O Cheiro da Podridão de Gyo – Review

Gyo é um mangá de 2 volumes lançado em 2001. O mangá foi escrito e ilustrado pelo Junji Ito (Tomie, Fragmentos do Horror) e foi publicado na Big Comic Spirits (Takemitsu Zamurai, Boa Noite Punpun). O mangá recebeu uma adaptação pra OVA em 2012, mas nada digno de nota. Gyo será publicado no Brasil pela Devir em uma edição que compila os dois volumes originais.

Sinopse: Tadashi e Kaori vão passar férias em Okinawa, uma ilha ao sul do Japão. Depois de um mergulho no mar, eles começam a sentir um cheiro estranho. O forte cheiro de morte vai aos poucos tomando conta da ilha e antes que o casal possa identificar sua origem eles avistam um peixe em terra firme… um peixe apodrecido com pernas mecânicas. Segure a respiração até que tudo seja revelado. (fonte: Devir)

Essa não é a primeira vez que eu leio Gyo. Muitos anos atrás eu li o mangá quando estava entrando em contato com o trabalho do Junji Ito. Daquela vez, sai com uma impressão bem amena da obra, mas dessa vez foi um pouquinho diferente.

O sentimento de um trabalho sem sal vem principalmente de dois aspectos: o elenco e a temática. Abrindo com os personagens, Gyo tem um elenco bastante contido. Temos o Tadashi, nosso grande protagonista, a Kaori, namorada e ferramenta de roteiro. Além disso temos o tio cientista de Tadashi e sua assistente.

O elenco reduzido poderia ser uma força de Gyo. Com menos personagens seria mais fácil que o mangá de dois volumes conseguisse trabalhar bem com eles, mas não é isso que acontece. A Kaori, por exemplo, é muito mais um plot device que uma personagem per se. No começo da história ela tem um nariz muito sensível, que funciona para percebermos onde estão os peixes com pernas. Após isso, não são adicionadas mais características a personagem, ela passa de um radar rapidamente para o objetivo do protagonista, e nunca chegamos a aprender mais nada sobre a mesma.

Já no caso do Tadashi, ele acaba por ser um personagem muito apático. É movido pelo desejo de ajudar a namorada e nada mais. Isso funcionaria melhor se o resto do elenco contrabalanceasse a passividade do nosso protagonista, mas com tão poucos personagens fica bastante difícil.

A outra questão que tinha me incomodado demais na primeira leitura é, justamente a temática dos peixes. Gyo abre mão muito rápido dessa questão para transformar a ameaça em uma segunda coisa, que seria spoiler dizer qual é por agora. Mas isso fez com que eu, que queria ver um terror sobre peixes com pernas, acabasse totalmente decepcionado com o que eu recebi.

Só que, como eu disse, as coisas mudaram numa segunda leitura. Uma das coisas que eu mais apreciei nessa segunda leitura é o trabalho preciso de quadrinização do Junji Ito. Gyo é um quadrinho bastante frenético, sempre tem alguma coisa acontecendo, e essa coisa puxa a próxima, que puxa a próxima, e quando tu se dá conta, já terminou a história toda.

Essa característica da história, de te fazer imergir no absurdo, tem seus prós e contras. O primeiro pró é que você vai sendo engolido pela história e vendo cada vez situações mais bizarras e inventivas, sem espaço de respiro. O contra é que, por vezes, acaba faltando um desenvolvimento intermediário maior. A queda da civilização dentro da história acontece tão rápido que dá pouco tempo para o leitor sentir o peso dos acontecimentos.

Acabamos então, como o próprio Tadashi, saltando de acontecimento em acontecimento sem tempo de absorver ou questionar as coisas ao seu redor, e nesse sentido o personagem funciona bem, ainda que internamente seja bastante fraco.

Uma das minhas passagens favoritas no mangá é justamente num dos desvios do Tadashi. Em um ponto da história, enquanto busca pela Kaori, o Tadashi se encontra com um circo. Todo esse momento é um exercício de desconforto e bizarrice maravilhoso, ainda que sirva muito pouco para a história como um todo.

E a outra coisa que eu gosto bastante nesse mangá é sobre o que ele está tratando, mas para isso preciso entrar em spoilers.

Gyo não é sobre peixes que aterrorizam a superfície. Isso é algo que fica claro bem rápido na leitura. Acontece que o meu eu do passado não chegou a entender sobre o que a história realmente era no final das contas. E o meu eu do presente, ao menos acha, que entendeu.

Se Uzumaki é sobre o terror das espirais, então Gyo é sobre o terror do cheiro. O cheiro de morte, de guerra, de podridão. Uma coisa que ficou martelando demais na minha cabeça enquanto eu lia esse mangá, é o quanto ele é uma quase que releitura em mangá do Godzilla.

Explico: os monstros que vem do mar são armas desenvolvidas no tempo da segunda guerra que foram afundados pelos americanos. Todo o passado belicista e expansionista do império japonês, que foi esquecido com o fim da Segunda Guerra, ainda estava lá, repousando e apodrecendo debaixo do tapete.

Mas os esqueletos no armário sempre vão tentar retornar para a superfície. E o passado mal resolvido e propositalmente esquecido daquela sociedade, se prova como sua ruína. No nível mais alto do caos da história, quando as máquinas deixaram de usar os peixes e passaram a usar os humanos, temos um capítulo que chama “Os Herdeiros”. Já em outro, durante a passagem do circo, descobrimos que o gás que move as máquinas nada mais é que as almas daqueles que foram mortos, apodrecidos e ressentidos, reduzidos a nada mais que seus instintos mais mesquinhos.

Gyo é um mangá de terror bastante inventivo, com uma narrativa habilidosa, que te faz querer virar as páginas e saber onde essa história vai. Se por um lado ele peca com um elenco esquecível, por outro trabalha sua temática muito bem e traz questões que são ainda mais relevantes hoje do que no ano em que foi lançado. Certamente vale a leitura.

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E aí, leu Gyo? Gostou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, qual o próximo mangá que deve aparecer por aqui.

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