Goblin Slayer e política na cultura otaku

A cultura otaku é fortemente ligada a política. Quando você olha a apresentação em PDF da Comiket, nota-se uma preocupação social quanto a liberdade de expressão individual. Também não é preciso pensar muito para lembrar obras famosas que refletem situações políticas sociais do japão de alguma forma. – Em cinco segundos, pensei em Neon Genesis Evangelion, O túmulo dos vaga-lumes, Akira e Rainbow. – O ponto é que toda obra é politica. Obras são feitas por pessoas que vivem em sociedade e possuem crenças, comportamento e desejos. E tudo que é feito por um individuo, transparece um pouco quem ele é. Não importa o quão comercial uma obra seja, a visão de mundo de alguma pessoa refletiu o trabalho.

E é por toda obra transpor uma mensagem que pessoas se incomodam tanto com animes famosos com mensagens problemáticas.

Recentemente Goblin Slayer, um popular light novel, ganhou um anime. O primeiro episódio da obra gerou controvérsia por conter cenas de estupro. Algumas pessoas sentiram-se ofendidas, outras acharam justificável, pois a obra precisa mostrar o quão sujo e perigoso é este mundo.  Fui assistir Goblin Slayer com isto em mente para interpretar a mensagem que ele quis passar com a cena.

O mundo de Goblin Slayer se apresenta como uma fantasia genérica e amigável inicialmente. Não há tensão pelas cidades, não é evidenciado nenhum tipo de construção usada para proteger cidades de grandes ameaças e os goblins são extremamente subestimados (não faço ideia do porquê). Tudo isto é imediatamente quebrado quando um grupo de aventureiros invade uma caverna de goblins e é massacrado. Esta construção por si só não seria ruim, mas o real problema se evidencia através disto. Durante o massacre há um claro destaque na tentativa constante de rasgar a roupa das personagens femininas e estupra-las. Mesmo assim, todo o peso da cena está apenas ali pelo choque. Não há consequências reais naquela cena,  pois tudo que a cena de estupro causou neste segmento ficou limitado apenas a este episódio. O que agrava ainda mais o segundo episódio, que tenta gerar um minimo de empatia com Goblins.

 

A justificativa usada para os estupros não é boa.

 

Segundo a série, os Goblins usam mulheres humanas para se reproduzir, o que não justifica a forma na qual a cena ocorreu. Pois os Goblins não hesitam em tentar matar aquela que deveria ser a “barriga de aluguel” durante duas tentativas de estupro. E note que no grupo havia um garoto, no qual sua morte não teve nenhum detalhe. Por que só o sofrimento feminino ganhou algum destaque? Que mensagem esse tipo de coisa passa?

Consegue perceber o motivo pelo qual isto ofende pessoas? Quando estupro é usado como uma ferramenta narrativa desta forma, ele é visto de forma leviana, passando uma mensagem bem misógina.

Cenas como essa fazem o estupro parecer algo normalizado, corriqueiro. Não demonstra o real impacto do ato e não gera empatia nem discussão sobre o tema.

Há o argumento de que se trata de um mundo realista.  Em tempos medievais, o mundo era mais misógino e mulheres eram constantemente estupradas. O problema deste argumento é que ele ignora todos os outros aspectos fantásticos do mundo. A forma de falar, algumas roupas e os cenários são anacrônicos, mas a misoginia se mantém.

 

Obras podem tratar de temas como estupro, desde que seja bem escrito.

 

Não estou falando que uma obra jamais deva abordar o tema. Há obras que possuem cenas de estupro que são fortes, chocantes sem diminuir o peso daquilo que realmente é. O mangá Innocent retrata a França numa época suja e extremamente machista, contendo uma cena onde uma personagem é estuprada aos nove anos de idade, mas a forma como a cena é representada visualmente é sensível e chocante, passando a mensagem de como aquele mundo é horrível sem diminuir a personagem.

E este não é um problema apenas de Goblin Slayer com estupro, mas existem várias obras que usam assédio como piada, tentam sexualizar personagens femininas em contextos errados e acabam diminuindo-as e as transformando apenas em ferramentas.

 

Agora, qual o ponto deste texto?

 

A mídia que consumimos querendo ou não influencia nossa visão de mundo, algumas pessoas mais e outras menos. Quando não pensamos e rejeitamos qualquer critica do que consumimos, é possível reproduzir comportamentos ruins sem pensar muito. Não que um fã de Goblin Slayer vai se tornar um estuprador ou algo do tipo, mas sempre é bom pensar um pouquinho no que se está consumindo e tirar alguma coisa boa disso. Você pode gostar de Goblin Slayer ou de um Nanatsu no Taizai da vida, mas reconheça onde essas obras falham.

É importante prestar atenção no que consome.

 

O que me deixa meio triste é ver parte do fandom de Goblin Slayer fazer pouco de quem se ofendeu. Diminuir a pessoa por enxergar um lado político desagradável da obra.

Não tem problema nenhum consumir uma obra simples e sem pensar em seu lado político, mas não diminua quem enxergou algum ponto problemático ou fez uma analise mais aprofundada do que foi mostrado.

Obras de fantasia retratam questões reais em outros contextos. Quando se presta atenção no que está sendo retratado ali, podemos entender mais sobre nosso mundo. A ficção tem o poder de criar empatia e nos tornar pessoas melhores de alguma forma. Talvez se você ouvir a perspectiva do outro sobre uma obra que você gosta, ou se perguntar algumas vezes o que a obra que você consumiu quis passar, acabe crescendo como individuo.

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