Kuuchuu Buranko: Como o anime se desafía a retratar problemas psicológicos

Em busca de retratar doenças psiquiátricas no meio do entretenimento japonês, Kuuchuu Buranko se destaca por mostrar esses temas desafiando a forma padrão de estética de um anime. 

Kuuchuu Buranko (ou Welcome to Irabu’s Office, Flying Trapeze) é um anime de 11 episódios produzido pelo estúdio Toei Animation que foi ao ar em 2009. Ele foi dirigido por Kenji Nakamura, que chegou a dirigir animes como Mononoke (2007) e Tsuritama (2012). O anime foi baseado na série de contos do escritor Hideo Okuda que apresenta o psiquiatra fictício Doutor Ichiro Irabu.

Retratar doenças psiquiátricas na cultura japonesa ainda pode ser considerado um tabu. No entanto, isso pode estar mudando. Muitos animes com retratação desse tema começaram a ganhar destaque, e o maior exemplo disso é com o anime Wonder Egg Priority, que ganhou grande destaque no ano de seu lançamento (2021) ao trabalhar com problemas psicológicos e emocionais das personagens do anime.  

Diferente de Wonder Egg Priority, Kuuchuu Buranko é um anime que foi lançado faz 14 anos e que chega a ser pouco conhecido entre os fãs de animes. Contudo, ele consegue retratar muito bem pensamentos modernos sobre psicologia, com, principalmente,  o uso da sua estética diferenciada, uso de paletas exageradas, mistura bizarra de animação com os rostos reais de pessoas e outras técnicas peculiares que servem para direcionar o retrato do assunto sobre doenças mentais. 

Sinopse de Kuuchuu Buranko

O anime Kuuchuu Buranko mostra o incomum Doutor Ichirou Irabu, um psiquiatra residente do Irabu General Hospital. Ele e sua charmosa enfermeira Mayumi atendem vários pacientes que sofrem de doenças mentais que podem prejudicar seu cotidiano.

O médico Irabu parece ter três personalidades distintas: uma criança com um jaleco enorme, um homem jovem e inteligente com traços femininos; e um urso verde egoísta e extrovertido.

Todos seus pacientes percorrem um imenso corredor monótono, até que chegam ao consultório do doutor, o que é extremamente oposto ao lado de fora, com cores vibrantes e decoração excêntrica.

Assim, a medida que cada paciente luta para enfrentar a natureza de sua angústia, um fio óbvio, mas invisível, une seus caminhos.

Como é retratado as doenças psiquiátricas em Kuuchuu Buranko

A grande maioria das doenças retratadas em Kuuchuu Buranko são reflexos das expectativas dos japoneses sobre sua conduta social. Seja sobre excesso de trabalho, pressão de colegas, perfeccionismo, relacionamentos não resolvidos, atitudes desagradáveis de outras pessoas, práticas alimentares horríveis, etc.

Portanto, os casos que Doutor Irabu atende são claramente uma reflexão do papel de “honra” que os japoneses tentam desempenhar na sociedade em suas respectivas idades. (NETIZENGALREVIEWS, 2018)

Assim, em busca do perfeccionismo, em reflexo, temos três tipos de distúrbios se repetindo nos episódios da série: Ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo e seus derivados.

Os casos que Kuuchuu Buranko retrata, quando isolados, podem parecer extremos. No entanto, o anime possui certo cuidado ao trabalhar com tantos problemas psiquiátricos de uma forma leve e cômica. Eles respondem qualquer dúvida e confusão que podemos ter das doenças psiquiátricas retratadas. 

Eles deixam essa responsabilidade para o Doutor Fukuichii da Fuji TV, que aparece em alguns momentos dos episódios, quebrando até a “quarta parede” do anime, para dissipar qualquer confusão e esclarecer termos médicos e conselhos dados pelo Doutor Irabu. 

Outra questão é que Kuuchuu Buranko não retrata casos mais extremos como doenças, sintomas ou situações que precisam de medicação extrema. O anime poderia correr risco de encontrar soluções simplistas, em última análise, deturpando as doenças e as pessoas que sofrem com isso. 

A estética de Kuuchuu Buranko

Outro ponto forte em Kuuchuu Buranko com certeza é sua estética que consegue se entrelaçar com o estilo narrativo do anime. 

A estética do anime parece trabalhar com Pop Art, usando cores intensas, vibrantes, ao mesmo tempo com rabiscos e o psicodélico. Possui também saturação de figuras geométricas, uso de rostos realistas em stop-motion e cores vivas.

Justamente, o Pop Art busca trazer aproximação da arte com a vida cotidiana. Assim, não é atoa que Kuuchuu Buranko traz o cotidiano desses personagens e sua animação influencia totalmente nesse ponto. 

Já o uso de expressões faciais realistas destinam-se a aproximar as pessoas de cada personagem, já que as expressões faciais podem demonstrar com mais fidelidade o que os personagens sentem. 

Em vários momentos do anime, também vemos cada personagem com uma cara de animal. Esses são momentos para representar a doença do paciente através de um animal. 

Como, por exemplo, no primeiro episódio, o pássaro  virou representação da ansiedade, insônia e paranóia do personagem. Os pássaros geralmente desconfiam dos humanos, da mesma forma que o paciente desconfiava de seu parceiro de trabalho.

Senso de “normalidade” em Kuuchuu Buranko

O interessante desse anime é a mistura entre passado-presente, realidade e pensamentos, ou percepção distorcida versus o real. Com isso o consultório do Doutor Irabu se torna um ponto de convergência. Isso quer dizer que todos os casos estão no mesmo lugar ao mesmo tempo.

Isso acaba gerando um debate de que você nunca sabe quem pode estar sofrendo. Pode ser aquela pessoa que você viu na rua, ou seu companheiro de trabalho, seu chefe, médico familiar… 

Esse senso de normalidade no anime se torna mais frequente quando vamos vendo que todos os personagens que são tratados pelo Doutor Irabu se cruzaram em alguma ocasião sem realmente se conhecerem. 

Por isso que Kuuchuu Buranko se torna interessante. Ele não foca apenas no momento “terapia/aconselhamento”, e sim permite que o espectador assista o cotidiano desses personagens, tornando o Doutor Irabu totalmente onipresente, ou seja, é por isso que outras pessoas não o veem, ele está apenas acompanhando seus pacientes.

Fora do consultório, Irabu normalmente deixa de lado sua personalidade de Urso e assume duas personalidades. Um homem jovem que, parece mais um diabinho no ombro do seu paciente, para pilhar seus pacientes a fazer coisas que não estão acostumados a fazer. E de uma criança, que traz a representação de uma figura de “desejo incontrolável” de seus pacientes, que querem fazer alguma coisa que pode ser considerada totalmente absurda. 

A retratação certeira de Kuuchuu Buranko

Kuuchuu Buranko é um anime direto e literal, que não tenta esconder o sentimentalismo em sua obra. Mas é importante olhar para os casos e tratamentos em Kuuchuu Buranko como um resumo da presença de doença mental na sociedade, e não como qualquer reflexão sobre as terríveis lutas que as pessoas enfrentam como resultado.

O anime consegue trabalhar com cada caso mostrado, onde demonstra que cada resolução começa com uma aceitação, informando que cada caso, embora que os pacientes não sejam completamente curados, dão o primeiro passo na direção certa: “Ninguém é perfeito”, consequentemente, por que você se preocupa em tentar manter a imagem “perfeita”?

Kuuchuu Buranko foi o segundo anime de uma série que estou fazendo esse ano onde meus amigos podem me indicar animes e, a cada mês, eu faço uma análise sobre os mesmos. O primeiro anime foi Yokohama Kaidashi Kikou, que já tem review aqui no site. 

Helena Demarchi

Formada em Rádio, Televisão e Internet. Roteirista, criadora de conteúdo e produtora de vídeos. Experiência também na área de planejamento e criação de conteúdo para mídias sociais e redação. Defensora de Gintama e Hiro Mashima nas horas vagas.