Trigun Stampede: Aspereza e Solidão

Homem loiro de óculos de sol apontando arma para frente.

Vash Stampede é o Tufão Humanoide, tudo que ele toca vira caos, e a destruição está ao seu encalço. Investigar esse verdadeiro fenômeno da natureza recaiu sobre a dupla de jornalistas, Meryl Stryfe e Roberto De Niro. Mas o que o pistoleiro da capa vermelha esconde? Será alguém astuto? Ou apenas mais um palhaço do deserto? É isso que Trigun Stampede tenta nos responder.

Trigun Stampede é um reboot da série Trigun, feita pelo estúdio Orange e lançado na temporada de Inverno de 2023. A série conta com direção do Kenji Muto e series composition do Shin Okashima. Essa temporada conta com 12 episódios e está disponível oficialmente na Crunchyroll, tanto dublado, quanto legendado.

Histórico de Lançamento de Trigun Stampede

Eu não posso fingir que essa é uma review sem uma certa dose de viés por trás. Primeiro por eu ser fã declarado do Yasuhiro Nightow, criador original do mangá de Trigun. Segundo, por eu já ter lido o dito mangá, inclusive, escrevendo uma review sobre, e também por ter visto a série original. Então, acredito que seja interessante pensar a partir dessa experiência prévia, ao menos a priori.

Nenhuma das versões de Trigun são exatamente iguais. A obra nasce como um mangá de forma um tanto quanto conturbada, com seu lançamento sendo interrompido abruptamente dado o cancelamento da revista. O mangá então se divide na série original e em sua sequência, Trigun Maximum. Mesmo antes disso, o trabalho é marcado por um caos controlado típico de seu autor que tem uma linha de criação muito mais livre do que algo estruturado e pensado a longo prazo.

O primeiro anime então pega o primeiro mangá e parte do segundo (o anime do Satoshi Nishimura saiu em 1998 enquanto Trigun Maximum só finalizou em 2007) e mescla os dois enquanto também trás seu próprio olhar. O resultado é uma obra mais coesa em um geral, que começa episódica e evolui para um plot mais contínuo.

Esse reboot, por sua vez, também usa o material em quadrinhos muito mais como linha guia do que como uma adaptação 1 pra 1. De certa forma, Trigun Stampede tenta mimetizar a experiência de Trigun em mangá, com o final da temporada sendo um tanto similar ao final do primeiro anime.

Para isso, o anime do Kenji Muto lança mão de inúmeras mudanças, que vão desde o passado de alguns personagens, a adição de personagens inteiramente novos. O formato episódico também foi removido deste novo anime, com a série indo para “a parte séria” muito mais rapidamente.

Foto de homem de casaco vermelho, óculos de sol e cabelo loiro segurando bebê de rosto queimado.
Vash o maior de todos os padrinhos do deserto.

Revisitando Noman’s Land

Isso traz o marinheiro de primeira viagem e o fã das versões anteriores para o mesmo barco. Ambos não tem exatamente certeza de o que vai acontecer no próximo episódio. Me lembro na semana que saiu o terceiro episódio, como foi um choque que um dado personagem já estava aparecendo e agindo tão cedo na história.

Olhando um pouco pra ambientação da série, o estúdio Orange segue entregando o mais alto nível de CGI da indústria. É um tanto bizarro de se ver o quão acima eles estão de todos os outros estúdios nesse quesito, mesmo estúdios focados nisso, como é o caso da Polygon Pictures. O modelo dos personagens é expressivo e vivo, com destaque para o character design do Takahiro Yoshimatsu que adaptou o elenco para os anos 2020 de forma primorosa.

Mas nem só de CGI e personagens vive um anime, e tanto a fotografia quanto o trabalho de cenários de Trigun Stampede também estão impressionantes, com um trabalho bastante bom de nos transpor para aquela atmosfera árida de Noman’s Land.

Meu único destaque negativo fica para o trecho de ação do último episódio em July que envolve os personagens atravessando a cidade em alta velocidade, ali achei que os efeitos dos poderes deixaram a cena um tanto quanto confusa de se acompanhar.

Por do sol em Trigun Stampede com mulher encapuzada montada em um pássaro bípede.
A fotografia usa e abusa desses planos aberto no deserto.

A cruz que todos nós temos de carregar

Entrando um pouco agora nos personagens de Trigun Stampede, temos uma variedade considerável de personagens com algum destaque e crescimento durante esses 12 primeiros episódios. O que une todos eles é esse momento de perda e trauma que todos eles carregam como uma cruz gigante no deserto.

O anime constrói esses eventos com uma qualidade que varia de personagem para personagem. Alguns acabam funcionando melhor do que outros e, para falar dos personagens, eu vou precisar entrar em **spoilers leves por enquanto, então esteja avisado.

Um que não funciona tão bem para mim é o Nicholas D. Wolfwood. O Punicher entra para a trupe do Vash meio que por coincidência. Ele é um padre com uma cruz gigante que ele carrega pra lá e para cá. Lá pelas tantas, descobrimos que ele está fazendo jogo duplo, fingindo que ajuda o Vash, enquanto também trabalha para o grupo do Millions Knives.

Uns episódios depois, descobrimos que na verdade ele é uma criança que foi forçada a um experimento genético para se tornar imortal e isso fez seu corpo crescer. O experimento causou uma dor infernal, mas não só isso, ele ainda fez parte de um orfanato e tinha um grande amigo, que também foi levado para sofrer experimentos. A gente vê esse amigo no presente lobotomizado e forçado a caçar o Vash também, algo que o Wolfwood lutou para nunca acontecer.

O meu problema com esse personagem não é nenhuma dessas ideias individualmente, mas a culminação de tanta coisa em um único personagem que acaba soando uma forçação do roteiro para você comprar que dado personagem sofre. Se a história pegasse só um dos dramas, talvez desse para focar melhor.

E ele ser uma criança que cresceu da noite pro dia dá um efeito rebote engraçado que ele tem várias falas impostadas tentando ser a voz da razão que ficam ridículas quando você tem essa informação. Mas a cena não é enquadrada, de forma a parecer ridículo.

Homem carrega cruz no deserto a luz do luar em Trigun Stampede
Sutileza não é exatamente a arma favorita desse anime.

O ciclo de destruição de Trigun Stampede

Agora, quando lançamos o olhar sobre os gêmeos, a coisa muda e bastante de figura. Mas para falar disso, vou precisar entrar em spoilers grandes dessa primeira temporada, fica o aviso.

As estrelas de Trigun Stampede são, com toda certeza, os irmãos Vash e Knives. Vash e Knives são duas plantas independentes.

Dois passos atrás, nesse universo existem seres que canalizam energia de um plano superior, esses seres são conhecidos como Plantas. As plantas são utilizadas como usinas pela humanidade e são essenciais para o processo de terra-formação. Acontece que as plantas não possuem controle sobre esse acesso e acabam se sobrecarregando, isso é, com exceção de Vash e Knives.

Vash e Knives foram desenvolvidos em algum momento para o projeto de colonização da humanidade. A Terra foi destruída pela ganância humana e naves colonizadoras se lançaram ao cosmos em busca de um novo lar. Coisas acontecem e um pouso forçado é feito em Nomad’s Land, um planeta bem longe do ideal para a nossa sobrevivência.

O fato é que Knives foi o responsável pela queda das naves. O garoto independente viu na humanidade um ciclo sem fim de destruição e guerra por recursos, onde os diferentes sempre serão vistos com medo. Ele então assumiu para si o objetivo de criar um paraíso para as plantas.

Após isso, 150 anos se passaram desde o pouso, e a humanidade segue em sua guerra pelos recursos, usando e abusando das poucas plantas que sobreviveram, extraindo até a última gota de sua energia. Boa parte do conhecimento sobre a manutenção das mesmas se perdeu e a população está minguando no planeta.

Queda de várias naves e fim do projeto Seeds emm Trigun Stampede
A queda das naves em Nomad’s Land e o fim do Projeto Seeds.

Um anjo da destruição, outro anjo da salvação

Neste cenário, temos aquele que se nega a deixar com que o deserto seque sua bondade, Vash Stampede.

Sua jornada é uma de solidão e dor, com pouco espaço para um abraço verdadeiro. Ele é uma planta independente, o que faz com que ele viva muito mais do que qualquer humano. Ele também se culpa pela queda das naves, uma vez que foi ele que forneceu a senha de acesso para o irmão.

Vash é visto pelos outros mais como uma figura messiânica do que para uma pessoa. Para alguns, ele é aquele que entrega tudo para que ninguém tenha que se ferir, não importa o preço. Já para outros, ele é o Tufão Humanoide, a pessoa que passa e traz o caos ao seu encalço. Qualquer que seja o caso, não a espaço para uma relação de camaradagem.

Sua filosofia é a de alguém que busca a autopunição a todo o custo, se alguém tem que se ferir, que seja ele, se alguém tem que perder algo, que seja ele. Ao final da temporada, vemos o pouco que ele tinha se esfacelar, suas amizades se vão, seu irmão nunca vai entendê-lo, nem suas memórias restam após a explosão de July. Vash caminha sozinho pelo deserto do pacifismo em um mundo brutalizado.

Dois gêmeos loiros sendo filmados comemorando aniversário.
Vash e Nai curtindo a vida antes que tudo descarrilasse horrivelmente.

Em conclusão, Trigun Stampede…

Foi uma jornada bem reflexiva que eu me peguei enquanto assistia Trigun Stampede. A jornada de perceber, bem lá no fundo, que uma parte de mim concorda com a visão pessimista do Knives de que a humanidade está fadada a perpetuar os mesmos ciclos de destruição e exploração do outro.

Mas,ao mesmo tempo, uma outra parte de mim via que as coisas podem sim ser diferentes, que não são todas as maçãs dessa cesta que estão podres, e que vale a pena seguir tentando fazer a humanidade dar certo, mesmo que para isso as vezes tenhamos que fugir de uma turba enfurecida.

Se por um lado, concordo que “uma coleira é uma coleira, não importa quão confortável seja”, por outro não deixo de achar trágico como tudo que o Nai fez foi, no fundo, para dar alguma paz e conforto para a pessoa que ele mais ama, talvez a única pessoa que ele um dia amou, seu irmão Vash e como é trágico que por fazer tudo isso foi que ele perdeu essa pessoa.

Trigun Stampede tem seus escorregões e desvios, mas certamente é uma das séries mais interessantes deste ano e com certeza vale a pena você dar uma chance, ainda que ela vá deixar muito mais para que o espectador pense do que dar respostas definitivas.

E você, o que achou? Está aguardando pela segunda temporada? Conta pra gente nos comentários e diga qual outro anime desse ano tem que receber uma review aqui.

Vash Estouro da Boiada em campo de Rosas numa redoma de vidro.

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