Unidentified Prince Object: O Isekai do Autor de Gon

Um homem obstinado dirige a toda velocidade em frente, nada o impede, carros, casas, soldados ou até mesmo demônios. Tudo pelo objetivo de se encontrar com a princesa de seus sonhos. Essa é a história de U.P.O.: Unidentified Prince Object mangá de 1 volume do Masashi Tanaka. O mangá foi publicado em 1990 na Morning, mesma revista em que o autor posteriormente publicou Gon, seu trabalho de maior renome.

Aviso de gatilho! Unidentified Prince Object apresenta de forma gráfica nudez e violência contra a mulher, não sendo indicado para pessoas sensíveis ou menores de 18 anos.

Avião fazendo manobras em preto e branco estilo mangá;

Uma história em poucas palavras

Recentemente a Editora NewPop iniciou o relançamento de Gon, e com ela, algumas polêmicas ressurgiram. Em especial, uma discussão sobre o mangá não ter história por ser um quadrinho mudo. Essa foi uma das razões para eu trazer esse outro trabalho do autor para o site.

Essa discussão está bastante datada, mas é sempre importante reforçar que o roteiro de uma história em quadrinhos não se restringe ao texto na página. Ler os diálogos é importante, mas não suficiente, para se compreender uma história.

Normalmente esse tipo de polêmica surge com autores como o Masashi Tanaka que reduzem o seu diálogo ao mínimo. Muito se é dito também sobre o Tsutomu Nihei nesse sentido. E isso acontece especialmente por não sermos ensinados a ler imagens.

Ler um texto, este texto, por exemplo, é consideravelmente trivial. Você começa no canto superior esquerdo e lê, linha a linha, da esquerda para a direita. Pode ser que você não compreenda o que está sendo dito, mas você sabe como ler.

Imagens não são isso, e por isso mesmo, acabam ironicamente sendo subestimadas. O poder de uma mídia visual como são os mangás de comunicar com imagens é por vezes até mais importante que por texto. E isso que nem estou entrando no âmbito da quadrinização.

Duas páginas do embate entre o Unidentified Prince Object e um bárbaro.

Um mestre da narrativa

E é nessa questão que entramos em Unidentified Prince Object. Essa obra que é anterior a Gon e já demonstra o quanto o Masashi Tanaka domina seu próprio estilo e a narrativa dos mangás.

Em pouco mais de duzentas páginas ele nos navega por uma variedade de cenários complexos e muito bem ilustrados no estilo carregado de nanquim em quase todas as páginas.

Durante o volume, temos uma jornada completa que começa em uma vila pacata iluminada de interior e termina em uma megalópole cheia de prédios gigantescos e trevas. O Masashi nos dá apenas o suficiente para compreendermos onde estamos e quais as linhas gerais que nos cercam.

Essa é uma história que não quer pensar o individual de cada um daqueles personagens. Eles são muito mais arquétipos que pessoas no estrito senso. Isso é tão claro na construção da história que eles sequer têm nome. Temos o protagonista, a princesa, a rainha, e tudo isso tem um motivo muito claro.

Cena cartoonesca de Unidentified Prince Object onde um homem usando um poste para saltar um rio dirigindo um carro.

Unidentified Prince Object, uma sátira das fantasias de poder

Caso você não tenha lido U.P.O., peço que folheie pelo menos as primeiras páginas do mangá. Uma coisa que você vai perceber ao fazer isso é o quão cartunesco o mangá é. O Masashi está ativamente puxando das animações dos anos 40-50 em que o personagem vai passando destruindo tudo que vê pelo caminho sem se importar com o que lhe acontece.

E esse é o cerne de Unidentified Prince Object, esse personagem que está lendo um livro de espada e feitiçaria e quer por que quer conseguir a sua princesa. Mais do que isso até, nas poucas falas que temos dele, fica claro que o personagem acredita que merece uma princesa.

A sátira então vem em dois níveis, em um primeiro, ele coloca esses personagens de animação num contexto realista. Isso se dá pelo mangá ter uma arte primorosa. Essa desconexão entre a mentalidade que rege a história e o visual que ela possui traz um humor ácido em si mesmo.

Ao mesmo tempo, o roteiro está fazendo uma crítica as fantasias de poder e ao escapismo que elas proporcionam. A gente tem esse jovem adulto dirigindo o carro em uma época complicada, no caso a 2ª Guerra Mundial, que não se importa com nada do que acontece e só quer voltar aos tempos em que ele podia conquistar uma princesa.

E a história ainda vai além, por que ele consegue entrar no mundo fantástico do livro, se encontra com a princesa, que não o quer, e o que ele faz é tomar ela a força em seus braços e a beijar contra a sua vontade.

Cena de beijo forçado em mangá

A masculinidade tóxica é sobre destruição

O mangá então termina com primeiro ele a beijando e adquirindo super poderes enquanto enfrenta as hordas da rainha. Depois voltando para o nosso mundo com a terra prometida dele em formato de barco e causando um rastro de destruição gigantesco.

Então nós temos um protagonista que vive em uma realidade dura, se refugia não em uma literatura que o empodera sem um pensamento crítico e isso só promove mais e mais destruição.

Para mim é muito claro que Unidentified Prince Object está fazendo uma grande crítica aos leitores desse tipo de ficção, em especial aqueles que abandonam o mundo real para viver na vida do faz de conta. É um mangá bastante ácido que mostra o quanto, mesmo que ele consiga aquilo que ele deseja, no caso o troféu em forma de mulher, a destruição só vai continuar, por que ele não deixou de ser alienado.

Inclusive uma passagem que me pegou muito foi o protagonista olhando a guerra medieval e falando: “que tédio, por que eles não procuram o amor?” O que é bastante irônico no contexto de destruição que ele mesmo causou, e mais ainda se pensarmos que ele demonstra o próprio amor tomando a princesa contra a vontade da mesma. No final, o tédio com a realidade e a recusa em lidar com os problemas do próprio tempo sempre geram alguma violência futura.

O rastro de destruição feito pelo Unidentified Prince Object

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