Kakushigoto: Paranoia e Autodepreciação – Review

Kakushigoto é um anime de 12 episódios lançado na Temporada de Primavera de 2020. Com direção de Murano Yuuta (How Not to Summon a Demon Lord, Bokura no Nanokakan Sensou) e series composition de Aoshima Takashi (Himouto! Umaru-chan, Didn`t I Say to Make My Abilities Average in the Next Life?!). A série é uma adaptação do mangá de mesmo nome, escrito e ilustrado por Kumeta Kouji (Sayonara Zetsubou-sensei, Nankuru Neesan). A animação ficou por conta do estúdio Ajia-dou (Izetta: The Last Witch, Ascendance of a Bookworm).

Sinopse: Goto Kakushi é um artista de mangá de piadas de duplo sentido, ao mesmo tempo que um pai solo. Essa é a história sobre como ele consegue (ou tenta) equilibrar essas duas coisas, sem deixar que sua filha, Goto Hime, saiba do seu trabalho vergonhoso…

Tardo, mas não falho, finalmente terminei de ver todas as estreias temporada de primavera, e que grata surpresa me foi Kakushigoto. Se eu precisasse definir Kakushigoto em uma palavra, com certeza seria wholesome. O tipo de série para se ver entre duas mais pesadas, ou no final do expediente, ou em qualquer dia de 2020.

Falando um pouco de aspectos mais gerais, a série tem bastante personalidade, tanto nos character designs quanto nos ambientes. Tudo é sempre muito único e bem cuidado, ainda que o nível de produção em si seja bem medíocre.

Um cuidado especial é dado nos backgrounds, que trazem uma forte sensação de realmente existirem e serem lugares vividos. O que é bastante importante, levando em conta que a série precisa te vender o trabalho absurdo e, por vezes, ridículo pelo qual o Goto tem que passar todos os dias.

A série é bastante enérgica e está sempre saltando de piadinha em piadinha sem nunca deixar a peteca cair. Isso acontece por dois motivos, o primeiro é o texto em si, que é bastante bem escrito e afiado. A outra é a variação de situações e o elenco de apoio diverso.

Falando da primeira parte, é bastante interessante de se assistir Kakushigoto na perspectiva de um comentário do mercado. Principalmente porque a série não faz muita questão de fazer uma média e acaba sendo bastante ácida aqui e ali. Esse aspecto ainda serve muito bem pra contrastar com a doçura dos momentos com a Hime.

Já falando do elenco de apoio, eles são todos bem únicos e bem apresentados. Mesmo que a série não vá realmente trabalhar nenhum deles, os personagens de apoio servem muito bem para compor aqueles ambientes e trazer um contraste com o protagonista. No final das contas, todos eles estão ali como escada para o Goto-sensei.

E que personagem maravilhoso! Goto Kakushi é o personagem dessa série, assim ele é a fundação que faz a mesma funcionar. Altamente paranoico e com síndrome de impostor nas alturas, é simplesmente incrível ver ele enlouquecer completamente com a mais trivial das coisas. Tipo no episódio em que ele precisava ajudar a Hime a desenhar, mas não poderia ser bom demais para ela não desconfiar que ele era mangaká, ao mesmo tempo que não podia ser ruim, se não ele não conseguiria impressionar a filha.

Toda essa personalidade dramática e shakespeariana é o cerne de todos os conflitos da história. É mágico ver como toda desgraça que cai sobre o Goto é basicamente causada por ele mesmo em seus acessos de loucura e/ou paranoia. Isso sem contar o tanto de vezes que ele esconde informações “para proteger os outros” de algo que nem é tão sério assim.

E a maior dessas proteções desnecessárias é justamente a que ele tem para com a sua filha, Hime. Todo o drama dela não poder descobrir que ele faz mangá de duplo sentido é, propositalmente, muito bobo.

Quero dizer, tanto faz o que seu pai faz para ganhar dinheiro. Mas o Goto está tão complexado em achar que o trabalho de mangaká é um trabalho menor, que ele nunca vai acreditar que sua filha não compartilha do sentimento. E isso se amarra nos comentários ácidos que ele tem acerca da profissão, alguns podem até ser válidos, mas na maior parte é só o personagem olhando o próprio trabalho com desdém.

O que provavelmente vem do fato do sogro ser um renomado artista plástico, enquanto ele é “apenas um artista de piadas de duplo sentido”. E isso ainda dá um último nó quando descobrimos que ele próprio vem de uma linhagem do teatro kabuki. Ou seja, é um personagem que cresceu no meio de artes ditas consagradas, fazendo um trabalho menor, ainda mais com humor de sacanagem.

Um grande exemplo desses momentos de julgar com maus olhos o próprio trabalho acontece no fatidíco episódio dos autógrafos. Nele, o Goto acha mais plausível que a editora tenha contratado uma série de atores para ficarem na fila, do que simplesmente existir algum fã do mangá que ele escreve.

Inclusive fica o comentário aleatório aqui que o pseudo-harém acidental que se forma ao redor do Goto é só maravilhoso demais. Ainda mais com ele verdadeiramente alheio a tudo aquilo, preocupado demais em criar a própria filha.

Mas em paralelo a essas cenas, nós vemos durante a série toda cenas de um presente. Nele, a Hime, já com seus dezoito anos, finalmente toma conhecimento do segredo guardado a sete chaves.

A série passa boa parte de sua temporada construindo um mistério ao redor disso. Fica muito claro que algo de bastante errado aconteceu entre os dois tempos, seja pelas expressões da Hime, seja pela fotografia com cores mais estouradas, que causam um sentimento de desconforto no espectador. E pra falar disso vou entrar em spoilers!! Então fique avisado desde já.

Basicamente o que aconteceu foi que um acidente deixou o Goto em coma por cerca de um ano. Mas mesmo antes disso, o autor já tinha deixado de publicar mangás. Isso se deu quando vazou em um tabloide o drama familiar do mesmo.

Tem bastante coisa que eu gosto nesse final, principalmente no campo das ideias. Ele acabar quase que literalmente sendo soterrado pelo seu segredo? Gosto. Agora ser a vez da Hime e dos assistentes esconderem dele a verdade para protegê-lo? Gosto. A implicação de que ele foi absolutamente precipitado, novamente fazendo tempestade em copo d’água quanto ao fim da carreira? Gosto.

Mas tudo acontece rápido demais, corrido demais, e ao mesmo tempo demais, para funcionar. Talvez se a série tomasse um desses caminhos apenas e focasse nele para um episódio final mais dramático, acabasse entregando algo mais poderoso.

O que não quer dizer que ele não funcione em nada, principalmente porque a série construiu de forma magistral o quanto a relação entre o Goto e a Hime significa um para o outro. O quanto um é o pilar de sustentação emocional do outro. Então mesmo que o final vacile bastante, só de não negar o que tivemos até ali, já seria uma conclusão emocional e poderosa.

A verdade é que Kakushigoto nem ao menos precisava de um clímax final cheio de drama e correria contra o tempo. Literalmente tem uma cena da Hime ligando para as amigas enquanto elas correm no metrô para pegar na casa antiga manuscritos do antigo mangá do pai dela.

Mesmo assim, com todo esse imbróglio, é catártico quando ele fala que o que o deixa mais feliz no mundo, não é o trabalho, mas a oportunidade de ver a filha crescer e amadurecer.

Kakushigoto é uma daquelas séries que merece mais do que tem. É uma história bonita e humana, sobre pessoas um pouco amalucadas demais e suas relações mundanas. Se a sinopse te fez torcer o nariz, seja por ser um slice of life, seja por não confiar numa história sobre um quadrinista de piadas de duplo sentido, espero ter te convencido a dar uma chance, porque com certeza, Kakushigoto é uma das melhores séries de 2020.

E você, assistiu Kakushigoto? Gostou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, qual a próxima série que deve aparecer por aqui.

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