Os problemas de Darling in the Franxx

 

Eu gostei da primeira metade de Darling in the Franxx. Acreditei que seria um anime promissor. Até fiz uma artigo falando como mesmo com problemas, a série tratava seus temas de forma interessante sem ser invasivo.

Mesmo não tendo nada inovador, o anime parecia algo gostoso de assistir e redondo. O foco nos personagens e a forma com que vários deles eram abordados, o arco de crescimento de alguns e como eles se identificavam como pessoas me agradou muito. A construção daquele mundo era um tanto nebulosa, mas não soava forçada. De qualquer forma o foco não era o macro, e sim o micro.

Por outro lado, a segunda metade provou que eu estava errado em dar crédito ao anime.

A partir da segunda metade do anime, ele mostrou que na verdade não sabia qual era sua própria mensagem. A série enfiou tantos elementos de uma vez que deixou os personagens cada vez mais desinteressantes. Além disso, a  completa falta de controle de ritmo do anime quase passou uma mensagem problemática (que depois do final, percebi que não era algo mal intencionado, apenas mal escrito). Como anteriormente eu falei muito bem desse anime, me senti na obrigação de fazer este texto contendo minha opinião final sobre o mesmo.

Ah, alguns spoilers serão inevitáveis no texto.

 

Conflitos Artificiais

 

É Fácil ver quais obras Darling in the Franxx usou de referência. Temos cenas muito parecidas com Evangelion, Top wo Nerae, Bokurano, Gurren Lagann. Não há problema em repetir o que já foi feito, tropes podem ser bem aplicados e ressignificados. Mas Darling in the Franxx não entende o que faz as obras que o inspirou serem tão impactantes. As reviravoltas não tem o peso necessário e só soam artificiais. Algumas cenas parecem que só foram jogadas lá, sem terem um real impacto na trama ou nos personagens.

Em certo momento descobrimos que Zero Two na realidade é um clone da rainha Kluxsaur (pra surpresa de ninguém). Sabe qual o peso que essa informação teve nos personagens? Isso mesmo! Nenhum!

Também descobrimos que os Franxx são feitos a partir de Kluxsaurs, e que aquelas criaturas gigantescas também eram pilotadas, então os personagens ativamente também estavam matando um piloto…E isso não leva a absolutamente nada.

Também temos acontecimentos que parecem querer construir algo forte, mas simplesmente não vão a lugar algum.

Zorome é o primeiro a descobrir que os Parasites envelhecem de forma acelerada, mas isso tem menos impacto do que deveria. Apenas dois personagens sofrem de fato com isso, e no final, eles resolvem esse problema sem nenhum real conflito.

Kokoro descobre estar grávida quando estava sem memorias, e que não poderá pilotar nesse estado. Naquele momento, um filho para Kokoro significava um obstaculo indesejado, e lhe foi dada a opção de aborto. Mas esse conflito é resolvido em minutos e em offscreen,  decidiu ser mamãe mesmo.

Nenhum grande acontecimento no plot parece impactar os personagens de forma significativa, pois ao longo da série eles foram ficando cada vez mais artificiais. Na verdade,  o senso de causa e consequência desse anime é muito estranho.  Tive a impressão de que quase tudo no anime só foi acontecendo, ao invés de ser desencadeado por ações dos personagens.

 

Personagens que diminuíram ao invés de se expandirem.

 

O que mais me interessou no anime foram os personagens, mas ao longo do tempo eles simplesmente se perderam. Hiro era um protagonista que teve sua auto estima abalada por não conseguir pilotar um Franxx, pois naquele mundo ele passou a vida inteira sendo ensinado que seu propósito ali era pilotar um Franxx e proteger adultos. Quando Hiro conseguiu pilotar com Zero Two, viu nela a oportunidade de fazer parte de algo novamente. Aos poucos Hiro foi notando que há muito mais além de pilotar Franxx e que sua vida pode ter outros valores.

Na segunda metade, Hiro ama Zero Two tão profundamente que vive em função dela, quase tudo que ele fala é sobre ela. Depois que ele encontrou a coisa que mais importava para ele, tudo naquele personagem que não a envolvia passou a ser extremamente menor.

O mesmo vale para Zero Two, que era agressiva, anti social e olhava todos como uma ferramenta para seus objetivos, mas ao longo do tempo foi encontrando humanidade e aprendendo a valorizar momentos e pessoas. Mas os problemas de sua personalidade ainda foram a tona e ela quase matou quem ela mais amava sem perceber.

Na segunda metade, Zero Two ama Hiro tão profundamente que vive em função dele. Vocês entenderam onde quero chegar.

Zero Two e Hiro se transformaram em personagens unilaterais que só servem para esfregar uma mensagem na sua cara. E isso não se limita a estes dois personagens. Outros personagens que tinham bastante potencial, como Kokoro, Ikuno e Mitsuru acabaram se perdendo ao longo do anime e ficando cada vez mais rasos.

Aliás, a Kokoro foi minha personagem favorita na primeira metade. Ela tinha defeitos, desejos, dúvidas e estava aprendendo a lidar com tudo aquilo e amadurecendo. No percurso de seu amadurecimento, Kokoro acabou quebrando uma promessa e machucando alguém. Mas ela percebe seu erro, e através do erro, ela evolui e ajuda uma pessoa a seguir em frente. Kokoro diz que perdão é importante, mas não se vê no direito de cobrar isso de alguém. Ela sabe que a dor de alguém machucado é pessoal, e não cabe a ela dizer como lidar com isso. Kokoro em um único episódio se mostrou a personagem mais humana e madura da série. É uma pena que a resolução de Kokoro gerou um ódio completamente infantil  e machista em parte da fandom. Cobrar responsabilidade afetiva de uma criança por ter feito uma promessa vazia sob pressão é algo muito feio.

Não odeie uma menina com menos de 14 anos por falar algo sob pressão.

Dito isso, Kokoro na segunda metade  perdeu quase todo seu carisma. A personagem virou alguém com o único propósito de ser mãe.

Antes do último episódio, senti que o anime estava querendo passar uma mensagem bastante problemática sobre relacionamentos.

 

Mensagem problemática

 

Darling in the Franxx  claramente quer falar sobre sexualidade e relacionamentos. O drama da maioria dos personagens está atrelada a  algum tipo de relacionamento. Ichigo tem um amor não correspondido por Hiro e por consequência não corresponde a paixão de Goro, Mitsuru se sente traído por Hiro por ele ter quebrado uma promessa, Hiro quer entender e se relacionar melhor com 02. Além dos dilmas de cada personagem, a forma com que se pilota um Franxx é um simbolismo para relações intimas, e ao longo dos episódios ele toca em temas como puberdade, amor e atração.

O problema é que apenas as formas heteronormativas são realmente bem trabalhadas.

No anime temos dois personagens LGBT, Ikuno e Mitsuru, e ambos são representados de forma muito problemática.

Ikuno é lesbica e tem um amor reprimido por Ichigo, e isso claramente a frustra. Ela não se da bem com seu parceiro, ao se ver incompatível com uma outra garota ela se sente mais frustrada ainda e em um momento do anime, um personagem explicitamente verbaliza o quanto Ikuno sofre e tem raiva pelo fato de não conseguir pilotar com outra garota e nunca ver seu amor por Ichigo ser correspondido de alguma forma…Tudo isso para no fim das contas, Ikuno enxergar seu amor como problemático, deixa-lo de lado.

Enfim, Ikuno se relaciona com Naomi, uma personagem mal aproveitada que só apareceu como puro plot device. A impressão que fica é que isso foi usado apenas para não deixar Ikuno sozinha. Nunca houve uma construção real da Naomi, tampouco um relacionamento dela com outro personagem. E olha que a série teve várias oportunidades de aprofundar a personagem. Hiro antes de se tornar unilateral demosntrava em certas cenas preocupação e responsabilidade por ela.

Se ao invés de gastarem um episódio inteiro com flashback expositivo, tivessemos mais lembranças da relação que Naomi teve com a equipe 13 no passado, esse relacionamento poderia ter sido mais palatável.

Mitsuru é bissexual e teve uma paixonite não correspondida por Hiro na infância. Escolher alguém para pilotar um Franxx sempre foi retratado como algo intimo e muito importante. Mitsuru e Hiro prometeram pilotar juntos (o que no mundo do anime, é quase um pedido de namoro) quando crescessem, mas Hiro esquece essa promessa. Isso o deixou frustrado durante anos e gerou todo um arco para superar essa frustração. Porém, ele só de fato consegue seguir em frente ao tomar pra si ser pai como um objetivo de vida. Isso por si só não é um problema, porém neste contexto, o personagem se limita ao invés de expandir.

Afinal. o anime aponta que um dos principais problemas naquele mundo, é a falta de reprodução entre humanos. Também usam a gravidez da Kokoro como um raio de esperança para o seguimento da humanidade.

O anime só valida personagens LGBT nos momentos finais, e de forma rasa. Não há nenhum problema em contar uma historia onde se use o desejo de ter um filho como algo belo, mas no momento em que você coloca outros tipos de relacionamento e não os coloca em pé de igualdade, acaba sendo problemático.

Toda obra passa uma mensagem, querendo ou não. Historias são contadas por pessoas que tem uma visão de mundo, e essa visão irá se refletir na obra. Se você não tomar cuidado, poderá passar uma mensagem infeliz.

 

No fim, Darling in the Franxx não tem nada de novo.

 

Enfim, Darling in the Franxx tinha potencial e me cativou por um momento, mas se perdeu completamente. Ele teve momentos que legitimamente me interessaram, mas seus vários problemas deixaram o anime preso na mediocridade. E parando pra pensar, isso é o que mais me frustra. Darling in the Franxx não tentou nada novo, não se aprofundou verdadeiramente em nada.

Eu realmente queria gostar de Darling in the Franxx. O anime tinha bastante potencial, mas não soube lidar com ele e mesmo jogando no seguro, não jogou bem.

Parte de mim queria dizer que ele foi ousado em algum aspecto e “ao menos tentou” alguma coisa nova. Porém, a verdade é que o anime só parece ter pego formulas que deram certo no passado e não soube aplica-las, deixando uma sensação de algo vazio e esquecível.

Darling in the Franxx poderia ser um dos melhores animes do ano, mas acabou se tornando uma das maiores decepções.

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