O Homem que Foge: A Solidão de Cada Um – Review

O Homem que Foge ou Nigeru Otoko é um mangá de 1 volume lançado em 2010. O mangá é escrito e ilustrado pela maravilhosa Natsume Ono (Ristorante Paradiso, Acca). O mangá foi publicado oficialmente pela Manga Erotics f (Suicide Club, Velveteen & Mandala). No Brasil, o mangá foi publicado pela Editora JBC em 2017.

Sinopse: Em uma floresta vive um urso que apenas crianças podem enxergar. Segundo uma lenda, quem encontrá-lo e passar um dia inteiro em sua companhia, terá um desejo atendido. (fonte: Guia dos Quadrinhos)

O Homem que Foge é um quadrinho reflexivo. Desde sua primeira página, até sua última, a Natsume Ono quer desenvolver essa discussão sobre o que leva uma pessoa a fugir. Passando pelos pormenores do tempo de recuperação, e do retorno ao mundo real.

Entrando já um pouco nessa questão, a sensibilidade da autora em tocar nesse assunto é bastante palpável. Em nenhum momento a narrativa do quadrinho vilaniza essas pessoas. Tão pouco as aponta como fracas ou covardes por optarem o exílio. Todo esse quesito é tratado com muito respeito pela Natsume.

O respeito inclusive acaba transbordando para a relação leitor/autor. O Homem que Foge não é o tipo de quadrinho que vai mastigar a narrativa para o leitor. Ele confia na sua inteligência de saber como se lê um quadrinho. Por isso mesmo, é um mangá que acaba exigindo um pouco mais do leitor. Uma leitura mais desatenta desse mangá acabaria por perder tudo que o faz especial. Então vale o aviso a quem for ler, não passar correndo pelas páginas.

Falando nessa questão de passar correndo, o Homem que Foge trabalha muito com o silêncio. As páginas num geral tem bem pouco texto. O que ajuda demais em criar a atmosfera de isolamento que o roteiro está pedindo. Justamente por isso muita coisa é contada visualmente, seja a ambientação ou a passagem do tempo.

Inclusive tem uma passagem linda nesse quesito, logo que o homem entra na floresta. Ele chega lá de terno e sapatos sociais, roupas nenhum pouco funcionais para a vida na montanha. O homem então coloca roupas mais simples e deixa os sapatos mais curtos. Conforme as páginas vão passando, mostrando ele entrando em contato com a natureza, vez por outra a Natsume Ono coloca um quadro dos mesmo sapatos, cada vez mais encobertos pela vegetação.

Esse nível de cuidado com a narrativa gráfica perpassa toda a construção do Homem que Foge. É bastante interessante de se ver como a autora vai construindo e dando camadas pro protagonista só da forma como ele se porta. Sem nunca sequer nos contar seu nome.

Visualmente o quadrinho é bem bonito. Desde a quadrinização, aos ângulos de câmera, é bastante palpável que é um trabalho de uma autora mais madura. Só é uma pena que ele foi publicado durante a crise do papel de uns anos atrás. Isso faz com que muitas das páginas sejam semi-transparentes. Não chega a ser do nível de spoilar o que tá na outra página, mas atrapalha um tanto a leitura.

Como disse no começo, o Homem que Foge fala sobre fuga, em suas mais diversas formas. Todos os personagens da história estão ou estavam fugindo de algo. Até mesmo personagens que não estão fugiram de algo.

Para dar alguns exemplos sem spoilers: a garota com a qual começamos a história está fugindo de uma desilusão amorosa. As crianças da cidadezinha fogem da lenda do urso, já os adultos, da muito real floresta dos desaparecidos. Até mesmo o próprio urso da história fugiu de um zoológico.

E justamente pela história não ser sobre condenar essas pessoas, que ela se permite nos colocar nas suas perspectivas. No final das contas, o Homem que Foge não é sobre o ato da fuga. O Homem que foge é sobre respeitar o seu momento de isolamento, mas também sobre saber que você precisa se levantar e voltar a se conectar com os outros.

Daqui pra frente eu vou falar um pouco sobre a minha leitura do protagonista. Isso envolve dar spoilers relevantes da história, então fiquem aqueles que não se importam ou já leram.

O homem que foge, personagem central da história o Homem que Foge, é um personagem fascinante. É incrível como a Natsume Ono consegue controlar com muita tranquilidade o seu leitor para ver o que ela quer. Justamente por isso a autora consegue conduzir tão bem os mistérios da história.

Me peguei a todo momento questionando afinal se ele era honesto ou corrupto, até a catarse na conversa com o amigo dele. Basta que um cogumelo esteja envenado para estragar toda uma colheita, mas não dá para saber se é venenoso sem mostrar a um especialista. Essa filosofia norteou o personagem e foi o que o fez se fechar para as relações.

Justamento por isso ele engana a garota no primeiro episódio. O homem até gostaria de uma companhia, alguém com quem dividir uma bebida, mas jamais se envolver. Nesse sentido, o personagem evita a todo o custo ler o primeiro diário do dono anterior do urso. É mais fácil idealizar uma fábula sobre o homem que viveu ali do que conhecê-lo verdadeiramente.

Mesmo assim é um momento muito singelo quando o homem é confrontado pelo amigo. Quando ele descobre que seu pai, o motivo por trás da fuga, já havia morrido, vinte anos atrás. O momento singelo de verdade é ele decidir ficar na floresta. Mesmo se fechando para todos, somos humanos e acabamos criando laços, e o homem se viu conectado ao urso.

Mas o urso já era velho, e foi a vez deste deixar a cabana. Agora verdadeiramente sozinho, o homem lê o primeiro diário e percebe que ele e o morador anterior eram fundamentalmente diferentes. Ambos abandonaram a sociedade por amor, mas o antigo morador viveu uma vida toda antes de se isolar, e já havia feito de tudo. Já o homem, poderia fazer de tudo, desde que parasse de fugir.

O Homem que Foge é um mangá denso e completo, sem ser prolixo demais. Um mangá que sabe a história que quer contar, e respeita seu leitor. Uma janela para dentro de si próprio, um questionamento de o que te faria ir para a floresta. Em suma, uma leitura muito mais que obrigatória para fãs de quadrinho. E eu fico aqui torcendo para que mais trabalhos da Natsume Ono deem as caras no Brasil.

E ai, leu O Homem que Foge? Gostou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, qual o próximo mangá que deve aparecer por aqui.

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