Black Lagoon: Ideais e o Campo de Batalha – Review

Black Lagoon é uma série de 12 episódios, lançada na primavera de 2006. A série é baseada no mangá de mesmo nome, escrito e ilustrado por Rei Hiroe (Phantom Bullet, 341 Sentoudan) e se encontra em publicação, com 11 volumes até o momento. Com direção e series composition por Katabuchi Sanao (In This Corner of the World, Mai Mai Miracle). A produção ficou por conta do estúdio Madhouse (Casshern Sins, Death Note). A série ainda conta com uma segunda temporada, Black Lagoon: Second Barrage, com 12 episódios, e 4 OVAs, chamados Roberta’ Blood Trail. Uma terceira temporada chegou a ser anunciada, mas nunca viu a luz do dia.

Sinopse: Okajima Rokuro é um salariman japonês comum. Um verdadeiro pau pra toda obra dentro do trabalho, indo em viagens e bebendo até tarde com os clientes. Tudo segue normal, até que em uma de suas viagens, Rokuro acaba sendo sequestrado por um bando de mercenários e sua vida muda para sempre…

Black Lagoon me foi um refresco nesse mundo de animes de temporada. Muito é dito sobre o quanto o ritmo frenético de +40 produções sendo cuspidas temporada pós temporada impede que as séries fixem na mentalidade da massa de espectadores. Eu pessoalmente acho que isso é mais sobre nostalgia e vida adulta e menos sobre uma variação real de qualidade.

Acontece apenas que, com menos séries dando as caras no ocidente em tempos mais remotos (que nem são tão remotos assim) já ocorria uma certa filtragem, além do fator descoberta ser muito mais enfatizado quando se é mais jovem. De qualquer forma, Black Lagoon é um daqueles que, em algum momento, foi uma série obrigatória para sua carteirinha otaku, mas hoje é muito pouco comentado. Então, achei que seria uma boa tirar a poeira da série pra definir se ela passa ou não no teste dos quinze anos.

Gangue da Lagoon preparada

A começar pela produção, Black Lagoon permanece lindíssimo. Vindo na esteira dos anos 2000 da Madhouse, tempo em que o estúdio era um dos mais prestigiados, tanto nas séries, quanto em seu braço de cinema. As animações estão de excelente qualidade, a ação é limpa e detalhada, entregando o impacto necessário, tanto pro gore, quanto pra parte mais física das setpieces. Se não fossem alguns errinhos de remasterização, que deixam escapar umas rebarbas aqui e ali, e o cg dos carros que envelheceu muito mal, Black Lagoon poderia ser tranquilamente relançado em qualquer temporada desse ano e ninguém notaria a diferença. Pelo contrário, provavelmente seria um dos destaques visuais da temporada.

Afinal, não é só de animação que vive uma série, e o melhor aspecto visual de Black Lagoon é o tanto que ele brinca com luz e sombra. O anime toma muito cuidado com a atmosfera das coisas, dando sempre bastante textura aos ambientes que os personagens estão. Isso faz com que o espectador mergulhe mais facilmente no mundinho e tenha uma conexão maior pelos personagens, uma vez que eles não estão em um cenário, mas numa cidade viva e cheia de dinâmicas externas a Lagoon.

É importante dizer que, eu entrei sem saber nada sobre essa série. Nunca tinha visto e, como não frequentava os ambientes de discussão, evitei basicamente toda e qualquer informação sobre quando essa série foi relevante. Isso fez com que eu pudesse ser surpreendido por Black Lagoon.

vida noturna de Black Lagoon

A primeira temporada é estruturada com base nos casos que a equipe de piratas/mercenários aceitam participar. Alguns duram um único episódio, outros mais de três. O que eu esperava que me fosse entregue era algo na linha de uma série descerebrada e adolescente sobre uma garota seminua dando tiro em gente.

E não se engane, Black Lagoon tem muito disso, principalmente na primeira metade da série, qualquer coisa é desculpa para a Revy fazer carinha de psicopata e atirar em alguém. Acontece que Black Lagoon dá mais um passo e de fato entra em conflito quanto a isso, mas vamos por partes…

Black Lagoon fundamenta seu elenco numa escala, que vai do mais pragmático ao mais idealista dos personagens. E o mais interessante é que existe uma certa dose de nuance nos dois polos.

O lado pragmático é composto por personagens que foram, de uma maneira ou outra, engolidos pelo sistema. Personagens que pararam de questionar o status quo a muito tempo e existem para manter as coisas como estão. Normalmente esses são os personagens mais reativos, como a própria Revy e o Dutch.

O lado idealista é composto por personagens que questionam, que buscam caminhos alternativos, que vão contra o sistema. Por não estarem acomodados, eles são mais voláteis, prontos para fazerem gigantescas atrocidades em prol de sua visão de mundo, ou apenas tornar a cidade num lugar mais agradável. Tanto o Rock quanto a trupe nazista são parte desse segundo tipo.

Assim, a série não bate um martelo sobre como você deve ou não ser pragmático/idealista. Alguns personagens estão bem como estão, outros claramente foram martelados naquela posição pelo próprio sistema.

Pegando o personagem do Rock como exemplo, ele se via como pragmático no começo da série. Mas as coisas mudam quando ele se vê sendo completamente descartado pelo chefe em prol de uma manutenção de poder. Isso faz com que o Rock decida seguir com as próprias pernas em frente.

No caminho contrário temos a Roberta. A Roberta era uma guerrilheira que fazia e acontecia para tornar o próprio país um lugar melhor. Assassinatos, atentados, chacinas, tudo valia se isso significasse um futuro melhor. A personagem então acaba quebrando quando o líder da sua facção se alhia a traficantes de drogas, sob o pretexto de que apenas ideais não vencem guerras.

Enquanto isso, personagens como o Dutch estão perfeitamente bem com a visão de mundo que possuem, mas isso acontece por que ele decidiu por si próprio como seguir em frente. Não foi algo posto na cabeça dele por um terceiro.

Um outro aspecto que roda bastante a série é uma ideia meio mal explorada do anti-guerra. Todos os personagens que vão ou foram para o fronte de guerra estão claramente mentalmente destruídos. Mesmo assim a série não consegue decidir se toda aquela destruição e tiroteios é feita pra ser muito cool, ou se é algo pensado como chocante e ruim.

Parece bastante claro que a série quer mostrar o quanto o individuo acaba sendo moído pela máquina de guerra. Enquanto não sabe muito bem o motivo de estar fazendo aquilo, e acaba com isso só fortalecendo pessoas já poderosas.

Fica ainda mais complicado quando a Roberta, uma personagem já citada e com um trauma pesado, é mostrada como quase um monstro de slasher. Esse contraste entre as ideias que a série quer passar e as ações representadas em tela varia bastante no decorrer da temporada. Em alguns arcos funciona melhor que em outros, mas faltou um ajuste mais fino no tom das coisas.

Dito isso, uma coisa que me agradou muito é que de fato a moralidade dos personagens é bastante cinza. Sendo muito sincero, eu não aguentava mais ver essas séries mais dark tipo Goblin Slayer ou Tate no Yuusha que querem posar de adultão, mas os protagonistas são sempre mostrados como corretos e puros, não importando o tipo de atrocidade representada em tela.

Black Lagoon não vai por esse caminho, por mais de uma vez os arcos acabam com um certo gosto amargo e deixam o espectador pensando se cumprir aquele contrato realmente foi o melhor a se fazer. E é justamente nesses momentos que a série brilha, quando surgem os atritos entre as filosofias dentro da própria Lagoon, com o Rock jogando na cara o quão infantil a Revy está sendo. Ou quando a Revy joga na cara do Rock o quão esnobe ele está sendo.

Black Lagoon, explosão de escritório

Ao permitir que os personagens errem e entrem em atrito, Black Lagoon permite que eles consigam amadurecer também, mesmo que o caminho da série nisso seja meio tortuoso. Explico, até o episódio da dupla Revy/Rock trabalhando de garotos de recado pro Dutch, a história estava fortemente focada na relação dos dois.

O Rock entra pra esse mundo cheio de sonhos e espectativas, que vão sendo lentamente quebrados pela realidade cruel a volta dele. Em contrapartida a Revy vai sentindo cada vez mais que ele não serve pra esse tipo de trabalho, e os atritos começam a escalar. Chegam ao ponto dela quase matar o protagonista no meio de uma discussão.

Só que imediatamente após isso, a série entra num arco muito tangencial ao conflito, e esse atrito entre os dois recebe contornos mais cômicos que de fato um problema. Então, por fim, o último arco é uma grande aceitação por parte da Revy que o Rock era parte da família Lagoon. Parece que ficou faltando um arquinho a mais ali no meio pra fazer a transição melhor entre o trágico e o cômico, nada que estrague a construção, mas ainda assim fica essa nota aqui.

Cool girls don't look at Black Lagoon

Pra fechar então, a trilha sonora de Black Lagoon é bastante marcada em todas as cenas que ela precisa estar e muito boa. Meu único problema com ela é no (já bastante citado) arco da Roberta, em que o tema da personagem é usado mais do que deveria, e acaba ficando cansativo. A música em si é boa e traz muito do clima latino da personagem, mas vamos com calma.

E um último probleminha é que a série dá umas boas passadas do ponto com o corpo da Revy. E nem digo com a forma com que ela se veste, mas a câmera faz questão de enquadrar uns ângulos ginecológicos completamente fora de propósito ou tom com o resto.

Chega a ser esquisito como, textualmente, não tem nenhuma piada sexual, mas a câmera faz o trabalho direitinho de medir cada centímetro de pele exposta. Inclusive o autor desse negócio claramente tem um fetiche de apanhar de mulher bonita, o que eu não julgo de maneira nenhuma.

Dá pra ver até o Black Lagoon dela

Black Lagoon consegue se manter uma boa série, mesmo depois de quase quinze anos de seu lançamento. Não é profunda de maneira nenhuma, mas também não é vazia. E a dose de energia adolescente revoltado está sob controle, ao menos nesses primeiros doze episódios. Devo assistir a segunda temporada e voltar aqui com mais atualizações, até lá, vejam Black Lagoon, eu acho…

Eaí, assistiu Black Lagoon? Amou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, qual o próximo anime que deve aparecer por aqui.

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