A Nostalgia de After the Rain

After the Rain foi um anime lançado na temporada inverno de 2018, produzido pelo estúdio Wit (Mahoutsukai no Yome, Hozuki’s Coolheadedness). A obra é uma adaptação do mangá homônimo de Jun Mayuzuki (Sayonara Daisy), e conta com 12 episódios. Foi dirigido por Ayumu Watanabe (Children of the Sea, Space Brothers) com series composition de Deko Akao (Amanchu!, Arakawa Under the Bridge).

Chove chuva

After the Rain conta a história de Akira Tachibana, uma atleta de 17 anos que, devido a uma lesão, se viu obrigada a abandonar o time de atletismo escolar. Tachibana passa então a trabalhar meio período num restaurante, gerenciado por Masami Kondou, um tiozão de meia idade, por quem acaba apaixonada.

Uma coincidência curiosa é o quanto de anime com atletismo tivemos ano passado: Devilman Crybaby, After the Rain, Umamusume e Run With the Wind. Mais interessante ainda é perceber o quão largamente os quatro diferem entre si. Serve como um retrato que o como é muito mais relevante que o que.

Mas voltando a After the Rain, pra um anime com chuva no nome, era de se esperar que ela tivesse uma função grande no roteiro. E tem mesmo. A chuva em After the Rain é majestosa, linda e solene. É bastante interessante como o anime ressignifica água caindo do céu. Nunca é sobre tristeza, sobre um personagem aleatório que morreu e os céus choram em resposta, muito pelo contrário, a chuva normalmente se faz presente em momentos de catarse emocional.

Um exemplo logo no começo, é quando a Tachibana enfim se declara para o Kondou, lá pelo quarto episódio. Ambos estão na chuva, que cai barulhenta. Mas no momento em que ela diz “eu gosto de você”, a direção espertamente abafa o som ambiente e deixa o impacto acertar em cheio no Kondou. A chuva não é um mero adereço bonito para mostrar primor técnico, ela significa muito para a relação deles, para quem eles são, e entrecorta toda a narrativa.

Estilo é substância

Recentemente entrei em discussões infrutíferas com anônimos no Curious Cat acerca do visual de uma personagem de Re:Zero. Para aqueles que não tem a paciência e/ou disposição pra ler, personagens não são apenas suas falas.

Personagens são como se comportam, suas reações, suas vestimentas, seu design. Tudo faz parte da composição do ser de um personagem. After the Rain entende isso e transforma um traço quase que clássico em linguagem. O amor infantil e puro que Tachibana sente pelo Kondou, um amor pueril vindo de uma necessidade de pertencer, se alinha bem com um visual de tempos mais simples que a personagem carrega.

Mesmo o próprio Kondou, sempre cansado, representado com olheiras, fumante, meio desleixado, comunica sobre o próprio arco que ele está preso. A obra tomou o cuidado de evitar colocar falas desnecessárias na boca dos personagens. Sempre que poderia passava a mensagem de forma não verbal, seja pelos gestos, seja pela forma como a personagem se veste.

Como exemplo disso, temos o episódio em que a Tachibana vai a dois encontros, um primeiro com o cozinheiro, Kaze, e o segundo com o próprio Kondou. No primeiro, a protagonista está absolutamente a contragosto, presa ao quase predador sexual Kaze, seguindo com um roteiro para evitar que seu segredo seja tornado público. No segundo, está absolutamente à vontade, e a mudança entre o estilo de vestimenta entre um e o outro deixa isso bastante claro.

O anime como um todo é cheio dessas escolhas elegantes, que encorpam a narrativa, confiando na inteligência do espectador de não ser necessário verbalizar o óbvio. O que faz saltar aos olhos a sequência final do último episódio, com o plano do céu e ambos prometendo realizar seus sonhos, parece algo deslocado, óbvio e brega demais, para uma série que se preocupou tanto com as entrelinhas.

Pássaros que desistiram de voar não se lembram dos céus

Eu gostaria de evitar cair na grande falácia do “esse mecha, diferente dos outros, se foca nos personagens” com After the Rain. Então, não vou dizer que esse romance, diferente dos outros, se foca nos personagens. Não que ele não se foque, mas por não ter uma base extensa o suficiente para dizer algo sobre os outros.

Me basta então dizer que After the Rain não é bem sobre romance. Pouco se tem neste quesito, e é bom que permaneça assim. After the Rain é uma história sobre pessoas quebradas, que juntam os cacos uma das outras empurrando-as para o futuro.

O Kondou, por exemplo, absolutamente tragado pela vida de assalariado japonês, ao entrar em contato com uma garota colegial, se permite voltar a sonhar. Não é exatamente sobre ele amar aquela garota, é sobre o sopro de uma juventude inocente que ela traz consigo.

Já no caso da Tachibana, também não é um amor muito profundo. Isso fica bastante claro quando, depois do primeiro encontro, o Kondou pergunta o motivo de ela o amar. A resposta, também em tom de pergunta, é de se é necessário um motivo para amar. 

A Tachibana não ama de fato o Kondou, ela ama o que ele representa, um porto seguro num momento de fragilidade. Uma mão amiga num momento de necessidade. Um ninho até que ela possa voar novamente.

Tanto o Kondou como a Tachibana são espelhos. Enquanto um enxerga seu passado no outro, o outro enxerga seu futuro no primeiro. Isso é mais que claro pela forma como o arco deles se completa, se apoia e se ajuda. Seja na insistência de um amigo próximo em empurrá-los pra cima, seja ao se fecharem com medo de se machucarem.

Outro ponto de intersecção que vale ser comentado é como ambos lembram do que amam, passando pra frente. Tanto o Kondou, mostrando a literatura para a Tachibana, como a Tachibana ensinando o filho do Kondou a correr. É um método não muito utilizado em histórias de apresentar a educação. Uma ferramenta de transformação não apenas para quem aprende, como também para quem leciona.

Numa nota secundária, eu ando vendo muita porcaria ultimamente, e como é refrescante passar por um anime que não é só um amontoado de tropes sequenciados em busca de um mercado qualquer. After the Rain tem personagens, com arcos, ideias, conflitos e características, não uma retroalimentação de outras quatrocentas obras idênticas.

Depois da Chuva

After the Rain é, tranquilamente, um dos melhores animes do ano passado. Doze episódios, completinho, quase sem gorduras, mas isso não me impede de falar mal de uma coisa, o personagem do Kaze.

Ele é introduzido como um contraste com o Kondou. Embora também adulto, ele ativamente procura menores de idade para “ensinar”. Só que a história absolutamente esquece ele depois do encontro. É muito estranho como ela sinaliza um conflito e não desenvolve, deixando ele como um apêndice bizarro que talvez faça sentido na sua contraparte em mangá.

Mas agora de fato fechando em uma nota positiva, como After the Rain é visualmente soberbo, e isso perpassa todos os aspectos, de character design a background art, e me faz pensar o quão pobre é olhar pro visual de um anime apenas como sinônimo de animação fluída.

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