Dandadan: Turbo Granny – Entre o Romântico e o Real

Dandadan é um mangá que está em lançamento na Shonen Jump + desde abril 2021 e sempre me interessou. Ele me chamava a atenção por dois motivos principais: seu character design chamativo e o seu autor, Yukinobu Tatsu, ser um antigo assistente do Tatsuki Fujimoto. Depois de mais um ano de publicação, finalmente peguei o quadrinho para ler. Mais precisamente, esse texto aborda o primeiro arco de Dandadan: Turbo Granny, que compreende dos capítulos 1 à 8 do mangá. No Brasil, o mangá pode ser lido gratuitamente pelo MANGA Plus, infelizmente apenas no idioma inglês.

Este mangá conta a história de Momo Ayase, uma garota que acabou seu primeiro relacionamento recentemente e, durante teste de coragem contra Ken Takakura, acaba se encontrando com o oculto. Ayase acredita em fantasmas, mas não crê em alienígenas, enquanto o Ken é o exato oposto. Então, enquanto a garota vai para um local de avistamentos, o jovem vai para um túnel assombrado. Ela acaba sendo abduzida e tendo seus poderes psíquicos despertados, enquanto ele acaba sendo possuído por um espirito maligno. Assim começa essa amizade improvável (ou quem sabe algo mais) e a história de Dandadan.

Alerta de gatilho: Dandadan: Turbo Granny aborda violência de cunho sexual e pode não ser recomendado para todos os públicos.

Dandadan é o resultado de uma década de preparo

A primeira coisa que você sente quando começa a leitura de Dandadan é a qualidade do traço do Yukinobu. Apesar do autor nunca ter tido uma obra de impacto, sua carreira começou em 2010 com Seigi no Rokugou de 2 volumes. Após isso, o mangaká publicou FIRE BALL!, de 5 volumes, 3 oneshots, e trabalhou como assistente em Fire Punch, Jigokuraku e Chainsaw Man. Logo no começo de Dandadan já é palpável que o autor tem uma década de carreira.

Isso se dá no micro e no macro, mantendo o assunto do traço, os personagens transbordam trejeitos e maneirismos. O Yukinobu gosta muito de mudar o estilo do traço para fazer gags de comédia, por exemplo. Mas isso também perpassa os ambientes ao qual os personagens se encontram. A Ayase é uma garota com um gosto antiquado, apaixonada por homens hard-boiled e o quarto dela reflete isso, com quadros de galãs durões dos anos 80, mas também por estar cheio de estampas de oncinha.

Mas isso também se reflete no excelente trabalho de quadrinização do Yukinobu. O quadrinista é econômico com páginas duplas, sempre guardando elas para os pontos de maior impacto das cenas de ação. Além disso, o poder do Ken é relacionado com velocidade, e o mangaká não tem medo de retorcer e distorcer o personagem nas cenas. O resultado são cenas de ação cheias de impacto e muito fluídas, que usam bastante do cenário em seus desenvolvimentos.

Dandadan também flerta com o horror, e aqui o mangá também é um show a parte. O design das criaturas é marcante e distinto de outras obras do gênero, e o Yukinobu é muito bom em trazer o grotesco das criaturas paranormais. Ao mesmo tempo, o mangá tem o cuidado de trabalhar com lógicas diferentes para alienígenas e para fantasmas. Os alienígenas são criaturas muito mais geométricas, com um design mais clean, enquanto o paranormal é carregado de nanquim, cheio de dobras e reentrâncias.

E como se não bastasse, Dandadan também é um desbunde nas expressões faciais, com um alcance gigantesco de expressões diferentes, das mais simples e bobas, aos olhares perdidos e singelos de quem diz mais com o corpo que com os balões de fala. É impressionante que o Yukinobu tenha demorado tanto para ser reconhecido.

A química do elenco

Se no traço estamos bem servidos, o mesmo pode ser dito de seu elenco. Com apenas um arco de oito capítulos, Dandadan já faz um trabalho melhor com seus personagens que muito mangá completo. O arco da Turbo Granny tem 4 personagens de destaque: a protagonista, Momo Ayase, o deuteragonista, Ken Takamura, a avó da protagonista, Santa Dodoria, e a antagonista que dá nome ao arco, Turbo Granny.

Falando um pouco sobre a Santa Dodoria. Ela é uma médium famosa que inclusive aparece em programas de TV aqui e ali e é a menos explorada dos quatro. Ela é o tipo de personagem de mestre excêntrico, mesquinha com coisas pequenas e um tanto caótica. Para dar um exemplo, ela continua cutucando a Ayase por na infância a garota ter dito que a avó era uma charlatã. No presente da história, ela faz uma série de leituras sobre um idol, sua idade, que ele tem filho, é casado e prefere ramen. O idol nega todas as 4 leituras, fazendo com que ela se passasse por mentirosa. Ao final do capítulo, temos uma reportagem dizendo que na verdade ele escondia a idade, o filho e o casamento. Ao invés de se dar por satisfeita, a Dodoria fica esperando ele admitir que prefere ramen.

Já o Ken Takamura é um nerd de ufologia. Dentro e fora do colégio, o garoto não possui qualquer conexão com outras pessoas. Por isso mesmo sonha com a existência de extraterrestres, para que pelo menos com eles o Takamura tenha uma chance de se conectar. Por isso mesmo que, ao ter o mínimo sinal de algum respeito por parte da Ayase, ele se agarra a chance de formar um vínculo. Mas o Takamura é um garoto estranho que não sabe se portar muito bem, e que por mais que queira, tem muita dificuldade de não se distanciar das pessoas. Quando ele se transforma em sua forma de combate, a sua personalidade se torna ainda mais retraída, com ele ficando absolutamente depressivo e auto-depressiativo. Durante o arco o Takamura consegue finalmente construir um vínculo de amizade com a personagem da Ayase.

Ayase é a estrela e a força motriz desse mangá. Suas caras e bocas e a forma como ela age diante das situações fazem com que o leitor se apegue muito a personagem muito rapidamente. A colegial está em busca de um namoro, mas tudo que ela encontra na vida real está muito distante do idealismo romântico dos homens honrados. Para além disso, Ayase é o tipo de pessoa que faz de tudo por aqueles a quem ela quer bem e não admite que outros façam mal a quem importa para ela. A liga que cola esse primeiro arco é, sem dúvida, as interações entre ela e o Takamura, que ela apelidou de Okarun, por não aceitar que ele seja homônimo do crush dela no cinema.

Eles brigam entre si, ficam de picuinha, se zoam, se reconciliam. Então, ao final do arco, quando eles voltam a normalidade, é impossível de dizer que uma amizade sincera não tenha sido formada ali. Você compra a relação dos dois como dois adolescentes meio esquisitos que estão se conhecendo e se sente recompensado pelo roteiro.

Setup e payoff

E o roteiro do arco Dandadan: Turbo Granny é muito eficiente. Dandadan está constantemente se empurrando para frente, estabelencendo e pagando coisas a todo momento. Pensando no arco numa visão aérea, ele começa com os personagens se conhecendo, isso desemboca no teste de coragem, que faz o Ken ir para o túnel e ser amaldiçoado pela Turbo Granny. Do outro lado a Ayase tem seus poderes despertos pelos aliens. Os poderes dela conseguem suprimir a possessão do Ken, o que faz com que eles busquem ajuda da avó que é experiente.

Eles vão para casa da Ayase, mas o talismã que protege a casa faz o Ken pegar fogo, o que faz com que a Ayase remova o talismã, desprotegendo a casa e permitindo a invasão de um outro espirito maligno. Mais tarde esse talismã também vai ser usado na batalha final. Eles enfrentam o espirito maligno, o que faz com que a Ayase use demais os poderes e desmaie, fazendo o Ken entrar em frenesi. E essa sucessão de acontecimentos segue até a última página do arco, o cuidado com os detalhes posto em cada passagem e virada de trama é impressionante.

Como outro exemplo, o capítulo quatro introduz o problema da Ayase de ter que olhar para o Ken para suprimir a maldição. Essa informação nos é passada por meio de uma gag idiota do Ken precisando cagar e não querendo que ela assistisse. Mas essa informação é importante por ter um payoff na luta para valer com a Turbo Granny.

Dandadan está sempre enchendo o leitor de informação, mas o roteiro é inteligente o suficiente para passar isso sem que parece informação. Ele quase sempre toma o cuidado de dramatizar as informações, o que ajuda a reter e impulsiona a leitura. Claro que nesse aspecto ele não é perfeito. O primeiro capítulo tem um monólogo chato sobre OVNIS que é muito expositivo, a Dodoria explica o funcionamento das barreiras de uma forma meio tediosa e os aliens que abduzem a Ayase se explicam o tempo todo. Mas numa média geral, Dandadan faz um ótimo trabalho de demonstrar e dramatizar as informações, para que o leitor não perceba que a exposição é uma exposição.

Dandadan: Turbo Granny

Para falar sobre o que esse Dandadan: Turbo Granny aborda, eu vou precisar entrar em spoilers, é apenas o primeiro arco de Dandadan, não vai estragar tanto a experiência assim, mas fica o aviso de qualquer forma.

Dandadan: Turbo Granny aborda a quebra entre o romântico e o real. Ayase está em busca de um namorado que seja igual seu ator favorito. Como um exemplo, a Ayase é apaixonada pelo Kiryu da série Yakuza. O homem estoico de coração de ouro que é honrado e de boa indole. No entanto, esse arco repetidas vezes nega essa visão da personagem.

O mangá abre com o término do seu namoro. Ela começou a namorar com um garoto por ele ter um rosto que lembrava o do ator. Na realidade, ele estava apenas interessado em conseguir com que ela o bancasse, e se tudo desse certo, uma noite no motel. Após isso, ao ser abduzida, os aliens se apresentam como todos do sexo masculino, numa sociedade que quer voltar a se reproduzir e precisa copular para isso. A cena da tentativa de estupro é bastante duvidosa quando ao seu bom gosto, mas a imagética dos aliens é a de um salaryman creepy.

Depois disso e em paralelo a isso, temos a possessão do Ken pela Turbo Granny. Ela é apresentada ao leitor como essa figura que quer emascular os homens, roubando o pinto do Ken no processo. Ao final do arco, descobrimos que ela é uma entidade que sempre é avistada junto de espiritos mulheres que não conseguiram partir. Além disso, nessa cidade ela se aliou a um espirito que estava vinculado ao túnel. O espirito, que tomou a forma de um caranguejo gigante, era um amalgama de várias jovens que foram mortas e despedaçadas por um serial killer não identificado.

Além disso, diversas vezes nessa história o Ken se transforma, ou chega no momento do perigo, para prontamente falhar e a Ayase resolver as coisas. A personagem da Ayase nega o que a pessoa Ayase busca. Se a pessoa dela busca o romantismo do passado, dos heróis estoicos que resolvem tudo sozinhos e tem personagens femininas de figuração, a personagem da Ayase é quem toma a frente e resolve as questões por si mesma. Com a ajuda do Ken, claro, mas ele próprio, numa piada/comentário por ter o nome do autor, nega essa masculinidade de outrora toda dura e quadrada que gera os abusos e a morte de mulheres.

Mesmo que a Ayase personagem não enxergue os problemas do hard-boiled, Dandadan está bastante consciente sobre os mesmos.

Um primeiro arco cheio de estofo

Em suma, eu achei Dandadan: Turbo Granny um arco de estreia realmente impressionante. Tinha um tema forte, um elenco bem trabalho e um momento a momento divertidíssimo e cheio de piadas que só pode ter vindo da mente de alguém na quinta série. Ele derrapa um pouco, especialmente no primeiro capítulo, com algumas cenas de mal gosto, mas o faz por estar tentando trabalhar com questões complicadas. Esses oito capítulos me deixaram instigado a continuar com o mangá, então gostaria de saber de vocês, se existe interesse que eu volte aqui para uma review do segundo arco e assim por diante.

Gabriel Guerrero

O cara que só acredita vendo, e depois acaba escrevendo para os outros acreditarem.