O valor comercial do moe em Nadeko Snake

Nadeko Snake foi o primeiro conto do segundo volume de Bakemonogatari e o primeiro que não havia sido publicado anteriormente na revista Mephisto. Foi publicado junto com o conto Tsubasa Cat no segundo volume de Bakemonogatari que foi lançado sob o selo Kodansha Box. Em Nadeko Snake, Nisio Isin reune os conflitos, dúvidas e mensagens da continuidade dos contos da revista Mephisto e os expõe de forma explícita para servir de base para o desenvolvimento de uma conclusão em Tsubasa Cat.

Faz mais de um ano que fiquei de falar sobre Nadeko Snake e no entanto, eu tive um bloqueio. É claro, outras coisas aconteceram também e a procrastinação se tornou uma inviabilidade do tempo. Especialmente por que eu não iria reler Bakemonogatari tão cedo logo após ter acabado de ler. Porém, o motivo principal foi simples. Eu não conseguia entender muito bem o valor temático de Nadeko Snake para Bakemonogatari a não ser como uma ponte para trabalhar o background e a personalidade de alguns personagens.

Eis que por um motivo muito especial, muito difícil de prever, eu tive que reler Bakemonogatari e tive uma nova impressão de todos os contos, em especial de Nadeko Snake. Para começar, conforme ia relendo, reescrevi alguns trechos e adicionei novas impressões nos meus textos anteriores. E agora, darei continuídade a minha análise da primeira temporada de Monogatari. Peço desculpas pelo longo prefácio (e pela demora), mas achei adequado atualizar os leitores dos textos antigos.

Todos nós temos nossas próprias preferências. Os valores e racionalidade que mantém intacta nossa suspensão de descrença. Os fatores que tornam uma obra ou um personagem interessantes para nós. E é claro, o oposto também é verdade. Existem coisas que quebram a ilusão do consumo e nos fazem sentir o vazio ou a falta de apelo de uma obra ou personagem em uma esfera pseudo-objetiva, que na verdade é subjetiva e que alguns tratam como se fosse objetiva.

Em Nadeko Snake, Koyomi Araragi descreve a quebra da ilusão quando diz que o momento em que o moe perde seu apelo e se torna apenas um chamariz comercial é quando pode-se definir o conceito com apenas uma característica de personagem. Especificamente, neste diálogo com Kanbaru, ele estava se referindo a forma como Kanbaru disse que ele devia aceitar a natureza puritana de Senjougahara como símbolo de sua inocência e timídez e tomar a iniciativa por si. Obviamente, Senjougahara não se define de forma tão simples assim em sua inocência e “timidez”, as razões para ela agir vão muito além disso, e se alguma coisa, ela é extremamente honesta e desinibida. Araragi rejeita essa ideia, rejeita a característica timídez e o discurso vazio do moe comercial.


O que é basicamente o que Nadeko Sengoku representa, a personagem que pode ser definida apenas pela sua timidez e por ser bonitinha. O tipo de personagem que está fadado a ser a vítima. Uma personagem desconexa com a maneira com que todos os outros haviam sido construídos na série até então, que embora possuam traços de tropes que poderia defini-los, são formados pelas suas complexidades e individualidades bem marcadas não só pelo que transcorre nos eventos dos contos, mas até mesmo na sua maneira de se expressar e dialogar.

Ela é objeto de ressentimento. O ódio causado pela inveja e pela rejeição. Por ser o objeto de afeição de um garoto, a rejeição dela causa este tumulto de sentimentos. Por ter sido o objeto de afeição do garoto e não tê-lo apreciado, se torna receptáculo da inveja de alguém que apreciava o que não poderia ter. E tudo isto, pelo simples fato de que a Nadeko é “pura” demais. Por que ela guardou consigo o amor que tem por Koyomi desde sua infância. O charme se tornou uma maldição.

Tanto o charme que o garoto rejeitado e a pretendente compraram como uma forma de dar o troco em Nadeko, quanto o charme que a própria Nadeko possui que se voltou contra ela. Evidenciado não só pela Jagirinawa, que é literalmente o charme se transformando em maldição quando as más-intenções entram em contato com o bizarro do templo Kita-Shirahebi, quanto pela constatação de baixa auto-estima que define a rejeição que Nadeko sente pelo próprio corpo e aparência.

Eis que as mesmas características que transformam Nadeko em um personagem moe, são o motivo pelo qual ela sofre tanto. A idealização é subvertida em toxicidade, o arquétipo se volta contra o personagem. A construção de Nadeko deixa claro que nesta narrativa, ela só pode ser utilizada como uma ferramenta, que ela não tem voz, não tem vida. Dentre todos os personagens, mesmo a Hanekawa que só aparece em um dos capítulos do conto, a Nadeko é quem menos tem voz. Ela é aquela que não consegue utilizar o Manzai durante os diálogos com os outros personagens, aliás, ela quase não participa de diálogos com os outros personagens. Mesmo quando há diálogo expositivo sobre a situação ou história dela, o diálogo é feito pelo Koyomi e não pela Nadeko.

E de forma muito distinta e interessante da sua contraparte animada, Nadeko não desperta a sexualidade de Koyomi. Ele não nota a afeição que ela tem por ele, ele não se perde em detalhes referentes ao corpo dela, ele está mais preocupado e entretido em uma discussão com Kanbaru sobre shorts de volley do que em Nadeko que está semi-nua na frente dos dois. E quando há uma constatação de “pensamentos sujos” da parte dele, é uma constatação forçada por Kanbaru para que Araragi não seja “rude” com Nadeko por não se interessar por ela. Mesmo para Araragi, é quase como se a Nadeko não existisse não fosse pela sua posição de vítima.

É importante entender que em Monogatari, a sexualidade é tratada não só como um aspecto psicológico e biológico de seus personagens, mas também como uma ferramenta de roteiro para representar a aproximação e vulnerabilidade emocional deles. Para isto funcionar, é vital que Koyomi seja auto-consciente de suas perversidades e consciente das incitações, implicâncias e beleza das outras personagens. O que é bem irônico, que justamente neste conto, isto é constatado sutilmente pela narrativa, mas não pelo narrador. É quase como se Nadeko não pudesse se qualificar para estar ao lado das outras “heroínas”, como se estivesse em um grupo à parte delas. E de fato, está, como é constatado por Oshino.

Além de uma estranha figura de mentor para Araragi, Oshino tem um trabalho e um papel como mediador para alcançar o equilíbrio. E por trabalho, eu realmente quero dizer “remunerado” de alguma forma, ele não faz algo que não dê algum retorno para ele, ele não é um bom samaritano como o Araragi que sempre está disposto a ajudar todo mundo. Com exceção no caso de Nadeko. Isto, porquê na visão de Oshino, ela é apenas uma vítima da situação, uma desafortunada. Enquanto todos os outros, Araragi, Hanekawa, Senjougahara e Kanbaru basicamente deram o pescoço para o vampiro beber sangue. Eles entraram em contato com as aberrações, aceitaram elas e incitaram elas. Oshino enxerga todos como responsáveis de suas próprias situações.

As próprias aberrações vão além de um “monstro” ou de um “inimigo”, elas operam pela sua própria natureza e não por malícia inata, até mesmo a Jagirinawa só age por causa da vontade de alguém. Dentro da narrativa de Bakemonogatari, as aberrações tomam o papél de representar um conflito psicológico em determinado personagem e o problema só é solucionado quando ocorre uma aceitação ou uma transformação por parte do personagem que está sendo afetado. Isto é algo completamente ausente no caso de Nadeko, nada muda quando o seu problema é solucionado, ela não passa por transformação alguma. E nem teria como, neste momento, Nadeko está sendo usada para representar um produto genérico, tanto o era que Koyomi nem mesmo lembrava dela. É o contraste da personalidade desinibida de Nisio Isin que escreve seus personagens de forma auto-indulgente e lhes permitindo ter a voz que precisam ter, comparado com um personagem que qualquer um poderia escrever, mas utilizando-o de forma diferente para um argumento meta-narrativo.

O moe é um conceito que não pode ser definido de forma universal, é um sentimento de apego, carinho e proteção que afeta diferentes públicos de diferentes formas. O que Nadeko Snake nos mostra, é que definir um personagem de forma tão simples para apelo comercial geralmente os torna menos interessantes, ao ponto que torna difícil despertar o moe em alguém. Mesmo que neste caso, seja reconhecido no diálogo entre Koyomi e Kanbaru – e pelo autor- , que não importa que seja este o caso, se a obra está conseguindo vender assim, então não tem nada de errado com isto. Afinal de contas, existe um público para isto, não é mesmo?

Podemos conceber o conceito do moe do Araragi – também relacionado com sua disposição sexual – através das outras heroínas e isto é mais um aspecto trabalhado neste conto. Koyomi é descrito como fraco de vontade por si mesmo e por Hanekawa. Isto por causa da predisposição dele de deixar Kanbaru se aproximar demais dele e ter um contato físico com ele que nem mesmo Senjougahara tem neste momento e também por causa do teste que Hanekawa fez com ele, quando fingiu que iria beijá-lo.

A percepção de Hanekawa do Araragi é interessante, ela consegue entende-lo e ver através dele, mas ela também projeta uma expectativa e seus próprios sentimentos nele. Primeiro, ela acreditava mesmo que Araragi era tão fraco de vontade que iria beijá-la, no entanto, embora ele tivesse hesitado, o diálogo interno do protagonista nos revela que ele ia parar e o conflito breve que teve, não foi só por sentir atração por Hanekawa, mas por ter uma dívida, por que ela era a salvadora dele. Existe algo dentro do Araragi que faz com que ele rejeite Hanekawa, justamente por ser o objeto de admiração dele, justamente por ser o que ele gostaria de ser. Segundo, quando ela diz que Araragi deve ser mais consciente de seu lugar ao lado de Senjougahara e que sente que para ele poderia ser qualquer uma, isto é claramente uma projeção dos próprios sentimentos dela e do que ela sente por causa da interferência de Senjougahara. Dilemas que serão abordados novamente no próximo conto.

Enquanto com Kanbaru, existe um contraste interessante. A aproximação dos dois surge em função de Senjougahara a princípio, mas a relação dos dois se constrói de forma bem orgânica por causa dos eventos do conto passado. O respeito que os dois tem entre si é mútuo e existe um nível de confiança maior entre os dois por causa do conflito que eles passaram, isto se reflete também no uso das piadas sexuais que é excessivo por parte dos dois. Por isso, a relação de Kanbaru e Araragi, embora não tenha ultrapassado nenhum limite, é muito mais física do que a relação que Koyomi tem com Senjougahara. Não à toa, após um mês do conflito anterior, Kanbaru descreve o relacionamento dos seus senpais como platônico – e se oferecer para ser a escrava sexual de Araragi. Apesar disso, fica evidenciado a vontade fraca do Araragi, por que ele permite que Kanbaru aja como um par romântico com ele de forma que nem Senjougahara faz, sem pensar a fundo sobre os sentimentos que a última poderia ter frente a isto.

A hesitação de Araragi é explicada pela fragilidade do relacionamento que ele tem com Senjougahara. Durante o mês de namoro em que estiveram juntos até este ponto, quase não houve progresso na relação deles. Eles conversam nos intervalos, almoçam juntos e estudam após o período escolar, mas não há contato físico entre os dois e o diálogo deles ainda não é tão íntimo, apesar deles já estarem pensando no futuro. Há um esforço por parte dos dois para que o relacionamento continue e para que o amor entre os dois possa florescer, por isto, Araragi está um pouco mais motivado a se dedicar nos estudos para ir para a mesma faculdade que Senjougahara. Só que nem tão dedicado assim, por que durante a conversa com Hanekawa, ele mesmo inventa algumas desculpas falando da possibilidade de entrar só um ano mais tarde, pois provavelmente não conseguiria passar de cara. Existe uma falta de conexão entre os dois, uma ausência de diálogo e de contato que deixa Araragi sexualmente frustrado.

A frustração não se dá somente por causa do sexo, no entanto. Existem outros problemas que tornam Araragi uma pessoa que necessita de contato humano. Para começar, o deslocamento que ele sente com o próprio corpo por não ser mais um ser humano. O corpo de Araragi é um lembrete constante dos seus maiores pecados, de tudo que ele gostaria de não se importar, um lembrete de Shinobu. Ele é a própria personificação dos acontecimentos do recesso de primavera. Por isto, o contato, físico e emocional, com outras pessoas faz com que Araragi pelo menos possa se sentir humano, assim ele pode suportar e aceitar sua própria existência. Em uma escala menor, Kanbaru e Nadeko sofrem do mesmo problema com a aceitação de seus corpos. É como se os três reconhecessem aquilo que faz deles um personagem desta história e rejeitassem isto.

Também é incômodo para Araragi a sua consciência de sua própria fraqueza, a sua incapacidade de lidar com os problemas sobrenaturais sem a ajuda de Oshino. Mais do que apenas um salvador para ele, Oshino é uma pessoa da qual Araragi dependeu quase que incondicionalmente até este ponto, tanto para ajudar aqueles afligidos por aberrações, quanto por ter aceitado temporariamente a responsabilidade que era de Araragi de cuidar de Shinobu. É um choque para ele quando o especialista diz que não irá ficar na cidade por muito tempo e que uma escolha precisa ser feita.

O ethos que caracteriza Araragi é mais uma anomalia do que princípio. Ele não age como um ser humano o faria em sua natureza. O comum após um encontro com uma aberração é que o afligido procure se afastar o máximo possível de qualquer tipo de coisa que possa fazê-lo passar por uma experiência parecida. Araragi é o oposto disto, ele nunca se afasta das situações que envolvem aberrações, por que o seu instinto é absoluto sobre a sua racionalidade quando se trata de ajudar outras pessoas. Sua bondade é abundante demais e ele se vê incapaz de virar as costas para algo do qual tem conhecimento. E nesta tempestuosidade de conflitos, Araragi está se mutilando.

Mas ele não precisa fazer isto, ele pode ser um humano completo. Ele só precisa rejeitar o seu ethos, se afastar de aberrações… E abandonar Shinobu.

Na conclusão do conto, todos estes aspectos culminam no confronto do Araragi com a Jagirinawa para salvar Nadeko. Quando fica claro que haviam duas jagirinawa e não somente uma que as coisas complicam. Bastava afastar a que havia sobrado de Nadeko que ela estaria bem, mas daí, a maldição que sobrou iria se voltar contra o feiticeiro. E Araragi não pode permitir que isto aconteça, que alguém sofra por causa desse conflito. Então ele decide lutar para exterminar a Jagirinawa, colocando a sua própria vida em risco.

Era uma batalha com uma conclusão traçada, ele iria morrer pelo próprio ideal, ele iria lutar até o fim e falhar. Não fosse por Kanbaru que o salvou na hora certa e o impediu se mover. E é quando Kanbaru precisa fazer isto por ele, que Koyomi sente o peso do quão deturpado é seu amor próprio e seu instinto. Ele nem mesmo estava fazendo aquilo por Nadeko, já que estava protegendo quem havia feito mal para ela. No fim das contas, tanto Nadeko, quanto quem a amaldiçoou, quanto Senjougahara, quanto Kanbaru, quanto Hanekawa e quanto Kissshot são apenas um produto para consumo do Araragi, o nutriente necessário para o ideal que ele precisa alimentar, e quando ele faz isto, ele deixa de enxergar a pessoa, ele o faz apenas por fazer. Ironicamente, o que ele faz com as garotas é o retrato do moe comercial comentado antes, se serve um propósito é consumível e assim segue. É uma bondade sem real significado, sem real propósito, é apenas desespero. Uma vontade absoluta de proteger aqueles que são mais fracos, independente das circunstâncias. E novamente, Araragi precisa encarar isto em frente aos seus sentimentos pessoais e sua relação com as pessoas ao seu redor, por que tal qual no recesso de primavera, o seu ideal não foi capaz de salvar todo mundo e ele precisa aceitar o peso do mau que deixou causar.

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