Lupin III: O Primeiro – Review

Lupin III: O Primeiro é um filme da franquia Lupin III, lançado nos cinemas japoneses em Outubro de 2019. A direção e o roteiro ficou por conta do Takashi Yamazaki (Dragon Quest: Your Story, Stand By Me Doraemon). O filme é uma produção TMS Entertainment (Fruits Basket, Dr Stone). Além disso, foi trazido pelo Brasil de forma oficial pela Sato Company.

Sinopse: Arsene Lupin III se une a uma garota chamada Laetitia para roubar o Diário de Bresson, um misterioso tesouro que nem mesmo a primeira geração de Arsene Lupin conseguiu roubar. Lupin descobre o poderoso segredo guardado no diário que poderá mudar o destino do planeta e precisará da ajuda de seus amigos, Jigen, Goemon, sua eterna rival Fujiko Mine e até do incansável Inspetor Zenigata para impedir que esse segredo caia nas mãos da maior organização criminosa de todos os tempos! link

Como um relógio polido

A primeira coisa que eu queria destacar, é que Lupin III é um filme absolutamente lindo. E não digo isso por causa única e exclusiva do render em alta definição que escolheram para cada um dos personagens, embora também influa bastante.

A questão é que esse filme de Lupin está seguindo na mesma esteira do, infelizmente, filho único do Spielberg, As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne. Ambos os filmes tem um foco muito grande em imaginar como passar os respectivos character designs para um ambiente tridimensional.

Para usar como um exemplo, a maior parte dos jogos de anime acabam com um aspecto borrachudo e sem alma dos personagens, justamente pela falta de um cuidado. Os produtores dessas obras estão muito mais tentando emular os traços originais do que passar os sentimentos dos mesmos.

Já Lupin Primeiro vem pelo outro caminho e cria os personagens do zero, respeitando as origens, mas também respeitando o estilo artístico escolhido e suas particularidades. O resultado é simplesmente soberbo e a turma do maior Ladrão de Casaca nunca esteve tão charmosa (tirando os filmes do Takeshi Koike).

Mas não serviria de nada se o mesmo zelo não fosse aplicado também aos cenários, felizmente não é o caso. Seja o museu, o avião ou principalmente a casa da Letícia, tudo tem uma sensação táctil muito forte. Parece que o ambiente realmente é um local com pessoas vivendo, não um cenário qualquer montado as pressas. O mesmo vale para as roupas, que transpassam o material utilizado pela reflexão de luz, não é a primeira vez que um filme CG entrega algo do tipo, mas ainda é da mais alta qualidade.

Um plot simples e eficiente

Talvez o ponto mais fraquinho desse filme seja o “o que” acontece nele. É uma aventura simples do Lupin e sua gangue atrás de um tesouro cobiçado por nazistas. Se tu sente falta de algo na pegada dos Indiana Jones, esse filme é para você.

No entanto, quase que de forma contraditória, o “como” dele é a parte mais interessante. Lupin Primeiro é um filme de franquia e, como tal, possui pouca margem para mudar com os personagens. Mexer com as bases de Lupin, Fujiko, Jigen, Goemon ou Zenigata é um risco tomado pouquíssimas vezes ao longo da franquia, isso por eles serem mais arquétipos que personagens em si. Normalmente cada encarnação do elenco é simbolizado pelo esquema de cores dos mesmos, nesse caso, o da Parte 2.

Justamente por isso o grupo tem uma força e influência tão grande no imaginário japonês, de One Piece a Cowboy Bebop, sempre dá para pescar uma ou outra piscadela a esse gigante da cultura pop japonesa. De qualquer forma estou nessa enrolação para dizer que o trabalho de personagem em histórias do Lupin são sempre em cima de personagens ocasionais das aventuras. No quarto temos a Rebecca Rossellini. Na parte 5 temos a Ami. No Primeiro, a personagem da vez é a Letícia.

A grande jornada da Letícia é uma jornada de amadurecimento. Deixando de ser uma garota pau mandada de seu avô adotivo, para alcançar uma segurança e vontade de seguir em direção aos seus sonhos de se tornar arqueóloga. É simples e eficiente.

Mesmo assim, esse é um filme que dá uma certa remexida no passado do Lupin III, fazendo uma conexão entre o personagem de Monkey Punch e sua contra parte francesa, Lupin I, de Maurice LeBlanc. Não é nada demais, mas faz o laço entre o eterno ladrão e a ladra de ocasião um tanto quanto mais forte e bonito.

Puzzles e Set Pieces

Quem está indo ver um filme de ladrões busca ao menos um momento de roubo, e isso o filme do Lupin entrega de maneira abundante.

Sempre está acontecendo algo, um roubo, um quebra-cabeça mirabolante ou uma perseguição de carro absurda. Mesmo assim o filme não se deixa ficar cansado, sempre se renovando, não deixando que a cena passe de empolgante para cansativa.

A coreografia desses momentos também é muito bem coordenadinha, parabéns para o storyboarder que mostra a que veio desde a tela de título e não deixa a peteca cair.

Inclusive talvez seja um dos Lupin’s que mais mostram o que está acontecendo para o expectador. É um problema meio recorrente da franquia deixar quem assiste no escuro enquanto as peças se movem no terceiro plano e as coisas se resolvem simplesmente pelo Lupin ser quem é.

Já o Primeiro toma tempo para mostrar a linha de raciocínio que está sendo empregada e deixar que o próprio expectador tenha chance de deduzir qual o caminho a ser percorrido.

Aos marinheiros de primeira viagem uma ou outra decisão pode parecer sair meio do éter. Justamente por esse ser um filme de uma franquia tão gigante o diretor não se deu ao trabalho de estabelecer coisas clássicas, como a origem da espada do Goemon, mas posso confirmar que isso era fato conhecido na “lore” de Lupin.

Dito isso, curiosamente um dos puzzles mais bem bolados do filme acabam perdidos na tradução pela mudança de grafia de uma personagem. Longe de mim entregar o ouro para quem não viu, mas uma pena que é algo completamente inevitável. Inclusive, nesse aspecto de adaptação, vi dublado e a dublagem está muito boa, em especial a voz do Lupin combinou demais.

Nazistas e Arqueologia

Existem algumas ideias flutuando dentro de Lupin III: O Primeiro e talvez a mais forte seja a ideia de legado. Todos os personagens centrais da história são movidos pelos próprios legados. Seja o Lupin, pelo seu avô, seja a Letícia, pelo seu avô, seja os vilões, pelo legado de um regime asqueroso e fracassado.

A série então move de duas formas, do lado dos mocinhos, mostra como o legado pode ser uma coisa boa, que nos traz propósito e um sentimento de pertencimento. Do lado nazista, é uma fonte de loucura, que os consome num fanatismo cego em busca de um fantasma de alguém já morto.

Essa diferença também se mostra em como os personagens interagem com o passado. Do lado dos mocinhos, entender aqueles povos, pesquisar e confiar no que foi feito por quem veio antes. No lado nazista, são apenas ferramentas para um fim, não se importando em explodir as coisas, queimar diários, destruir sítios arqueológicos, se isso os deixar mais próximos da conquista.

Uma coisa de tirar o chapéu para o filme é em sempre retratar os nazistas pelo que são, vermes. Não gênios megalomaníacos, simplesmente a escória que teme ser ultrapassada a todo momento por alguém mais capaz, alguém mais humano que eles próprios. Esse é o personagem do Doutor que adota a Letícia. Ex-SS no papel, tem sua fama e prestígio unicamente através de plágio, roubo de artefatos e esquemas escusos. Mesmo que ele chegue a ensaiar uma espécie de redenção (inclusive uma escorregada esquisita do roteiro) não chega sequer próximo de apagar o tanto de atraso que causou na vida da própria neta.

E mesmo o outro vilão, que posava como a voz racional, no final das contas, durante o tete a tete final, se demonstra tão lunático quanto. Sendo inclusive derrotado pelo próprio fanatismo, enquanto caçava uma pista de algo que morreu num bunker em 1945.

Conquistando o Ocidente

Lupin III: O Primeiro é uma ótima porta de entrada para os marinheiros de primeira viagem. Captura o espírito da série, incrivelmente acaba por ser socialmente relevante e é uma hora e meia de diversão.

Espero demais que ele seja o primeiro ponto de um deslanche da franquia no ocidente, quanto mais Lupin, melhor, quem dirá dessa qualidade. E o filme ainda termina com uma homenagem lindíssima ao Monkey Punch, falecido ano passado. Se o sonho dele era continuar enviando o personagem em aventuras pelo mundo, que essa seja a primeira de uma nova era.

Assistiu Lupin III: O Primeiro? Gostou? Odiou? Diz aí o que achou e, claro, fala também qual o próximo filme que quer ver por aqui.

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