de Violet com a família Bougainvillea e o motivo pelo qual somente as ordens deles são absolutas para ela. Talvez tenha alguma informação no terceiro volume da light novel que foi lançado no Japão recentemente, mas mesmo sem confirmação podemos crer que existe uma ligação sobrenatural entre os dois. Talvez exista alguma ligação entre as divindades mitológicas de Leidenschaftlich e a linhagem de heróis da família Bougainvillea, já que é implícita a possibilidade de Violet ser uma semi-deusa durante o segundo volume. O importante, no entanto, é que para Violet proteger Gilbert vai além de gratidão, criação ou diretrizes militares, é literalmente a razão pelo qual ela existe. Ela tem um sentimento de carinho muito forte por ele pelas suas próprias circunstâncias pessoais, mas mesmo essa ligação vêm em segundo plano se comparado com sua função como uma ferramenta para os Bougainvillea.

Com o convívio, ensino e devido a pureza e beleza de Violet, Gilbert desenvolveu sentimentos proibidos pela garota que estava criando. Ele via a arma com amor e não como um objeto. Por isso, passou a tentar fazer Violet ser mais consciente de sua própria individualidade ao se ver sentindo o peso da culpa pela ausência de desejos da garota. Passou a questionar o seu papel no destino de Violet, se dando conta que a garota só matava em duas circunstâncias: para se defender e para obedecer suas ordens. Tivesse sido mais responsável, mais caridoso, mais humano, poderia ter encontrado um lar de verdade para Violet, poderia ter impedido que ela manchasse suas mãos com mais sangue, poderia ter impedido que a reverência dela por ele fosse tão longe. Só que Gilbert não o fez, ele sequer havia se dado ao trabalho de ensinar para ela palavras comuns fora do contexto militar, por isso o choque e o peso de tudo que fez ressoa dentro dele quando Violet afirma não saber o que é “bonito” e quando em um ato de identidade, ela diz a ele que os seus olhos são bonitos e que elas os enxerga assim desde o primeiro momento em que o viu.

O peso da incompetência e frieza de Gilbert se tornou seu companheiro constante e foi o que o motivou a procurar meios para que Violet pudesse se livrar de uma carreira militar após o fim da guerra. Acabou que acordar de seu coma, devido a seus ferimentos graves na batalha de Intense, primeiro que Violet lhe foi benéfico para que Gilbert pudesse alcançar seu objetivo e sair da vida de Violet. E esta talvez seja a maior diferença entre a light novel e o anime de Violet Evergarden. No contexto original, Gilbert Bougainvillea está claramente vivo desde o começo da segunda light novel. No anime essa é uma questão aberta, mas de qualquer forma, Gilbert não aparece depois de sua “morte” em Intense.

O personagem de Gilbert no anime também é alterado por omissão. Existe uma ênfase muito grande nas cenas que mostram sua boa índole e praticamente zero em cenas que deem mais ambiguidade para sua personalidade. As motivações de Gilbert para estar com Violet, inicialmente, no anime não vão além de pena. Acaba sendo difícil imaginar motivos para que ele levasse a garota consigo para a guerra, mas ele o faz e embora a montagem da série não explique os motivos, ele é colocado como uma vítima da situação, que ele foi forçado a fazer isso. Bem diferente do erro de julgamento causado pelo medo que aproxima as ações de Gilbert e de Dietfriet na light novel. Os personagens deveriam servir como reflexo um para o outro para que a mensagem fosse mais forte na realização de Gilbert de que ele objetificou Violet mesmo que se importasse com ela. E a demonstração para os oficiais superiores, que é um sinal claro disso, no anime é só um flashback fora de contexto no primeiro episódio que ninguém sequer tem como entender sem o consumo da light novel.

Gilbert também age muito mais como uma figura paterna na adaptação – apesar das implicações românticas entre ele e Violet – e seu personagem toma vários traços que eram originalmente de Hodgins. No segundo volume da light novel é explorada a relação entre Hodgins e Violet, basicamente, uma relação de pai e filha. Hodgins passa bastante tempo cuidando de Violet, ele faz questão de ir visitá-la com frequência, sendo muito mais próximo da garota do que ele é no anime. É ele quem está lá para Violet nos momentos difíceis para ela. Ele esteve lá durante os 120 dias em que ela estava se reabilitando no hospital e a ensinou a ler e escrever, ele a levou até os Evergarden e a visitava com frequência para acompanhar seu crescimento, ele notou seu sofrimento e lhe revelou que Gilbert estava morto para que pudesse seguir em frente e a ajudou a encontrar uma vocação para que pudesse ter mais contato com o mundo. Partes desta relação foram transferidas para Gilbert, parte delas permaneceram – não necessariamente só com o Hodgins, mas com os personagens da CH Postal – e parte delas sequer existe.

A necessidade de suavizar o personagem do Gilbert é tornar a obsessão de Violet um sentimento mais próximo de admiração ou carinho. As mudanças foram feitas para que a Violet possa ter uma agência como personagem durante o flashback da guerra e também durante o início da série, quando ela pede para ir com Hodgins para a CH Postal e para que eventualmente ela possa ser sua própria pessoa sem depender de ninguém. E aqui está a diferença essencial entre o anime e a light novel de Violet Evergarden: A agência da Violet. Enquanto no trabalho original há mais ambiguidade e aprofundamento em todos os personagens, o anime opta por seguir um foco específico ao retratar a superação da perda. Violet demonstra muito mais admiração do que instinto ao proteger Gilbert, ela é quem busca Hodgins para que possa ter um propósito (não o contrário, como ocorre na light novel), ela que se força a dar os primeiros passos para superar a perda ao se tornar consciente de seu impacto nas outras pessoas e é ela quem decide o que vai fazer de sua vida. Embora a Violet esteja no mesmo lugar nos dois trabalhos, a posição da personagem nos dois é oposta.

Não quero que ninguém ache que a personagem da Violet é irrelevante na light novel, existe um motivo pelo qual ela é assim. A falta de agência ocorre nesses momentos que citei, mas é claro de acordo com os contos que a personagem tem sua própria vontade e está encontrando suas razões para viver. O seu retrato funciona através dessa ambiguidade entre o humano e o não-humano e é essa mudança de paradigma que muitas vezes gera uma epifania nos personagens que temos como pontos de vista dos contos. Violet não pode ser um personagem definido ou uma pessoa que sejamos capazes de compreender por causa da ótica subjetiva do espectador, motivo pelo qual o primeiro volume funciona tão bem e funciona de acordo com os temas e pelo qual o segundo falha miseravelmente por tentar se focar muito mais na personagem do que deveria.

O final do segundo volume da light novel é simplesmente horrível. Há um reencontro entre Gilbert e Violet durante o conflito do trem sequestrado. A autora Kana Akatsuki queria demais dar o final feliz aos seus personagens, tanto que ela esqueceu os temas trabalhados no primeiro volume em relação à guerra, violência e objetificação e empurrou esse reencontro goela abaixo dos leitores ignorando todo o crescimento e descoberta individual de Violet para enaltecer o Gilbert e remover completamente a sua agência como personagem ao deixá-la na posição de donzela em perigo em virtude do amor e em estado de completa submissão e incapacidade de falar por si só enquanto atende às vontades do major. No final da light novel, Violet não decide o seu futuro por si só, ela é resignada a aceitar a presença de Gilbert, por que não existe mais uma perda com a qual lidar e embora tenha superado sua natureza compulsória como uma ferramenta a ser utilizada, ela está na beira de uma recaída. A autora tenta amenizar a situação mostrando novamente como Gilbert é consciente da natureza de Violet e como ele sabe que ela deve encontrar um caminho por si só para se enxergar como um ser humano. Só que para isso, ele decide que não irá mais se separar dela, que eles irão ficar sempre juntos, ele, um homem muito mais velho que ela, decide que essa é a forma que ele pode encontrar para cuidar dela… E a Violet simplesmente aceita isso sem pensar em si de verdade. Segue aí uma fala desse momento que exemplifica isso:

“Por favor, fique do meu lado… Eu não me importo de qual forma você me tratar. Eu simplesmente quero estar com você. Isso é tudo. Nada mais… É necessário. Major, eu… Quero estar junto com você.”

Parece uma perspectiva de relacionamento muito promissora, não é mesmo?

Apesar de todos os defeitos e simplificações do anime de Violet Evergarden, foi feita a escolha certa quanto ao foco que deveriam ter para alcançar um final satisfatório. Ainda existem erros na composição de série e na supervisão dos scripts individuais que torna a sequência de episódios – em especial do começo da série – meio esquisitos por que eles não parecem conversar muito bem um com o outro, porém, há também acertos que ressaltam o crescimento da Violet como pessoa ao longo dessa jornada e que culminam no episódio nove, onde ela finalmente supera a morte do Gilbert. A Kyoto Animation compreendeu que para que Violet possa se manter como uma personagem por si só, ela precisa superar o Major. Não só superar a sua morte, mas também superar a sua presença, a sua obsessão. Por isso, é muito interessante ver que no final, Dietfriet se torna um reflexo de Gilbert, dos pecados de Violet e de sua obsessão. Seu papel funciona muito melhor no final do trem do que o do Gilbert, por que ele não só não atrapalha a agência da Violet, como ele é perfeito para que ela possa provar que pensa por si só e que ela é um ser humano com seus próprios desejos e sentimentos. Pena que foi mau executado em diversos aspectos.  Apesar disto, apesar dos erros mencionados antes e das falhas narrativas das cenas de ação que ocorreram durante o ato do sequestro de trem no anime, a resolução e os temas sendo trabalhados neste momento são perfeitamente condizentes com o resto da série.

Infelizmente, não existe um jeito “melhor” de consumir Violet Evergarden. O primeiro volume da light novel é maravilhoso e temos bons momentos no segundo, mas a mudança de foco e o final da história são muito prejudiciais para o desenvolvimento que havia sido feito até aquele ponto. Sinceramente, até mesmo recomendaria que só fosse lido o primeiro e fosse ignorado o segundo. Já no anime, nós temos diversos episódios individuais muito bons e uma resolução mais coerente, mas uma série com ritmo demasiadamente apressado e uma montagem inconstante e muito fraca para os padrões da Kyoto Animation. Existem muitas coisas boas que pode se tirar das duas experiências, existem contos específicos e momentos que certamente irão ressoar com o coração de alguns e a mensagem será poderosíssima, mas sabe… Poderia ser muito mais.

PS: Quem quiser ver o anime, eu ainda insisto para que veja, nem que seja para ver até o episódio 10, que foi, na minha humilde opinião, o melhor episódio da temporada de inverno de 2018. Esse episódio é também uma adaptação do segundo conto do primeiro volume da light novel, que tal como eu falei antes, é maravilhoso e merece ser lido.

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