Suicide Club: Abandono e Burburinho – Review

Suicide Club ou Jisatsu Circle é um mangá de 1 volume escrito e ilustrado por Usamaru Furuya. O mangá foi originalmente publicado na Manga Erotics F em 2002. No Brasil, o quadrinho foi originalmente lançado pela Newpop em 2017, e recebeu uma reimpressão no ano de 2021 que é a edição desta review.

Sinopse: Esta é a macabra história do suicídio coletivo de 54 garotas, todas estudantes. Elas se atiram na frente do metrô, causando enorme comoção pública. Uma série de outras mortes de grupos espalhados por todo o país deixa a equipe do detetive Kuroda em pânico. Eles correm contra o tempo e as pistas mais atrapalham do que ajudam. Neste suspense de alto teor psicológico nada é tão simples como parece. (fonte: Newpop)

Antes de começarmos, bom frisar que Suicide Club apresenta gore, suicídio, automutilação, nudez e prostituição, fica o aviso para quem for se aventurar a ler depois dessa review.

Suicide Club é um mangá interessante. Quem for ler pela edição da Newpop verá que nela o Furuya fala que foi pessoalmente selecionado para fazer a adaptação em quadrinhos. Isso aconteceu por intermédio do diretor do filme, Sion Sono, que deu a ele liberdade para mudar o roteiro conforme quisesse. Essa liberdade foi o que fez com que o Furuya aceitasse fazer a adaptação, mesmo com o prazo apertado de um mês.

Rara cena do quadrinho mais subjetiva

Estou destacando esse aspecto de criação, porque ele é relevante para o tipo de história que Suicide Club acabou sendo. O mangá é bastante ligeiro e focado, por vezes até um pouco abrupto, e isso se deu, provavelmente, devido ao prazo apertado. Também é bastante notável que, de maneira geral, é um mangá visualmente muito direto. O Furuya é um autor bastante conhecido pelas experimentações visuais, das mais malucas em Plastic Girl até as mais contidas em Genkaku Picasso, mas aqui em Suicide Club, via de regra vemos exatamente o que está acontecendo.

E mesmo o estilo de finalização dele parece meio desconjuntado. A personagem da Saya, por exemplo, parece vir de uma história diferente do restante. Primeiramente achei que isso poderia ser proposital, para enfatizar o carisma da mesma, mas circunstâncias do roteiro mostram que não. Não que visualmente o mangá chegue a ser ruim, nem nada do tipo, mas passa longe dos trabalhos mais refinados ou inventivos do autor.

Gore de qualidade

No entanto, Suicide Club ainda consegue entregar muito bem nas imagens perturbadoras. Seja com as cenas de gore dos suicídios, seja em cenas mundanas de fotografias. Ele também acaba sendo um mangá muito difícil de largar no meio da leitura, por seu começo explosivo e perturbador. Dito isso, as intersecções sobrenaturais da história parecem pouco inspiradas e um tanto clichês demais para o meu gosto.

Entrando um pouco no roteiro, ele tem seus altos e baixos, mesmo nessa história curta. Uma primeira coisa muito interessante nele, é o seu formato de lenda urbana, ao mesmo tempo que parece um grande relatório de investigação de polícia. É uma mistura interessante que agrega bem ao clima da história.

Especialmente a parte da lenda urbana funciona bem, pois um componente muito forte de Suicide Club é a fofoca. Aquele tipo de coisa de colégio de “você não acredita que fulana fez”, o aspecto da fofoca é, ao mesmo tempo, a queda inicial da Saya, e depois a sua ascensão a figura divina. E os rumores vão se espalhando, inundam a internet e tornam a personagem em uma figura quase que messiânica. Mas quem é Saya?

Saya é uma garota que estava no Suicide Club anteriormente. Ela fez parte do suicídio coletivo, mas milagrosamente sobreviveu sem um único arranhão, mesmo pulando na frente do trem. Mas Saya também é a melhor amiga da nossa perspectiva dessa história, Kyoko. Saya também se prostitui, se mutila e rapidamente se torna a nova líder de um segundo Suicide Club. Então, o mangá é uma breve investigação da Kyoko, enquanto ela tenta entender, e por muitas vezes impedir, a Saya.

A cena do clichê do metrô

De maneira geral, essa investigação varia bastante de qualidade. Quando focamos nos rumores, na insinuação se aquilo é real ou não, e nos próprios traumas da Saya, o roteiro consegue entregar bem. Mas quando caímos na questão do sobrenatural, parece um grande lugar comum de possessão e maldição que já vimos em vários lugares. Em especial tem uma cena muito barata no metrô envolvendo a Kyoko sobre o assunto que é até meio patética de tão fraca e mal colocada.

Também senti que faltou um trabalho melhor no personagem da própria Kyoko. A história chega a ensaiar que vai trabalhar um flashback para a mesma, mas no geral acaba tudo muito vago e sem graça. O que nós temos é um trauma que ela carrega por não ter ajudado a amiga no passado, e com esse trauma vem um senso de dever. A história até tenta dar uma virada no final, mas é pouco demais para conseguir dar um peso emocional pra coisa toda. Também acho bastante abrupta o corte que a história tem para a resolução. Talvez fosse necessário 1 ou dois capítulos a mais para a espiral de loucura ficar mais orgânica como um todo, do jeito que foi, a perna final ficou um pouco corrida.

Dito tudo isso, uma questão que pra mim é muito interessante em Suicide Club são os aspectos que estão se passando com a Saya e o que é o Suicide Club, mas para isso preciso entrar em spoilers então fica já o aviso aqui. Se tiver se interessado, eu pessoalmente recomendo a leitura, e a edição da Newpop está bem bacana, tanto na qualidade gráfica quanto na tradução.

Um retrato de abandono

A Saya é mais interessante como retrato do que como indivíduo. Exatamente por isso que vemos a história na perspectiva dos outros personagens. A Saya, ou Mitsuko como passa a ser chamada, é um retrato das adolescentes que acabam abandonadas. Aquelas que não se adequam veem nela a sua salvadora, e por isso o ciclo do suicídio é infinito. Não existe uma rede de segurança para essas pessoas, e o carisma de alguém que está numa situação similar acaba sendo um ponto de esperança, que faz com que elas caiam em cultos estranhos, que chamam a atenção, criando a próxima líder carismática e o ciclo se repete.

O quadrinho é muito incisivo em apontar que a Saya é apenas mais uma vítima do fantasma da Mitsuko. Que ela buscou ajuda em inúmeros lugares, mas a amiga, seu último porto seguro, não tinha espaço para ela no momento. Com isso sobrou um culto, onde ela encontrou um lar, um lugar para pertencer, e daí pra frente não existia mais volta. Porque, espirito ou não, essa é a parte mais trágica sobre cultos, uma vez dentro, não tem como quem quer que seja te tirar de lá. A lavagem cerebral e o reflexo de manada é parte do que faz um culto ser um culto, e garotas que poderiam ser jovens saudáveis até ontem, agora praticam as maiores atrocidades em prol de um líder.

Mas voltando ao Suicide Club, uma passagem que pra mim é muito emblemática é quando a Saya fala sobre os professores. A perspectiva dela, uma garota que se prostitui, vê nos professores nada mais que os seres repugnantes que contratam os serviços dela. A ausência dos pais em total na história mostra que em casa ela não tinha muito para onde correr também. Então sem essas duas bases do mundo adulto, a Saya dependia demais de sua única amiga, Kyoko. Quando esta acaba tendo outras questões para dividir o tempo e negligencia ela, sobra a Saya apenas o abismo. Acho interessante também apontar que temos um professor, pelo menos levemente mais ético, durante a história. Mas mesmo ele em momento nenhum tenta realmente parar o que está em curso. Ele observa, ele se fascina, mas impedir a garota de quatorze anos de se prostituir não passa na cabeça dele. E esse é o retrato da desgraça, os que não estão ativamente fazendo uso dos serviços da Saya, são no mínimo omissos a questão toda. E para a garota, sobra apenas o Clube do Suicídio.

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