A Internet, obras independentes e sua inserção no mercado de Mangás e Light Novels

A publicação de mangás e light novels desde o seu começo seleciona artistas e escritores de diferentes idades e sexos através de entrevistas e seleções presenciais diretamente com um editor. Este é o método mais comum em ambos os mercados desde a fundação das mídias. Se você quer ser um mangaká ou um novelista, você irá até alguma editora oferecer o seu trabalho para avaliação. O que você provavelmente não sabia é que existe um outro método desde o começo dos anos 2000 graças ao advento da internet: a própria editora indo atrás do seu trabalho. Não entendeu? Eu explicarei.

Como mencionado anteriormente, com o advento da internet, muitas coisas surgiram. A maioria delas você, na sua realidade brasileira, já deve conhecer, incluindo a criação de histórias por parte de fãs na internet. Obviamente, nada disto é novo, mas a ferramenta facilitou a distribuição dessas histórias, fanfics, quadrinhos e etc. E no Japão isto também ocorreu. Apesar de ser um país diferente, também passou pelo mesmo, com a diferença de que o mercado de quadrinhos e livros deles é muito maior que o nosso com uma distância consideravelmente grande.

No país, o mercado de doujins já existe desde os anos 70 com suas diversas mídias. A Comiket está sendo feita há décadas com distribuição de diferentes tipos de material, porém, a internet ofereceu uma plataforma ainda maior para grande parte das pessoas. Embora isto tenha ocorrido mais tarde, nos anos 2000 e um pouco mais próximo dos anos 2010, em questão de mangás.

Desde esse período depois da metade da década, nos começamos a ver vários mangás sendo publicados, sejam eles em blogs, sites ou mesmo em redes sociais como Twitter e sites para artistas como o Pixiv. Um grande número de mangás da década atual começaram desta forma amadora antes de serem lançados oficialmente. Como exemplos nós temos: One Punch Man que começou como publicação no blog do autor ONE antes de ser contratado pelas editoras Shueisha para o remake em colaboração com o Yusuke Murata; Tsurezure Children, que começou no próprio site do autor em 2012 antes de ser contratado pela Kodansha para ser publicado na antologia Shonen Magazine em 2015; Wotakoi: Love is Hard for Otaku começou sendo uma história publicada no Pixiv até que foi selecionado pela editora Ichinjinsha e o Pixiv para fazer parte da antologia digital comic pool e depois ser publicado fisicamente; Nagatoro-san começou também como pequenas histórias no Pixiv antes do autor ser contratado pela Kodansha para publicar as histórias no app/site Magazine Pocket, dentre outros exemplos que não são poucos…

Obviamente, em todos esses casos os autores viraram mangakás profissionais e essas histórias, em muitos casos, pararam de ser publicadas nesses sites originais para que eles pudessem seguir uma carreira profissional com um editor para assessoria e uma editora distribuindo e publicando o trabalho deles.

 

Shousetsuka ni Narou e as Light Novels

Tendo já falado sobre as publicações de mangá na internet por amadores (não confundir com web mangá, estes são publicados por editoras em apps ou sites como shonen jump+ e ura sunday), agora vamos nos focar em publicações de novels na internet que são popularmente conhecidas como web novels.

A criação de novels de forma amadora já existia muito antes da internet. Fora o próprio doujin feito por fãs, havia também a criação de novels pelo celular muito antes da criação de smartphones com as histórias sendo escritas ali mesmo e sendo compartilhadas em forma de mensagens e outros formatos. Com a popularização e maior uso da internet, no início dos anos 2000 começamos a ver a criação de novels também neste meio, seja com pessoas criando histórias em seus blogs, em fóruns como o 2ch, sites para as próprias novels como Reki Kawahara para Sword Art Online em 2002 e sites para publicação e leitura de novels, com o maior e mais famoso deles sendo o Shousetsuka ni Narou (que traduzindo significa “vamos ser novelistas”).

 
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O site Shousetsuka ni Narou
 

Shousetsuka ni Narou é um site criado por Yusuke Umezaki em 2004 e como mencionado anteriormente, o site foi feito para compartilhamento de novels e leitura das mesmas, inclusive com opções de download das novels em formato de pdf e txt. Nenhuma dessas duas opções necessitam de contas no site, porém, para fazer outras coisas, como postar reviews e comentários sobre as novels, função de update e marcação do que leu, dentre outros, a criação de uma conta é necessária.

O site desde então teve um boom com sua criação e se popularizou durante os anos seguintes, se tornando um dos sites mais populares do Japão com mais de 800 mil usuários registrados, mais de 400 mil novels e mais de 1 bilhão de visitas por mês. Além de ser um site enorme, desde a era dos smartphones, o site passou também a ser usado pelo celular, seu design ajudando bastante nesta propagação. O site se tornou tão grande que várias editoras no ramo de Light Novels, como a gigante Kadokawa com todas as suas editoras e várias outras, criaram em colaboração vários concursos literários para obras criadas no site.

Apesar disso, a grande maioria das obras que vieram a ser oficiais não vieram de concursos, mas sim através do contato direto das próprias editoras. O site possui um top 30 e vários tops 5 das novels com mais visualizações e qualificações, então, não é de se surpreender que as editoras passaram a captar histórias dos sites para publicação com facilidade. Como a empresa com maior porcentagem no mercado de Light Novels, com uma quantidade de 70%, a Kadokawa obviamente foi a que teve o maior papel nisso por ter 5 editoras diferentes de publicação de mangá, light novels e livros. A grande maioria das obras foi adquirida pela Kadokawa, mas outras acabaram indo para editoras menores como Hobby Japan, Micro Magazine, Overlap e Ichijinsha também.

A Transição de web para light e os trabalhos mais conhecidos

Essas obras populares que começaram em sites atraem o interesse das editoras, que por sua vez contactam o autor da web novel para a publicação da série em formato físico como Light Novel. O novo livro acaba sendo reescrito com base na história original com um editor responsável pela obra editando o progresso. É contratado também um ilustrador para fazer a capa, criar os designs dos personagens e desenhar as artes entre as páginas das novels. Em alguns casos, a web novel no Narou continua a existir e ser escrita, mesmo com a publicação da Light Novel acontecendo, e em outros a série é encerrada no site e continua somente de forma oficial para incentivar a compra. No fim das contas, essa é uma decisão que precisa ser tomada em consenso entre autor e editora.

Centenas e centenas de obras já foram adquiridas pelas editoras japonesas para serem publicadas como light novels, com várias delas ganhando adaptações de mangá e algumas até mesmo ganhando adaptações de anime com os mais famosos sendo: Overlord; ReZero; Restaurant to Another World; Konosuba; Log Horizon; I Want to Eat Your Pancreas; That Time I Got Reincarnated as a Slime; The Irregular at Magic High School; Shield Hero e tantos outros que podem ser vistos na página do Shousetsuka ni Narou na wikipédia americana se o interesse por ver quais outras obras que ganharam adaptações começaram no site o fisgar.

 

Tendo dito tudo isso, pode parecer que o mercado de Light Novels tem em sua maioria produtos que começaram de forma amadora antes de serem adquiridos, porém, assim como em mangás, o mercado de Light Novels é gigantesco em quantidade de títulos publicados, então centenas e centenas de obras não são quase nada em comparação do total que ainda é composto por obras que começaram como Light Novels em primeiro lugar.

O objetivo desse texto foi dar uma visão de como a publicação amadora,seja com doujins ou pela internet como o texto foca, tem influência nas indústrias de mangá e light novel pela popularidade dessas obras no seu meio original. Esta popularidade, por sua vez, faz com que esses trabalhos virem obras oficiais e carreiras comecem devido a isso, o que sempre achei interessante desde a minha descoberta desses meios e como eles acontecem.

 

 

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