Tokyo Killers é um laboratório de experimentos fracassados

Tokyo Killers, homem de verde esfaqueando homem de cinza armado

Hotel Harbour-View: Tokyo Killers é um mangá de 6 capítulos lançado em 1985. O mangá é um trabalho de Jiro Tanigushi (Bairro Distante, O Homem que Passeia) e se trata de uma antologia noire. Cada história tem seu próprio protagonista, com algumas delas ectadas através de uma misteriosa assassina de aluguel. No Brasil, o mangá foi lançado em 2022 pela Pipoca e Nanquim.

Minha relação com o Jiro Tanigushi não é das mais estreitas. Li alguns dos trabalhos do autor, mas estou longe de me considerar um conhecedor de sua carreira. E mesmo dentre as obras que eu li, me parece muito que a qualidade flutua muito. Temos os excelentes Sampo Mono e O Homem que Passeia, o mediano Livro do Vento e o péssimo Crônicas da Era do Gelo. Tendo isso em mente, é com certo pesar que digo que Tokyo Killers se encontra entre os dois últimos mangás citados.

Tokyo Killers, o homem de boina dando tiro em homem de terno
O poder da descompressão ao extremo.

Visualmente soberbo

Uma coisa que, não importa o que, eu não posso tirar de Tokyo Killers, é sua qualidade visual. Enquanto quadrinho, esse está entre um dos trabalhos mais interessantes do autor. O Jiro Tanigushi tem aqui uma série de experimentações, algumas fortuitas, outras nem tanto.

Por exemplo, a primeira história, A Cidade da Fortuna, é contada inteiramente por meio de recordatorios no canto da página. A narração em si é feita de forma bem próxima dos pulps policiais, com todas as cafonices características. Acontece que esse acaba por ser um dos exemplos de experimentação fracassadas do mangá, uma vez que deixa a leitura extremamente truncada.

Já nos momentos mais eficientes, Tokyo Killers aplica níveis absurdos de descompressão, com tiros que duram várias e várias páginas para atingir seus alvos. Ou em outras cenas que o autor consome páginas e mais páginas para passar com precisão o nível de tensão de uma encarada entre dois personagens. Essas experimentações são imprescindíveis para que o Tanigushi venha, anos mais tarde, a se tornar um pilar dos quadrinhos de cotidiano.

Fora das experimentações o mangá também vai muito bem no trabalho de troca de olhares e expressões faciais. Especialmente por se tratar de uma coletânea de contos, muito precisa ficar no sugerido e, pelo menos visualmente, o Tanigushi faz o que pode para dar estofo a esses personagens.

Vários quadros coloridos de homem calvo sendo perseguido
A narrativa truncada do primeiro capítulo.

Uma coleção de personagens iguais

Infelizmente só o visual não é o suficiente. Tokyo Killers sofre de uma coleção de personagens iguais. Todos eles são homens de meia idade passando por algum dilema clichê do gênero. Um deles teve uma filha assassinada. Outro está sendo caçado pela sua velha parceira por ter voltado a Paris. As duas histórias com um pouco mais de originalidade são Hotel Harbor-View e Tokyo Killers, ironicamente ambas dão o nome da coletânea.

Agora o mais inacreditável de todas é a primeira história. A Cidade da Fortuna, além de ter a narração truncada, é um conto sem final. Pior do que isso, é um conto de mistério em que todas as respostas ficaram de fora. O resultado disso é terminar as primeiras 40 páginas de Tokyo Killers com uma má vontade ímpar. Por que são quarenta páginas que demoram para avançar na leitura, e que não contam efetivamente história nenhuma. É uma péssima primeira impressão para uma coletânea que já não é tão boa por si só.

Já a quarta história, Amor Fugaz, sofre de outro problema. É nela que a Mariko, assassina que aparece em vários dos contos, tem seu maior destaque. Ela está caçando o seu antigo amor, que voltou a Paris e estava jurado de morte. Acontece que o roteiro não consegue desenvolver pra além do que se espera desse tipo de história. A própria personagem não tem muito além dessa missão, e o alvo nunca é explorado enquanto personagem.

Homem se lembra de mulher enquanto ela o mata
Faltou personagem para que essa cena tivesse qualquer impacto.

Um problema de tempo

Já a terceira e quinta história sofrem de um outro problema. Ambas são histórias que não tem espaço para respirar e cumprir com seu potencial no número de páginas que dispõe.

O Restaurante da Rua Los Niños Perdidos conta a história de um barman japonês que vai até a Venezuela em busca de vingança pela morte de sua filha. Acontece que a história não dá sequer uma mísera página para a relação dos dois. Nós temos um dialogo rápido dando a entender que eles não tinham uma boa relação e que ela era problemática. Mas nunca vemos nada da personagem, ela já começa como um cadáver estirado no IML.

Inclusive isso é um problema recorrente no volume todo. As personagens femininas são bem mal tratadas pelos roteiros. Quando não servem de objeto sexual, servem de motivação ou angústia para o protagonista. Mesmo o capítulo protagonizado por uma mulher gira em torno do Amor Fugaz que ela nunca esqueceu.

Já a quinta e última história é Tokyo Killers. Nela, um estudante francês precisa fugir para o Japão e acaba tendo a Yakuza como objeto de estudos. Um dia, o yakuza que ele está estudando pede para que o protagonista testemunhe um assassinato, e a história acaba no momento do assassinato. Eu não consigo por em palavras o quão bizarro foi quando eu, que estava lendo no Kindle, li a cena do assassinato, pensei “e o que vai rolar agora?” e a história só acabou ali mesmo.

Tokyo Killers, homem esfaqueia o outro com katana
A frustração completa de um final sem fim.

A Melhor História de Tokyo Killers

Felizmente para o Jiro Tanigushi, essa coletânea não é composta exclusivamente de falhas. “Hotel Harbour-View Encontro Marcado em…” é a segunda e melhor história de Tokyo Killers.

Nela, acompanhamos a história de um fugitivo da yakuza, que se escondeu em Hong Kong, enquanto espera a morte vir buscá-lo. O personagem vive um crepúsculo eterno, contando os dias enquanto lembra de uma juventude que já passou. Passa os dias no Hotel Harbour-View, que como ele, já passou do seu auge faz tempo.

Acontece que toda essa história de yakuza é um roteiro que ele mesmo inventou. O protagonista na realidade era um assalariado normal que descobriu estar com câncer e pagou uma assassina pela morte que ele desejava.

Esse final faz traz uma auto ciência do quão bobo e defasado o gênero noire se encontrava já em 1985. É uma fantasia masculina de escape da realidade chata do cotidiano. Femmes fatales, duelos de honra e vingança com as próprias mãos com uma narração cafona e floreada. Ao mesmo tempo, por ser uma fantasia de morte, permite que se amontoe clichês do gênero, coisa que não pode ser dita dos outros contos.

Homem tomando tiro em câmera lenta
O tiro de realidade em meio a fantasia.

Tokyo Killers, o Laboratório de Tanigushi

Enquanto entretenimento, Tokyo Killers é um mangá muito fraco. Histórias em sua maioria insoças e clichês com protagonistas descartáveis. É um quadrinho que vale se ter apenas caso você se interesse muito pela mídia e queira ver experimentações, ou caso você seja muito fã do Tanigushi e queira ver a trajetória do autor.

Ao menos Tokyo Killers não é um desastre completo como o Crônicas da Era do Gelo, também trazido ao Brasil pela Pipoca e Nanquim.

Tokyo Killers, yakuza saindo de um beco escuro

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