Blackfox é um bom filme da Marvel

Blackfox é um filme que foi lançado em 2019, sendo uma coprodução do Crunchyroll. O estúdio responsável foi a 3Hz (Flip Flappers, Princess Principal), com direção de Shinohara Keisuke (estreante) e roteiro de Hayashi Naoki (series composition de Citrus). A produção ainda foi supervisionada pelo Nomura Kazuya (Run With The Wind, Joker Game).

Começando do começo

Como não é um filme que tá na boca da galera, acho que vale uma sinopse. Blackfox é a história de Rikka, uma ninja/detetive que quer desmascarar uma megacorporação pelo assassinato e roubo da pesquisa de seu pai e avô.

Apesar do clima, na maior parte do tempo, leve e otimista, Blackfox pode ser enquadrado como uma história de vingança. E enquanto trama de vingança, é operante. O clima de cotidiano nem sempre consegue transicionar da forma que deveria para os momentos mais pesados. 

Dito isso, Blackfox tem uma protagonista muito carismática, em todas as fases da vida dela. A Rikka atrai os holofotes para si todo momento que está em cena. Apesar de não ser a personagem mais aprofundada do mundo, inclusive por ser um filme de pouco menos de uma hora e meia.

Falando um pouco mais desse começo, todo o trabalho de passagem do tempo, através do prólogo, pro primeiro ato, pro começo do segundo é realmente muito bem construído. O roteiro não perde tempo com o desnecessário, ao mesmo tempo que apresenta as peças de forma a, por mais que seja previsível, os acontecimentos tenham peso.

Um mundo vivo

Uma coisa que foi muito agradável durante o filme, foi o seu universo. Não de uma perspectiva catalogadora, mas como um universo orgânico e vivo. Todos os “tipos de poderzinho”, por mais que aparentemente conflitantes, funcionam em conjunto. Parecem plausíveis. Parecem complementares.

E boa parte disso se dá pela fotografia e composição de cenas de Blackfox. O filme dá o tempo de atravessar a cidade, mostrar, dar textura. Ao mesmo tempo em que demonstra quem a Rikka é no presente. Onde trabalha. Com quem mora. Leva cerca de meia hora até o plot “de fato começar”, e a essa altura, você já está completamente aclimatado.

Ajuda muito o cuidado dado aos cenários. Evitando a armadilha de estar sempre em close-ups, muito pelo contrário, Blackfox usa bastante planos abertos e amplos, permitindo que o espectador tenha uma boa visão daquela metrópole futurista. 

Não é como se tudo nesse aspecto fossem flores. Seria bem mais interessante se o filme tomasse seu tempo para de fato apresentar a pequena comunidade que vive no mesmo prédio da Rikka. Principalmente considerando que eles são parcialmente relevantes no terceiro ato. Não seria necessário um momento expositivo, uma cena da Rikka subindo e interagindo com eles já seria suficiente.

Outra questão muito bem resolvida pelo filme foi: evitar a exposição dos poderes. Tanto o treinamento da Rikka, no prólogo, quanto o flashback da Mia são tratados de forma magistral. Como coisas naturais, não com gigantescos infodumps de informação de wikia. Mas como parte da vida daquelas personagens.

Metal Gear Moe

Uma coisa curiosa é o quanto Blackfox empresta dos videogames. Mais especificamente de Metal Gear Solid. Não é como se o uso de ninjas, psíquicos, androides, robôs gigantes em forma de cachorro e cientistas malucos houvessem sido criadas pela franquia do Kojima. Mas Blackfox soa como um filho de outra mídia das maluquices dele.

É um caldo cultural muito heterogêneo, ao mesmo tempo em que muito confortável. Tem inclusive uma pequena cena, onde a águia sobrevoa os guardas, e a visão lembra muito um minimapa de jogo stealth. Até os cones de visão dos inimigos se mostra presente.

Não é como se soasse falso, Blackfox se apropria das próprias referências e torna seu. Digo, menos a questão do vilão de Astroboy. Então vamos entrar nesse espinheiro.

O Lauren é um problema. Tanto enquanto vilão, quanto enquanto personagem. Ele talvez seria aceitável em uma produção infantil de vinte anos atrás, mas para 2019, ele é um tanto quanto subdesenvolvido.

O Lauren tinha ciúmes do Allen (pai da Rikka) e ficou maluco. É isso. Esse é todo o personagem dele. Tão trabalhado quanto o Dr. Willy de Megaman, um jogo com três linhas de diálogo dos anos 80.

O que acaba por ser um problema, uma vez que a Mia está em um relacionamento abusivo com o próprio pai, mas ele é tão absolutamente mal, que acaba te tirando do conflito. Você sabe exatamente como ele vai agir, até frases que serão ditas, e ações que serão tomadas, te tirando da história.

Estratégico até a página dois

Uma questão que me empolgou no começo, foi ser uma história sobre ninjas. Por se tratar de um anime de ação, isso significava lutas estratégicas. Infelizmente Blackfox sofre parcialmente da síndrome de Naruto, o que significa que a luta final vira personagem voando e lançando raiozinho.

Por mais que a verdadeira última perna seja resolvida com o cérebro. É bastante triste (e sintomático) que o clímax é feito de personagens voando e socões que fazem com que eles voem e atravessem paredes e construções. Se por um lado, permite que o show-off de animação tenha seu espaço. Por outro afasta o espectador da ação, se torna caricato, impessoal.

Não ajuda o vilão já ser unidimensional. Muito menos a roupa final da Rikka ser uma armadura genérica que presta homenagem até demais a Kill la Kill. Outra questão que me incomoda é o quão pouco ninja essa luta é, a Rikka poderia ser qualquer outra coisa, uma espadachim, uma Kamen Rider, uma Mahou Shoujo e pouco teria mudado.

Principalmente considerando onde a luta acontece, faltou um cuidado por parte do roteiro de tomar vantagem do ambiente. E não é como se o prólogo não tivesse mostrado a competência do roteiro em usar o ambiente a favor do personagem mais fraco.

Ainda falando dessa parte final, outra questão que muito me incomoda é a catarse da personagem vir de um personagem externo. Mais especificamente de um holograma previamente posicionado. Me deu um retrogosto de Amazing Spider Man 2, algo que nunca é um bom sinal.

Individualidade ou legado

Seguindo a linha da catarse da Rikka, seria relevante falar sobre o tema de Blackfox. Então, obviamente, spoilers. Blackfox é uma espécie de coming of age para as duas personagens principais, Rikka e Mia. 

Ambas são tanto reflexos de seus pais, quando espelhos uma da outra. Enquanto a Mia tem seu futuro imposto por seu pai, Rikka se sente em conflito se segue o caminho do pai ou do avô.

A construção das dúvidas de ambas é de fato muito bem feito. Assim como o conexão que elas formam. Uma cena muito boa é na luta entre as duas dentro do armazém, onde uma descobre a identidade secreta da outra.

Naquela altura, ainda não amigas, Rikka de fato teria matado a Mia se não tivesse sido impedida pelo cachorro. Uma escolha corajosa por parte do roteiro, uma vez que a escolha fácil seria ela simplesmente se negar, por ser a protagonista.

Exatamente por esse motivo, a catarse da Rikka vir da mensagem previamente gravada do avô e pai é tão ruim. A personagem não chega a resposta de seguir o caminho do pai, do avô e seu próprio. Isso é simplesmente dado de bandeja pelo próprio avô dela. O que, para um coming of age, deixa um senso de falta de maturamento da protagonista.

Já no quesito da Mia, ela nunca consegue se desvencilhar realmente do pai. Permanece presa à coleira dele, figurativa e literalmente. Mas como o filme acaba quando a Rikka é liberta, essa questão nunca tem espaço para ser de fato trabalhada.

Questões para um futuro incerto

Ainda falando em pontas para um futuro, temos a personagem da Melissa. Com um mistério que pode ser descoberto uma milha antes do roteiro se permitir revelar, ela é um personagem sequel bait. 

Com exceção de uma cena, o filme todo se passa sem que fique claro pra quê essa personagem sequer está no roteiro. E a cena em questão é a literal última, que aponta em direção ao futuro.

Então tanto a questão da Mia quanto da Melissa não são um problema em si. Ambos são mais um exemplo da ideia de tornar tudo em uma franquia, com sequências e spin-offs. 

Blackfox sobreviveria muito bem como uma história com começo, meio e fim. Só que não podemos ter apenas isso, e então pontas e sobras são deixadas. Ao menos o filme consegue ter o espaço para contar a história que quer contar.

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