Cante Yesterday pra mim: mudar é difícil – Review

Cante “Yesterday” pra mim ou Yesterday o Uttate é um anime de 12 episódios da temporada de primavera de 2020. Com direção e series composition de Fujiwara Yoshiyuki (Plastic Memories, Tada Never Falls in Love). A série é uma produção Doga Kobo (How Heavy Are the Dumbbells You Lift?, Asteroid in Love). O anime ainda é uma adaptação do mangá de mesmo nome, escrito e desenhado por Kei Toume (Kurogane, Hitsuji no Uta), concluído com 11 volumes. Yesterday está disponível no Brasil através da Crunchyroll.

Sinopse: Uma história de amor e humanidade, sobre quatro garotos e garotas que tentam levar a vida da melhor maneira, apesar dos percalços e tumultos, em uma pequena cidade que fica nos arredores de Shinjuku. Pequenos desentendimentos viram grandes complicações, e seus vários sentimentos se entremeiam e entrelaçam. A história de uma vida corriqueira, vivida 49% olhando pra trás e 51% olhando pra frente. A clássica antologia de histórias juvenis de Kei Toume, que ficou 18 anos em publicação, finalmente recebe uma adaptação para anime. (fonte: Crunchyroll)

Yesterday é uma experiência que eu estava precisando. Não sei qual o sentimento de você que está lendo essa review, mas eu não tenho mais paciência para romances escolares, se é que algum dia o tive. Se não for algo extremamente excelente como Kaguya-sama raramente consigo me prender a narrativa proposta.

Parte disso se dá pela narrativa por vezes muito formulaicas, outra parte por aquilo não fazer mais parte da minha realidade. Então me foi uma grata jornada assistir Yesterday. Uma história com um elenco primariamente adulto, enquanto eles tentam se resolver com seus respectivos parceiros.

Claro que com isso não quero dizer que Yesterday seja o ápice da originalidade, muito pelo contrário, é um coming of age bastante padrão e seguro. É mais uma questão de conexão e abordagem dessas questões amorosas sem os floreios da adolescência.

Inclusive isso é uma questão dentro da própria narrativa, o grande drama da personagem Morinome Shinako é sobre a idealização de relacionamentos com base numa experiência durante a adolescência.

Yesterday Shinako envergonhada

Mas antes de entrarmos no elenco de Yesterday, acho interessante darmos uns passos para trás e falar um pouco sobre a parte da produção. Yesterday não é aquela série que vai render muitos gifs nas redes sociais, com um momento a momento bem mais contido que algo feito pela Kyoto Animation.

Mesmo assim o trabalho de direção extrai o máximo da animação limitada. O que é bem incrível se perceber que o Yoshiyuki, além de estar ocupando dois cargos nessa série, ainda tem pouca experiência na direção. De qualquer forma a série abusa de uns close-ups bem próximos dos personagens para que o espectador receba o máximo possível da carga emocional de cada momento.

Inclusive, uma coisa que aprecio demais, é o uso bastante pontual da trilha sonora. Não é aquele tipo de série que não deixa quem está assistindo descansar emendando trilha triste em trilha triste. Normalmente a direção deixa que o roteiro fale por si, e os próprios diálogos e ângulos de câmera são fortes o suficiente para carregar os momentos.

Isso não quer dizer que a trilha em si não seja boa, muito pelo contrário, o uso pontual intensifica os momentos em que ela se faz presente, seja para dar uma deixa de um personagem entrando em cena, seja para nos remeter de algum acontecimento anterior. Falando em passado, gosto também como a série trata os flashbacks, estreitando o aspect ratio da tela e borrando bastante o fundo, o que causa uma sensação de sonho muito forte nas cenas.

O maior problema na parte da direção é que, por vezes, fica muito difícil de discernir quanto tempo passou entre um acontecimento e outro. Me peguei mais de uma vez pensando que era muito bizarro o tanto de coisa acontecendo no mesmo dia, só para depois perceber que foram semanas de distância. E claramente não é uma sensação pensada por parte da história, é só um vacilo grande mesmo. Só como exemplo, o episódio que tem um casamento, e momentos depois o Rikuo está lá, na casa do casal, bebendo com eles, foi bastante esquisito.

Entrando mais nos personagens, eu tenho alguns problemas com eles. Principalmente com a Haru.

A Haru é meio que a garota propaganda desse anime, é a menina que anda com o corvo no ombro e tal. E meu problema nem é que essa seja uma série “realista” e a garota tenha um corvo. A minha grande questão com a personagem é que, lá pelo episódio 2 ou 3, nos é introduzido um conflito familiar com ela. E esse conflito é completamente esquecido pelo resto do anime.

Isso faz com que, por mais que muito carismática, a personagem acabe por ser a mais simples do quarteto principal. Tem toda uma questão dela ter abandonado o colégio, e tá todo mundo absolutamente de boa com isso, e a personagem parece que não sai do lugar durante toda a série. Ela fica lá, recebendo migalhas do protagonista enquanto espera pela chance remota de algo dar certo.

A série ainda ensaia um conflito quando um outro interesse romântico da garota entra no jogo, mas o mesmo simplesmente se esvai do mesmo jeito que surge. Sim, ele se declarou e foi recusado, mas esse é o grande lugar comum dos personagens desse anime, e nem por isso nenhum deles desistiu.

Pior ainda, lá pelo episódio 10 a série cria um cliffhanger de invasão na casa da garota, só para no 11 o bandido ser preso em off-screen. É só uma gigantesca conhecidencia para tentar ensaiar um conflito quando as coisas estavam se ajeitando entre o Rikuo e a Shinako e que nem tem qualquer efeito real. Inclusive esse momento deve ser o meu maior problema com o roteiro, que até essa altura estava confiando plenamente na força das interações do quarteto.

Indo para o outro personagem jovem do quarteto temos o Rou-kun. Ele é um personagem curioso, porque ele é um moleque mimado antes de mais nada. Mas por baixo dessa carapaça de adolescente tem alguém com um gigante problema de auto-estima.

Ele viveu sempre na sombra do irmão, e isso só piorou desde que o dito morreu. Como alguém vivo pode ser sequer próximo das expectativas de alguém que já não está mais ali?

E é justamente nesse dilema que ele vive, apaixonado pela ex do irmão morto. É um tanto esquisito que esse conflito não seja o ponto focal de Yesterday. Certamente é a relação mais complicada ali, mas acaba ficando um tanto quanto escanteada por boa parte da série.

É um relacionamento um tanto prejudicial para ambos, para ele por estar, claramente, correndo atrás de crescer mais rápido do que deveria. Ela por, em certa medida, utilizar do garoto como um substituto da paixão que nunca floresceu.

Yesterday aborda uma série de coisas, mas duas em especial. A primeira é sobre comunicação, sobre o quanto é difícil de dizer e deixar claro o que se sente. Sobre como dizer “eu te amo” para alguém pode ser um tanto egoísta, mas que precisa ser feito mesmo assim. Também prespassa em como uma pessoa com talento artístico, mesmo que arte seja sobre se comunicar, não necessariamente reflete em alguém que consegue lidar com isso na própria vida.

Mas Yesterday aborda principalmente sobre seguir em frente, sobre crescer, é um coming of age afinal de contas. Todos os personagens estão, em algum grau ou outro, presos pelo próprio passado.

A Shinako está presa à paixão de adolescência. Diferente do que digam por aí, memórias são mutáveis, moldáveis, escolhemos lembrar das coisas como for mais conveniente, e é nessa armadilha que a personagem passa boa parte da série.

Só que não é só ela que está presa nessa armadilha, e isso vai ficando claro conforme a história vai discorrendo. Quem mais está preso nisso é o protagonista, Rikuo, mas pra falar disso vou precisar entrar em spoilers (não que eu ache que essa seja uma história de grandes revelações nem nada).

Conhecemos Rikuo num ponto baixíssimo de sua vida. Sozinho, vivendo de bicos e deixando a vida para depois. A promessa que ele faz a si mesmo e, por consequência, a audiência, é que ele vai mudar. O personagem então corre e se declara, meio que no impulso, para uma antiga paixão dos tempos de faculdade, a Shinako.

Acontece que mudanças são difíceis, não são de uma hora para a outra. É uma jornada de dia em dia, e é esse caminho que acompanhamos durante os 12 episódios. O Rikuo deixa a loja de conveniência, que ele trabalhava apenas pela conveniência, e decide finalmente investir na fotografia.

A história segue e ele se encontra em um relacionamento com a garota dos sonhos dele. Só que a pessoa apaixonada pela Shinako era o Rikuo da época de faculdade, não o Rikuo de agora. Mais de uma vez durante a série é levantada a pergunta do motivo pelo qual ele se apaixonou pela Shinako, e ele nem ao menos se lembrava mais.

Lá estavam as memórias, o relacionamento entre o Rikuo e a Shinako estava fadado ao fracasso, não porque eles estavam andando devagar demais com as coisas, mas porque era um amor de pessoas que não existiam mais.

E com isso chegamos a lindíssima cena dos dois sentados num banco de praça, decidindo as coisas sem gritos, sem brigas, sem drama desnecessário. Aquele é o primeiro momento em que ambos os personagens não estão olhando para versões passadas, para idealizações, ou para possibilidades. Ali, naquele banco, Shinako e Rikuo se enxergam pela primeira vez como as pessoas que são, e realizam que o que eles não são, e nem poderão ser, é um casal.

Cante “Yesterday” pra mim não foi a jornada mais inovadora ou original que eu tive em séries esse ano. Ao mesmo tempo em que alguns personagens foram sendo esquecidos no decorrer dos episódios, outros que surgiram com promessas nunca cumpridas, mas a série nunca perdeu de vista o próprio núcleo e o que queria fazer. É um drama que vale a pena ser visto.

Eai, assistiu Yesterday? Gostou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, qual o próximo anime que deve aparecer por aqui.

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