FLCL: Progressive comete o pecado mortal de ser tedioso

FLCL: Progressive é a segunda temporada de FLCL, voltando depois de dezoito anos. A segunda temporada ficou a cargo da Production IG (Psycho Pass, Suisei no Gargantia) com direção de Motohiro Katsuyuki (Psycho Pass, Atom: The Beginning) e roteiro de Iwai Hideto.

Pra começar, contexto

Lembro-me bem quando as sequências de FLCL foram anunciadas, no caso Progressive e Alternative. Me lembro porque fiquei receoso. FLCL é uma obra muito peculiar, de uma época muito peculiar. Primeiro por ser do final dos anos 90, depois por ser um OVA da Gainax, que colhia os louros de Evangelion

Essa junção de fatores, permitiu que FLCL fosse uma obra diferente, ele não tinha obrigação de seguir tendências de mercado. Incluindo isso ao espírito anárquico da metade da Gainax responsável pela sua produção. Em grande parte as pessoas que fundaram a Trigger anos depois.

Esse caldeirão de experimentação trouxe uma obra absolutamente autoral, diferente, crua e, porque não, bruta. E é aqui que as coisas já se diferenciam do Progressive.

O Progressive surge em 2018, já como um retorno para os fãs. Ah os fãs, sempre eles, insatisfeitos com o fim das coisas, preferem que as suas obras levantem da tumba como um cadáver sem alma, só para consumir mais um episódio, mais uma temporada.

E isso é Progressive, com exceção de uns poucos lampejos (basicamente o episódio 5), não passa de um zumbi de uma história consagrada. Uma história absolutamente calculada para bater nos exatos mesmos símbolos, sem saber utilizar nenhum. Temos o Canti, a Haruko, luta de guitarras, metáforas sexuais, robôs saindo de dentro da testa de um jovem punheteiro, os ferros de passar roupa gigantes.

Metade dessas coisas não realmente servem para algo, mas o fã precisa que elas estejam lá. Não existe ousadia em Progressive, não existe transgressão, enquanto o primeiro era um produto de contracultura que criticava a aparente moral e bons costumes da sociedade japonesa. O Progressive conta uma história meio torta sobre seguir em frente, enquanto ele mesmo não consegue deixar as referências para trás.

Gordura e elenco

Eu acho que a melhor maneira de começar, é falar sobre os personagens. Principalmente por ser um elenco tão pobre de personagens. Digo, eles são muitos, mas seguem a lógica de quantidade > qualidade.

A começar pela protagonista, Hidomi Hibajiri, ela é um nada. Ela não quer nada, ela mal tem expressão, mal reage ao que acontece ao seu redor. Lá pela metade, por questões de roteiro, a personalidade dela dá um 180º, mas você não se afeiçoou com a primeira pra realmente se importar. Ela tem um gigantesco tempo de tela, sem que tenha um real trabalho em cima do personagem.

E no final da série, a mãe dela diz “nossa, você mudou”, sem que isso seja de fato passado por nós, não vemos a transformação de personagem, apenas somos informados que ela está diferente. Ainda nessas linhas, o mesmo vale para o romance dela com o Ide Ko, não existe gradação. Somos apenas obrigados a aceitar que ela se apaixonou por ele, tão perdidamente quanto a Haruko tem uma obsessão pelo Atomsk. Todo o ato final precisa que ele seja equivalente, mas nem de longe o é.

Falando em Haruko, ela faz o que pode, e é de fato o único motivo de eu ter conseguido terminar essa história. Claro que ela, como uma força da natureza, um símbolo de liberdade, precisa de um contraste para funcionar. Infelizmente ninguém chega sequer próximo do contraste feito na primeira temporada.

Mas a produção não se contentou com uma personagem exótica lutando com guitarra, e introduziu a Jinyu, uma personagem que nem a grandiosa Miyuki Sawashiro (Fujiko Mine, Celty) conseguiu tirar algo. Ela devia ser um contraste, uma parte mais insegura da Haruko, mas é exatamente pra isso que devia servir a protagonista.

No entanto essa é a estratégia de Progressive. Não deixar o roteiro com o menor número de personagens e trabalhar, mesmo que um pouco, todos eles. Mas sim colocar um elenco inchado, do qual se cortássemos metade, não haveria qualquer perda.

E digo isso mesmo ciente que a melhor personagem nova, Aiko, é única e exclusivamente gordura. Ela teria dado uma boa protagonista, tem uma personalidade interessante, faz coisas, quer coisas, mas talvez isso fosse pedir demais de Progressive.

Visualmente genérico

Pergunte para qualquer pessoa que goste de FLCL, qualquer uma, qual os pontos mais fortes do original. Chances altíssimas são de citarem a estética. FLCL é lindo, não só no quesito de fluidez de animação, mas em enquadramento e composição.
Já o Progressive é, em sua maior parte, um anime qualquer. Uma colorização pastel esquecível, uma coreografia pobre de combate, com golpes sem peso, e uns robôs absolutamente genéricos. Sério, nenhum dos robôs é sequer minimamente memorável, ao ponto que retornam com o Canti no final para consagrar a derrota.

Mas tudo isso muda no episódio 5. O episódio 5 é o que deveria ser Progressive, pelo menos visualmente e em direção, ousado, experimental, com um coração. Foi quase como se eu olhasse por uma janela para um mundo paralelo onde a equipe original decidiu fazer uma sequência. O traço é mais agressivo, as cores mais vivas, as piadas com punchlines funcionais. 

Ele experimentou com diferentes estilos visuais, os golpes tem peso. Em resumo, pegue o quinto episódio de Progressive, assista, e jogue o resto fora. Realmente me fez colocar o diretor, Suezawa Kei no radar. Inclusive todas as imagens do texto são do episódio 5.

Outro ponto que ousa um pouco mais são as sessões de sonho/visão do futuro, que bizarramente tem pouca ou nenhuma função para o roteiro além de um foreshadowing da “segunda personalidade” da protagonista. E quem dera isso fosse a única coisa inútil do roteiro.

Soft Remake

A pior parte do Progressive é querer desesperadamente ser o FLCL original. O roteiro é um remix do original, só que pior. Os personagens são todos remixes, só que com posições trocadas (e piores). Progressive não consegue se encontrar nem enquanto homenagem, nem quando uma coisa em si.

E essa é a pior parte, nessa patinação toda acaba não entregando coisa nenhuma. Acaba sendo tedioso, enfadonho, descartável. Seus personagens não tem espaço para brilhar, por ficarem a sombra do elenco antigo. Sua mensagem fica enroscada no meio, pela cacofonia de um milhão de elementos que estão lá só sobre a referência.

No final Progressive olhou tanto para trás, que esqueceu de ouvir sua própria mensagem, e seguir em frente.

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