BNA é a Trigger no Piloto Automático – Review

BNA ou Brand New Animal é um anime de 12 episódios da temporada de primavera 2020. Dirigido por You Yoshinari (Little Witch Academia) e series composition por Kazuki Nakashima (Kill la Kill, Tengen Toppa Gurren Lagann). A produção ficou por conta do estúdio Trigger (SSSS.Gridman, Space Patrol Luluco). A série está inteiramente disponível no Brasil através do Netflix.

Sinopse: Transformada em garota-guaxinim, Michiru busca refúgio e respostas com ajuda do lobo-humano Shirou na zona especial de Animália. (fonte: Netflix)

Talvez a maneira correta de começar a abordar BNA seja através não dá série em si, mas de seu entorno. Para todos aqueles que não convivem nas redes sociais, existe um exagero muito grande quando se trata de trabalhos do estúdio Trigger.

Para alguns, o sucessor da esquecida e enterrada Gainax são o último refugo de criatividade e inovação na indústria japonesa de animação. Claro que, como tudo, existe um grupo antagônico, que trata qualquer trabalho vindo do estúdio como superestimado, ou já assiste de bico torcido. Claro que o primeiro grupo também se esforça para transformar qualquer série mediana na quintessência das animações modernas.

E estou dizendo tudo isso porque, acredite ou não, isso se conecta aos temas de BNA, mas vamos por partes.

Gostaria de começar sobre o que é a série, e a série é, em sua essência uma história detetivesca das mais clássicas e hardboiled possíveis. Com direito a prostituição, ruas sujas, esquemas e megacorporações malignas.

Meu primeiro problema com todo esse lado de BNA é a série fazer muito pouco para sair dos próprios moldes impostos pelo gênero. A relação entre a Michiru, garota transformada e furry, e o Shirou, lobo detetive pau no cu, segue uma estrada completamente segura e desgastada.

Você sabe exatamente quais pontos serão batidos em quais momentos e a série não faz o menor esforço para desafiar essa jornada. Tão pouco entrega na execução em si um aspecto único e diferente, muito pelo contrário, a execução é tão clichê quanto sua premissa.

Mesmo a personagem da Michiru em si é pouco interessante. Ela começa a narrativa querendo fazer e acontecer, mudar aquela sociedade que ela não conhece. Mas, no avançar dos episódios, a personagem vai perdendo a energia e começa a cair no primeiro papinho que contam para ela.

A garota-guaxinim, que deveria ser o nosso impulso e os nossos olhos naquela sociedade nova, acaba por ficar cada vez mais apagada. Isso começa a acontecer a medida em que a antiga amiga dela surge na cidade, a Nazuma.

Nazuma é uma promessa interessante sub-desenvolvida. Uma garota com sonho de se tornar idol que acaba sendo transformada em beastman e seduzida por um líder de seita a se tornar uma falsa entidade.

Digo sub-desenvolvida porque o arco da personagem nunca é completo. Ela nunca chega no ponto de entender sequer o quão escroto o que ela está fazendo é.

E mesmo o atrito inicial entre ela e a Michiru acaba se dissipando no prolongar da temporada, sem nunca ficar muito claro o porquê. Mesmo assim, no final elas voltaram a ser melhores amigas que se confiam acima do bem e do mal, e cabe a audiência que simplesmente aceite essa mudança.

Fechando o trio protagonista, temos o próprio Shirou Oogami. O detetive com um passado amargo que perdeu a esperança na humanidade, mas ainda guarda o desejo de proteger a própria comunidade.

O Shirou talvez seja o personagem que mais me decepcionou. Em certa altura nós vemos o passado dele, que é tão trágico quanto se promete e algo fica estampado na história. A Michiru é a última tábua de salvação desse personagem. A esperança de uma ponte, do fim de um ódio muito antigo entre as duas espécies, e isso faz com que ele tenha medo de se aproximar só para terminar quebrado novamente.

Acontece que, em dado momento, eles discutem e se separam, na porção final do roteiro. E foi ali que eu percebi o quão desconectado com esse roteiro eu estava, porque isso não teve efeito nenhum em mim. Não teve muito efeito no próprio Shirou, é verdade, e não ajuda muito que ele estava meio que correto o tempo todo nesse roteiro.

Os personagens mais interessantes de BNA acabam ficando justamente nas periferias do roteiro. São tanto o engraçadíssimo núcleo da favelinha, em especial o vendedor de água mineral, Jackie. A trambiquera, Marie, o terrorista, Pinga e até mesmo todo o subutilizado núcleo da máfia.

Inclusive, se existe algo que a série faz bem é a cidade de Animália. Um tempo gigante é usado para conhecermos cada canto e aresta dessa cidade. Do governo aos becos esquecidos, assim como todos os seus habitantes.

Todo personagem possui sua própria opinião sobre como as coisas estão e como deveriam estar. Para alguns, aquela cidade é o paraíso, para outros, uma prisão. Existem aqueles que enxergam relações com humanos como impossíveis, outros querem construir pontes.

E vemos tudo isso através dos olhos de uma personagem sem conceitos pré-estabelecidos, o que nos permite absorver cada pedaço daquele local de forma mais neutra, mas também causa distorções, e a série trata isso.

O primeiro ponto de ruptura nessa questão é quando nos deparamos com o culto que chegou na cidade. Todos eles louvam Ginrou, o lobo branco, como o salvador e protetor dos beastman. Acontece que um de seus membros se diz ser o próprio Ginrou.

A Michiru sabe que isso é mentira, assim como a personagem que se passa pelo lobo branco. Acontece que mesmo que ambas estivessem imersas na cultura dos beastman, nunca lhes passou pela cabeça entender aquilo de verdade.

Justamente por isso que ambas não veem o mal que estão causando em manter essa farsa de divindade.

Isso inclusive é um ponto martelado em muitos momentos durante a série. O quanto os humanos querem “ajudar” os beastman, desde que os mesmos se mantenham em seu próprio cercado. Eu posso traçar um número infinito de paralelos aqui, mas confio que você entenda pra onde a série está apontando.

O momento mais emblemático dessa questão vem ainda nos primeiros episódios da série, quando conhecemos a filha do líder da mafia. A garota vai em uma festa no mundo humano juntamente com a Michiru, e todos ali parecem muito reptivos.

Acontece que eles não enxergam a garota como uma igual, mas como uma iguaria, um ser exótico que serve mais de adereço que como um indivíduo. Uma mistura de ignorância e falta de interesse, enquanto se apropriam dos visuais da cultura alheia, e tudo escala ao ponto de botarem a garota em um tanque d’água, tudo para o bem dela.

Esse episódio é uma escala micro da grande narrativa de BNA, como uma ajuda sem tentativa de entender o outro só pode causar desgraça e destruição. De boas intenções, o inferno está cheio.

Mas outra coisa que ajuda a dar vida a esse universo é toda a parte de produção que é estupenda. Do esquema de cores as técnicas de animação, tudo na parte visual de BNA grita personalidade. É uma daquelas séries que merece ser vista na maior resolução possível para apreciar o trabalho minucioso dos ambientes.

BNA também é uma daquelas séries que não se importa muito em manter a proporção de seus personagens, tudo vale se for para intensificar o momento e o movimento de cada cena. Esteja preparado para compilados e mais compilados de screenshots apontando o quão “feio” e “mal acabado”. Em resumo, o de sempre.

Agora uma coisa que eu preciso dizer é que a série talvez goste um pouco demais do próprio encerramento. Eu perdi as contas de quantas vezes essa música toca no decorrer dos 12 episódios, e sim, eu sei que é pra representar a relação entre a Michiru e a Nazuma, mas é tão super utilizado que, ao invés de crescer em força, acaba empalidecendo.

Já falei bastante da série em si, então antes de entrar nos finalmentes, preciso dizer que mesmo se você não for ver BNA, assista ao episódio do baseball, talvez um dos melhores e mais divertidos episódios do ano. Agora, sem mais delongas, sejam bem vindos ao final de Brand New Animal.

Certo, como devem ter percebido, eu propositalmente evitei falar sobre os antagonistas de BNA, e isso tem um motivo, eles são péssimos. A começar pelo Bóris, o líder do culto, que também é um literal homem-serpente.

Ele é um personagem que está sempre espreitando e parecendo muito malvado. Durante toda a série ficamos com a grande sensação de “nossa, esse personagem deve ter algo por trás de tudo que está fazendo”. Então, finalmente chegamos ao último episódio, o embate entre Nazuma e Bóris, e descobrimos que ele tinha uma tara por ela e era pau mandado do Silvasta.

E é isso, só isso, todo os momentos de suspense, dele entrando e saindo de lugares, fazendo coisas pelas costas, e era só mais um pau mandado do Silvasta. Isso poderia ser uma forma de aumetnar a aura de perigo envolta do diretor da farmacêutica, mas não acontece.

Não acontece por dois motivos: primeiro que é muito mais interessante toda essa discussão sobre como as pessoas pararam de acreditar em deuses. E como elas só transferiram a necessidade de devoção para outros seres humanos, no caso literalmente uma idol. E também como um culto pode ser utilizado apenas para manobrar as pessoas a terem as ações que outras pessoas querem.

O segundo motivo é a completa covardia em fazer do Silvasta um mastermind que controla a humanidade das sombras. Ao tirar ele da conta dos humanos, fica muito mais fácil para a história simplesmente bater um martelo e julgá-lo como mal, “veja bem, ele usava humanos, mas ele próprio também era um beastman”.

Isso sem falar do quanto essa ideia de judeus, digo beastman, secretamente dominarem o mundo das sombras. Eu sei que não é a intenção de BNA acenar para esse tipo de ideologia, mas na própria covardia de transformar um tema complexo em algo facilmente resolvível, acabou por apontar numa direção muito errada.

E ainda por cima a série decide que o Silvasta precisa se tornar um desafio físico pro Oogami. Quando, nos outros onze episódios o Silvasta foi qualquer coisa sequer próxima de um inimigo físico? Não era como se a síndrome não já estivesse afetando todo mundo a torto e a direito. Seria bem simples alterar o roteiro para manter o Silvasta humano e colocar o Bóris como desafio físico.

BNA foi uma série com altos e baixos, um começo promissor e um final covarde. Mesmo assim a mensagem final sobre construir pontes e conhecer o outro é relevante no tempo em que vivemos. Então, você fã e você hater, ainda existe uma chance de se tornarem pessoas melhores.

Sim, a série tem uma tonelada de problemas, por vezes parece escrita no automático, mas não é nem próxima de ser a pior coisa já produzida pelo estúdio. Tampouco foi dessa vez que a Trigger salvou os animes, quem sabe numa próxima…

Eaí, viu BNA? Amou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, qual o próximo anime que deve aparecer por aqui.

Deixe uma resposta

10 pensamentos em “BNA é a Trigger no Piloto Automático – Review”