Franken Fran é Apaixonante e Frustrante – Review

Franken Fran é um mangá de comédia e horror lançado em 2006. O quadrinho foi escrito e ilustrado por Katsuhisa Kigitsu (Helen ESP, Meitantei Marnie) e publicado na Akita Shonen. O mangá possui 8 volumes e permanece inédito no Brasil.

Sinopse: Fran Madaraki é uma garota como outra qualquer, não fosse sua grande aptidão para medicina e sua não tão grande assim ética enquanto profissional. Ela fará o que você pedir, seja modificação corporal, clonagem ou trazer os mortos a vida. Mas será que você quer mesmo o que diz que quer?

Talvez a melhor forma de começar a falar sobre Franken Fran seja justamente por suas capas. Foi uma experiência muito curiosa pegar pra ler o mangá, e dar de cara com a Fran quase completamente nua na capa. Como é um mangá bem cultizinho, dei o benefício da dúvida e continuei a leitura, mesmo a capa sendo digna de um hentai.

É muito curioso de dizer isso, mas Franken Fran quase não tem cenas de ecchi durante toda a história. Sim, é um mangá com bastante nudez, mas raramente essa nudez é abordada de um aspecto sexual. Eu realmente queria entender o que se passou na cabeça do autor pra fazer aquele tipo de capa, até mangás mais ecchi, quando misturam com um lado comédia romântica, acabam por sublimar a sexualização das capas. Mas aqui não, a sexualização está contida quase que exclusivamente na capa do negócio, parece uma decisão muito errada de marketing.

Dito isso, preciso dar mais um aviso antes de progredir com a review: Franken Fran tem representações gráficas fortes de vários tipo de violência, inclusive sexual, certamente não é um mangá para todos os públicos, fique avisado desde já.

Agora entrando um pouco mais no mangá em si, queria passar um pouco pela arte. Franken Fran é um mangá visualmente magnífico, mesmo eu que não sou um leitor que tem reações fortes com imagens cheguei a ter repulsa com alguma das criaturas do mangá. Quando ele quer ser nojento, ele sabe puxar os fios certos.

E pra além disso, na maior parte do tempo ele consegue construir muito bem o clima de cada capítulo, desde aqueles que são mais cômicos, aos mais bizarros e viajados. No entanto o traço do autor por vezes acaba ficando poluído demais, o que atrapalha a leitura de alguns quadros. Franken Fran também lança mão por vezes de bastante quadros na mesma página, o que por vezes trunca a leitura e dá uma sensação claustrofóbica, mesmo em momentos que não deveria acontecer algo do gênero. Bem raramente, mas também chegaram a acontecer momentos em que a quadrinização do autor prejudicou o fluxo de leitura, com quadros importantes acabando pequenos demais dentro da página.

Mas tudo isso é bem perdoável dado a quantidade absurda de personagens completamente diferentes que o mangá consegue abordar. Inclusive o senso de escala das coisas, seja do microscópico até seres gigantescos é sempre muito claro durante a leitura. E o trabalho de character design dos personagens é bastante marcante também.

Para dar um exemplo, existe uma variante de Kamen Rider dentro do universo da série, chamada de Sentinel. Em um capítulo avulso a essa trama, um dos Sentinels passa no fundo da cena, e você reconhece o personagem, mesmo tendo tido bem pouco tempo de exposição ao mesmo.

Inclusive, sendo um mangá de gore, a carne de Franken Fran também é bastante robusta. O autor passa de forma excelente o grotesco, tanto nas operações bizarras da Fran, quanto quando algum personagem é dilacerado, explodido, rasgado, retalhado ou qualquer outra variante.

Entrando um pouco mais na estrutura de Franken Fran, as coisas começam a ficar mais complicadas. O mangá é semi-episódico, no sentido que ele possui histórias autocontidas, mas de núcleos que permanecem reaparecendo. Usando como exemplo os já citados Sentinels, devem existir uns cinco ou seis capítulos sobre eles espalhados por todo o mangá. De forma semelhante, tem uma série focada na Fran ajudando o departamento de polícia. Outra focada na vida escolar da Fran e suas irmãs, e ainda uma terceira abordando as ligações escusas do pai das meninas com o submundo.

O mangá nunca chega a ter um plot propriamente dito, o que é um grande acerto na minha opinião, mas esse último estilo de capítulos é o que mais se assemelharia a um. Inclusive por vezes o roteiro acaba brincando com sua expectativa e mesclando núcleos diferentes das loucuras da Fran. Em um caso uma aventura escolar se revela também parte da subtrama do submundo, por exemplo.

Essa questão do autor ir trazendo de volta episódios para expandir o conceito gera alguns dos melhores capítulos do mangá. Todo o plot dos Sentinels escala de uma maneira maravilhosa de tão bizarra, muito por ela levar em conta toda a questão de legado que o próprio Kamen Rider carrega. Mas isso também é um dos problemas do mangá. Nunca fica muito claro o que eu devo ou não carregar para capítulos futuros. Mais de uma vez, uma solução anterior resolveria facilmente um problema atual da Fran, mas o roteiro parece esquecer, já em outras, experiências prévias são exatamente o que resolve o plot. É um pouco arbitrário demais para o meu gosto.

E mesmo sendo um mangá episódico, sinto que o final deixou muito a desejar. Deu muito a sensação que ele só acabou sem concluir nada, e um epilogo meio troncho foi enxertado pra tentar dar uma amenizada nessa sensação de vazio. Não faço a menor questão que o mangá feche todos os núcleos, nem nada do tipo, mas eu esperava um mínimo de sentimento de conclusão, e ele não veio.

E isso reverbera um tanto no elenco da série. Tanto a Fran quanto a Veronica foram muitíssimo bem exploradas pelo roteiro. Inclusive a Veronica tendo um arco e se tornando menos uma máquina de matar e mais uma garota normal. Mas a terceira irmã, Gavril, é completamente deslocada.

A personalidade da personagem é bem legal, mas a história dela nunca é concluída de verdade. A Gavril aparece, é meio tsundere, dá uns sinais que a relação dela com as irmãs vai avançar, e daí o mangá acaba sem isso nunca se concretizar.

E esse sentimento acaba se estendendo um pouco até pro elenco dentro do laboratório da Fran. Com exceção da Adorea, que é uma assistente da Fran e quase um monstro lovcraftiano, o resto é bem pouco explorado. Eu entendo que a série quer focar mais nas interações da Fran com clientes do mundo exterior, mas acaba dando um gostinho de desperdício.

Mesmo assim, quando a série acerta, ela acerta. E um dos maiores acertos de Franken Fran foi se manter fiel a personalidade da sua protagonista até o final. A Fran é essa criatura amoral que está tentando muito ajudar as pessoas, mas é meio alheia a humanidade e isso é respeitado até o final. Tinha um risco muito grande da história tentar suavizar a personagem durante a publicação para ficar mais palatável, ou buscar algum tipo de redenção, com sorte não é o caso aqui.

Falando um pouco sobre as temáticas do mangá, Franken Fran aborda uma série de questões existenciais. De maneira geral ele nunca chega a entrar fundo em nenhum aspecto, até por sua limitação de formato episódico, e as críticas são, de maneira geral, um tanto quanto lugar comum.

Nesse aspecto, a parte mais legal é quando a série vai abortar o amor. Pela desconexão quase completa da Fran com a sociedade, ela acaba por vezes confundindo o que é amor com alguma outra coisa. Por outras ela enxerga um amor onde outras pessoas seriam incapazes de ver e isso traz umas reflexões interessantes dentro da história. Sem nunca tirar um lado meio bizarro da receita toda.

Por querer falar de tudo, por vezes Franken Fran acaba entrando nuns temas mais espinhosos vez por outra, e é nessas horas que o mangá acaba falhando mais. A falta de sensibilidade e tato da Fran parece que quase transborda pra narrativa do quadrinho em si, e ele toma umas decisões meio de mal gosto, focando mais no choque do que em qualquer outra coisa. Inclusive, apesar de só ser mostrado visualmente uma vez, o mangá recorreu vezes demais pro recurso do abuso sexual pro meu gosto. Não é algo que chega a estragar o todo, mas que é incômodo, isso é.

De maneira geral Franken Fran se dá melhor na sutileza, em comparação a quando quer mandar um discurso pronto de final de capítulo. Por sorte os momentos sutis estão em um número muito maior.

Eu terminei Franken Fran com dois sentimentos, primeiro um pouco cansado, dava fácil pra esse mangá ter um ou dois volumes, mas especialmente apaixonado pelo carismático elenco de seres pitorescos que habitam essas páginas. Dois pequenos detalhes que eu gosto muito, e se comunicam até certo ponto, são os balões das três irmãs serem bem diferentes. O da Gavril é quadrado e áspero, o da Verônica é redondo como o dos humanos “normais” e o da Fran é todo tremido. É um aspecto que pode passar despercebido, mas ajuda muito na construção da voz daqueles personagens. O outro que vai no mesmo sentido é que a Fran tá sempre tremendo, que funciona da mesma forma e dá um senso de estranheza e fascínio pro personagem.

Então pra concluir, Franken Fran é um mangá bastante único e cheio de personalidade, com alguns escorregões pelo percurso e um final insatisfatório, com personagens fascinantes, alguns deles esquecidos pelo meio do percurso. Volumes demais, ainda que com um final apressado. Fascinante, insensível, instigante, frustrante, uma salada de emoções e contradições e um mangá que certamente levarei comigo, uma jornada que vale a pena fazer.

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