Japão Submerso 2020 é uma Estrada Tortuosa – Review

Japão Submerso 2020, ou Japan Sinks 2020 é um anime de 10 episódios lançado na temporada de verão de 2020. A série é uma adaptação do romance de mesmo nome, escrito por Sakyo Komatsu. A série teve direção de Masaaki Yuasa (Eizouken!!, Devilman Crybaby) e Ho Pyeon-Gang (estreante) e series composition de Toshio Yoshikata (estreante). A animação ficou por conta da Science SARU (Ride Your Wave, Night is Short Walk on Girl). Japão Submerso está disponível no Brasil através da Netflix.

Sinopse: Uma família luta para sobreviver a terremotos catastróficos que estão afundando o Japão. (fonte: Netflix)

Japão Submerso me foi uma jornada. Tortuosa, por vezes enfadonha, por vezes estranha e por vezes recompensadora. Chego em sua reta final com sentimentos mistos, não é uma série fácil de colocar numa caixinha de “bom” ou “ruim”, Japão Submerso está em algum lugar no meio desses polos, mas vamos por partes.

Antes de mais nada, acho importante destacar uma coisa, Japão Submerso parece uma série apressada. E eu digo isso em todos os aspectos, do roteiro à animação, parece que faltou um tempo a mais para polir ideias, focar mais em cenas aqui e ali.

Em especial na animação, muitas das cenas visivelmente estão com faltas de in-between, com movimentos por vezes bruscos demais e que soam estranhos, sem um proposito para a estranheza. Os personagens estão constantemente mudando formatos do rosto, ao ponto em que é difícil de fixar na memória qual deveria ser o “padrão” de cada um deles. O problema varia de personagem para personagem, e fica mais forte na matriarca da família Mutoh, por exemplo.

Quanto ao roteiro, falando dessa forma mais aérea e geral, tem dificuldade de se justificar como uma série. Três dos seus dez episódios são gastos em um sub-arco que mais parece um filler gigantesco. O arco em questão, além de muito mal encaixado no resto da série, ainda dilui o senso de urgência que a série parecia almejar ter. Então, do mesmo jeito que ele começa, ele acaba, e a série retorna ao roteiro de verdade.

Já a direção é bastante inconstante. Dá pra dizer que a série foi encontrando o próprio tom conforme os episódios foram passando. No início é bastante perdido, inclusive com dificuldade de encaixar as situações na trilha sonora proposta, tem uma cena envolvendo um porco do mato que é emblemática de tão dissonante, até no final, ali pelo sétimo episódio, tudo já estar fluindo melhor.

Estou passando esse panorama geral, pois acredito que Japão Submerso seja uma daquelas séries em que o melhor a se fazer é assistida com o mínimo de informação possível, então não quero estragar as surpresas que a história guarda (e, por vezes, se ancora) nem nada do tipo. Por isso, fica aqui o aviso que, daqui pra frente, entramos em uma zona de spoilers!!!

Como eu disse no início, Japão Submerso foi uma jornada, e como toda boa jornada, ela começa do começo. O primeiro episódio desse anime talvez seja um dos melhores dele. Em poucos minutos ele consegue apresentar bem como cada personagem se relaciona com a vida pacata e cotidiana, então tudo vai pra desgraça.

Eu cheguei a cogitar, enquanto assistia, que Japão Submerso fosse ser uma série episódica, em cada um deles veríamos um personagem ou grupo lidando com o mega-terremoto, justamente por essa agilidade em apresentar o elenco. Acabou que eu estava enganado, e a história se mostrou continua, e é nessa passagem do primeiro para o segundo episódio que começam meus poréns.

A começar pela personagem principal, Ayumu, uma atleta cotada para as Olimpíadas. Um dos ganchos emocionais do primeiro episódio é justamente a Ayumu se dando conta que deixou os outros para trás e foi egoísta, focando apenas na própria sobrevivência. No segundo episódio, seu pai morre detonando uma mina terrestre, no terceiro, a sua rival amorosa morre ao respirar gás venenoso.

Essa longa sequência de mortes, algumas por omissão dela, outras por acidentes tangenciais a escolhas da personagem, vão se amontoando, amontoando, e nunca dão em lugar nenhum. Digo, nós até temos um pequeno momentinho entre ela e a mãe cortando o cabelo no episódio 5, mas não é sequer próximo do desejável.

E isso meio que espalha para diversas partes de Japão Submerso, a série nunca parece estar disposta para debater realmente os assuntos ou criar atritos no grupo. Na já citada rival, no momento em que a garota começa a demonstrar afeição pelo Haruo, como uma mão divina do roteiro cria um vazamento de gás e faz questão de remover a personagem de cena. O pai, cujo personagem gira em torno de ser precavido e preparado, morre explodido no segundo episódio da série e isso acarreta em quase nenhum empecilho pro resto da jornada dos personagens.

E isso porque a Ayumu é um dos personagens melhor estabelecidos da série. O Kite, por exemplo, que é o personagem mais ativo do elenco, literalmente cai de paraquedas na frente dos personagens, como uma espécie de substituto para a perda do pai. Se antes tinhamos ao pai para resolver todos os problemas, agora temos o youtuber viciado em esportes radicais. Ao menos ele tem lampejos de coisas interessantes quando as coisas saem de controle e ele quebra (mesmo que seja meio estranho justamente ele, o personagem de fora do grupo, a quebrar com uma morte de um integrante do grupo).

Mesmo o já citado Haruo é muito mal apresentado pelo roteiro. Ele é o senpai da Ayumu, ex-atleta e músico nas horas vagas, que acabou ficando introvertido e perdeu a mãe, poucas horas de nos encontrarmos com ele. É um dos personagens que mais tem tempo de tela, ao mesmo tempo que pouco é realmente feito com o personagem.

Isso se dá porque Japão Submerso gasta muito tempo mostrando os personagens se locomovendo. E na maior parte dessas cenas temos alguma música ao fundo e um ou outro diálogo ocasionais. No episódio 3, por exemplo, acaba acontecendo um conflito entre a Ayumu e sua mãe, sobre como a garota acha que a mãe culpa ela pela morte do pai.

Acontece que esse conflito surge do nada, e é prontamente esquecido logo depois, quando a rival, Nanami, morre e o Kite se junta a equipe. E esses sintomas só se intensificam quando chegamos no mini-arco da seita.

Três episódios são gastos nesse arco. Três episódios que são quase completamente desperdiçados. A começar pelo set-up da seita, a série faz questão de falar e reforçar o tempo todo que algo de errado está acontecendo naquele lugar. Que aquelas pessoas estão sendo generosas demais, dando comida, cama e roupa lavada para a galera a troco de nada. Ao mesmo tempo temos inúmeras cenas tentando dar uma sensação de conspiração.

O velho que eles encontram na lojinha está o tempo todo dizendo que “eu estou aqui para resgatar ele” e coisas do gênero. No final das contas, nada havia de errado, e o velho queria salvar o filho da líder do culto que ele achava que era a neta dele, mesmo tendo certeza que não era. Sim, é sem sentido desse tanto mesmo.

Enquanto isso, os personagens estavam, mal e porcamente, se conectando com outros membros da seita, para quando tudo fosse destruído tivéssemos um sentimento que era muito trágico. Só que o tiro sai pela culatra, principalmente porque o trabalho de caracterização dos personagens é muito abaixo do mínimo. O personagem mais trágico dessa leva é o ex-lutador de sumô, que tem um total de duas falas em um passado triste, e a série tem completa certeza que eu me importo muito quando ele morre.

E ainda tem todo o quesito da passagem do tempo nessa parte, com os dois irmãos indo pra escola (?) dentro do culto, por alguma razão. Em dado momento o velhinho, usando uma daquelas cadeiras de roda motorizadas, invade a alta cúpula do culto e mata dois homens armados utilizando um arco e flecha. Logo depois tem uma cena de balada com drogas e sexo, e eu realmente achei que quem estava delirando era eu.

No meio desse sub-plot maluco, no hospital da seita está o piloto do submarino que levou o cientista que descobriu que o Japão afundaria. E ele está em estado catatônico, mas se comunica por código morse, o que agrava o sentimento que algo está errado. Só que nada estava errado, e ainda rola um papinho deslocadíssimo sobre como a Mari, mãe da família, está afim do estrangeiro mágico maluco, isso sem ter sequer uma cena que evidenciasse o mesmo.

Do mesmo jeito que esse arco surge na história, ele acaba, como se a Netflix tivesse exigido que Japão Submerso precisasse ter 10 episódios, e o roteirista não soubesse como preencher esses 10. Então ele abriu a lista de tropes de histórias pós-apocalípticas e decidiu que uma seita seria a ideia interessante. Acontece que nosso elenco tem nenhuma agência em nada do que acontece nesse arco, e pouco se desenvolve, seja dos personagens, seja da relação entre eles.

Olha, eu entendo num quesito temático esse arco existir. Nessa discussão de identidade japonesa que a série propõe, faz sentido colocar um exemplo da parte mais mística do Japão. Acontece que é um tanto bizarro ter essa visão que o místico é primitivo, ao ponto em que a sala das visões da matriarca é toda decorada com pinturas rupestres. E essa não é a única vez em que Japão Submerso finge que está discutindo coisas.

Digo isso, pois voltamos pro plot real, e é mais ou menos por agora que somos apresentados ao barquinho nacionalista. Por mais que eu aprecie ver essa galera com bandeira imperial japonesa pegando fogo, essa é uma questão muito real para ser tratada desse jeito caricato. Chega a ser bobo a história fazer um barco com todos os nacionalistas japoneses, explodir o barco e dar aquela sensação de “problema resolvido”, quando nada foi resolvido de fato.

E, pra mim, isso caminha com o resto da série, até os finalmentes. Não tematicamente, mas o roteirista desse negócio está sempre tirando soluções fáceis do bolso, uma atrás da outra. Japão Submerso se carrega com base na coincidência, e ele tenta limpar a própria barra no episódio final, numa espécie de justificativa pelas conveniências, mas só parece ainda mais vergonhoso.

Nem tenho problema com resolver um ou outro problema com o alinhamento dos astros, mas parece que esse é o único modo que o roteirista conhece para resolver conflitos, ou o choque.

Talvez seja tarde demais para dizer isso, mas Japão Submerso tem bastante gore no decorrer de seus episódios. Acontece que a série não sabe transicionar nada bem entre um momento e outro, e você acaba dessensibilizado rápido demais.

Isso acontece tão cedo que no terceiro episódio tem um cliffhanger de uma possível morte do irmão que, além de claramente um false flag, já não me fez sentir nada. Depois da pedrada na cabeça do garoto da seita então, minha má vontade atingiu valores altíssimos.

Gostaria muito que essa série tivesse focado em me apresentar um elenco com o qual eu me importasse, com o mesmo empenho em que tentou me chocar, com certeza teria feito um roteiro bastante melhor a partir daí.

E mesmo assim, Japão Submerso consegue criar momentos magníficos. Os meus dois momentos favoritos da série são nos episódios 8 e 9. No oitavo temos toda a conversa dos irmãos, sentido saudade das pequenas coisas, se arrependendo de não ter comido mais um almoço caseiro, enquanto estão jogados à deriva. No nono é todo o momento de rap, onde o que sobrou do grupo bota pra fora os sentimento para com a própria pátria e definem o que é o Japão.

E então, depois de mais uns momentos de choque bobo (morte do Haruo) e twists sem sentido (“traição” do Kite) a série alcança seu final e conclui sobre o que é o Japão.

O Japão é mais que o território, o Japão é a cultura, a culinária, o misticismo, o povo, seus problemas e suas virtudes, sua religião, seus esportes, a lista é tão longa quanto existirem pessoas diferentes, pratos diferentes, paisagens diferentes. O Japão é o banal, o pacato, o mundano, mas também o extraordinário, o mágico, o espiritual. E a série amarra tudo isso de forma razoavelmente bem conectando com as memórias e as fotografias que foram sendo tiradas. Assim como terminando nas Olimpíadas, o objetivo inicial da Ayumu.

É bastante bonito toda essa parte final, a mensagem positiva de superação, de como dias melhores virão, algo que é importante de se ouvir, principalmente no nosso conceito de 2020. Uma pena que isso foi embalado num pacote meio torto, mal acabado, cheio de tropeços e desvios bizarros. Mesmo a montagem final, ainda que bela e solene, dura muito mais do que deveria, ao ponto de ficar redundante e um pouco enfadonha e prepotente.

Japão Submerso é tudo isso e muito mais. Ele é tanto uma soma de seus acertos, como de seus erros. Uma série um tanto quanto mal aparada e bruta, mas que compensa ser assistida, mesmo que eu esteja ainda mais confuso se acho ela boa ou ruim, quando comparado ao início desse review. De qualquer forma, Japão Submerso certamente é memorável e poderoso em sua mensagem de esperança por um futuro melhor.

Eai? Assistiu Japão Submerso? Gostou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, qual o próximo anime que deve aparecer por aqui.

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