Biomega: Um apocalipse esperançoso – Review

Biomega é um mangá sci-fi lançado entre 2004 e 2009. Escrito e ilustrado por Tsutomu Nihei (Blame, Knights of Sidonia), publicado originalmente na Ultra Jump (B Reaction, Jojo’s Bizarre Adventure: Steel Ball Run). O mangá foi concluído em 6 volumes e permanece inédito no Brasil.

Sinopse: Kanoe Zouichi, o primeiro humano sintético, é enviado numa missão de resgate. O alvo do salvamento, Ion Green, é a portadora de uma mutação que permite conviver com um vírus mortal que está dizimando a humanidade, NS5. Mas ao chegar na cidade murada, as coisas saem de controle. 

Atmosfera e desespero

Histórias pós-apocalípticas não são um conceito novo. Tão pouco a ideia de uma super doença que está dizimando a humanidade. Mesmo assim Biomega soa fresco, ainda que seja um mangá com mais de 10 anos de idade.

Isso se dá principalmente pelo estilo de escritado seu autor. Tsutomu Nihei tem pouco interesse no psicológico de seus personagens. Suas histórias, talvez com exceção apenas do mangá atual dele, Ningyou no Kuni, se focam muito mais no aspecto sociológico.

O autor está claramente mais interessado em desenvolver seus mundos e conceitos, do que em grandes arcos de personagem. Logo, assim como quase todos os seus outros trabalhos, o Zouichi é mais uma ferramenta, um caminhante pelo qual vemos a história.

Mas a outra questão que causa o frescor em Biomega é o seu trabalho de ambientação. Num futuro sujo e opressivo, com açougueiros que batem de porta em porta executando os doentes. Arquitetura que evoca castelos vitorianos não é acidental, e a praga está a solta. Numa espécie de cyber Bloodborne, acompanhamos um mundo já perdido, de uma humanidade dando seus últimos suspiros antes de emergir no abismo.

E tudo isso é magistralmente passado através das páginas absolutamente lindas quase completamente cobertas de preto. Escadas infinitas, torres pontudas, arquiteturas impossíveis e distantes demais para serem alcançadas. Tudo contribui para a sensação de desolamento do começo de Biomega.

Hordas de Drones

No meio disso tudo se encontra Zouichi. Em uma história mais clichê, a busca dele seria resgatar a garota e criar uma vacina para a infecção. Acontece que já é tarde demais para a humanidade, e a missão de Zouichi é simplesmente salvas todos aqueles imunes ao vírus.

Uma questão interessante sobre o NS5 é ele ser uma consequência da busca pela perfeição. A humanidade, buscando pela imortalidade, encontrou a morte definitiva, uma morte em que se permanece caminhante. Do surgimento dos zumbis, ou drones, a sociedade começa seu declínio, e nos encontramos em seu ponto mais baixo, sete séculos depois do início.

É criado então um secto, uma espécie de religião apocalíptica, que acredita que o batismo pelo vírus é a única maneira. Os pecadores, serão caçados e executados. A coisa interessante sobre essa visão do Nihei, é que os cultistas não passam de massa de manobra. Meros joguetes nas mãos das grandes corporações.

De forma semelhante, Zouichi é um joguete, literalmente montado num laboratório industrial. O governo foi engulido, e o capitalismo selvagem tomou conta da terra. Quem dá as cartas são os ricos, enquanto os pobres se infectam.

Um mangá de porrada

Isso não quer dizer que Biomega seja moroso. Muito menos que a história fique pregando o tempo todo sobre suas mensagens. Não, em uma primeira camada, Biomega é uma carnificina sem fim.

Inclusive é absolutamente competente nesse fronte. O trabalho de quadrinização e enquadramento do Nihei nesse mangá estão o mais absoluto fino. A quantidade e variedade das cenas de ação fazem com que o mangá seja facilmente degustado em uma única tarde. Inclusive é recomendável, caso o leitor tenha problema em lembrar nomes, como eu.

A história tem ao seu dispor uma grande variedade de equipamentos, desde armas à espadas. Em lutas contra aviões, humanos, monstros gigantes e até um urso sniper acaba dando as caras através do mangá. Tudo sempre com muito dinamismo, apesar de ser meio complicado dizer quem é quem entre os humanos sintéticos. Em especial no final do volume 1, apenas na releitura que eu finalmente percebi que a dupla do final eram outros personagens.

Por falar nisso, um conceito muito maravilhoso desse mangá é a moto ser uma IA parceira. Uma clara referência ao mangá original do Kamen Rider, um grande clássico do Shotaro Ishinomori.

Elenco diverso

Falando um pouco do elenco, ele é lotado de personagens. O que é um problema as vezes, principalmente considerando que o traço do Nihei para humanos não é dos melhores. Por vezes um personagem aparece e a dúvida se estica por algumas páginas, se você deveria reconhecer aquele personagem.

Não ajuda também o fato de Biomega ser pouco ortodoxo na apresentação dos mesmos. Muitas vezes um personagem terá duas, as vezes três aparições até sabermos o nome do mesmo. Algo que traz um maior realismo no diálogo, mas joga contra uma maior palatabilidade do texto.

Mas falando dos personagens mais importantes, eles são de maneira geral bastante simples. Talvez a personagem com a construção mais complexa seja justamente a grande antagonista da história, Niardi. Toda a questão da personagem reside numa megalomania em querer terraformar a terra em sua própria visão. Algo que inicialmente parece altruísta, mas rapidamente se mostra o que realmente é.

Os personagens serem simples ajuda na questão da tonelada de facções e facções dentro de facções presentes por todo o Biomega. Como o leitor não precisa realmente se focar nos mini desenvolvimentos de cada personagem, fica mais fácil ter uma visão mais ampla sobre o grande esquema das coisas.

O Recriator

Todas essas pequenas peças acabam se culminando no final da primeira metade do mangá. Onde descobrimos que a terra ter sido absolutamente contaminada pelo vírus fazia parte do plano da Niardi. Tudo porque os drones não são mais matéria viva, e com isso a vilã tem combustível o suficiente para ativar o Recriator.

O Recriator é basicamente um sistema para realmente resetar o planeta ao bel-prazer daquele que o ativar. E é daí que temos a grande discussão de Biomega, sobre quem devia ter o direito de decidir sobre o destino de todo um planeta.

Eventualmente as coisas dão errado e um personagem inusitado remolda o mundo num tubo gigante. Mas um tubo com humanidade. Não literalmente o tubo, mas existem humanos, e outros seres vivendo nesse novo ambiente. É uma visão bonita por si só, uma ideia quase Jurassic Park de “a vida encontra um meio”.

Mas é então que a Niardi continua sobrevivendo nesse novo mundo, como uma espécie de entidade religiosa que existe em todos os lugares e lugar algum. A Niardi, que se dizia bondosa e em busca da salvação da humanidade, basicamente é aquela que começa uma nova infecção de drones.

A questão da Niardi nunca foi sobre salvar a humanidade, mais sobre ser a salvadora da humanidade. Sobre decidir quem vive e como vive. Sobre criar não uma, mas duas religiões em torno de si.

Equilíbrio e fim

Uma coisa que eu gosto bastante nessa segunda metade é todo o senso de escala. O tudo é absurdamente gigante, levando centenas de anos para que o Zouichi consiga cruzar entre uma ponta e outra. Temos então o vislumbre de várias sociedades diferentes, com suas próprias peculiaridades, próprias vidas.

De maneira curiosa, esse novo planeta terra tem uma relação muito mais simbiótica para com o próprio ambiente. E quanto mais o Zouichi sobe em direção covil final, mais as sociedades vão lentamente se transmutando numa versão disforme da antiga Terra.

Mesmo assim o mangá tem um tom mais otimista. No final das contas, mesmo que o ciclo se reinicie e eventualmente essa nova tentativa de humanidade venha a ser dronificada, toda sociedade tem um início, um meio e um fim. E quem sabe de sua carcaça não nasça uma nova humanidade, afinal, a vida encontra um jeito.

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