Arco x Arco: Fairy Tail #03 – Phantom Lord

Pensar que cá estamos no terceiro texto sobre Fairy Tail. Se eu dissesse a mim mesmo que eu conseguiria manter esse ritmo a uns meses atrás, eu me acharia um maluco. Mas o que importa é que chegamos no arco da Phantom Lord que, na minha memória, é um dos melhores do mangá como um todo. Mas chega de enrolação, e fiquem com o texto que contém spoilers até o capítulo 74, porque achei que era aqui que cabia o arco do Loki, então também inclui o finalzinho do volume 9.

Fairy Tail destruída

De onde paramos no último texto, tínhamos um cliffhanger da guilda completamente destruída por barras de ferro, então quero me dar um tempo pra olhar com mais atenção esse momento pré anúncio de guerra.

Acho que a parte mais interessante, talvez não propositalmente, em Fairy Tail são os momentos meio que entre arcos. Todo o set-up da grande família, todos com suas próprias gags e personalidades (ainda que não sejam um “oh meu deus que personagens profundos”), funcionam muito bem pra entregar aquela sensação de ambiente seguro, uma grande casa. Por isso, destruir a guilda é ao mesmo tempo interessante, e idiota.

Interessante, porque traz para o leitor a sensação de que nenhum ambiente é seguro, os problemas podem sempre vir atrás dos personagens, não importa o quanto eles fujam (e essa talvez seja a maior temática desse arco, mas falaremos mais sobre a diante). Mas também é idiota, já que ainda estamos no sexto volume de uma história com sessenta, isso faz com que se tivesse gastado mais tempo para construir o ambiente de segurança, para só então quebrá-lo, possivelmente com um vilão de maior importância, traria um efeito de perda de segurança muito mais efetivo.

Mas isso é sinal do que eu falei na parte 2 desse texto. Depois de enfrentar uma missão classe S, pra onde ir? A resposta que o Mashima encontrou foi uma guerra entre guildas. Perceba que até aqui, o nível de ameaça continua subindo, vamos ver até onde ele consegue manter.

Mas voltando a questão da normalidade, gosto principalmente do momento em que a Lucy volta pra casa ao final de cada arco. A sensação de passar pelo mesmo riozinho, o mesmo tiozinho avisá-la pra tomar cuidado, tudo isso dá ao leitor uma rotina pela qual a personagem passa, fazendo com que ele se afeiçoe e se aproxime dela, aumentando seu apreço pela mesma. Quanto mais mundana a personagem é mostrada, mais fácil fica para a identificação ocorre.

Juntando isso a gag recorrente de ter sempre algum intruso, faz com que você compre a amizade estabelecida entre os personagens nesse ponto da história, e mais do que isso, faz com que você se sinta parte daquela amizade. Isso é algo de importância primária para o arco da Phantom Lord funcionar, ao invés de parecer apenas enfadonho como momentos anteriores.

Apresentando um vilão

Gajeel é uma ótima apresentação de um vilão clichê. Digo, perto dos buchas que são o Leon e o Shinigami, o Gajeel tem presença, e mais importante, ele tem design.

Mangás de batalha dependem muito do visual de seus personagens para serem relevantes. Só olhar o apelo que personagens como Hitsugaya e Renji têm no fandom de Bleach, o cool funciona. Então apresentar o primeiro vilão que possui um visual interessante o destaca por contraste.

Pra adicionar a isso, o Mashima dá uma ilusão de consequência quando faz do Gajeel o cara que tortura o trio da Levy, trazendo pra ele uma imponência que nenhum outro inimigo teve até agora. Até aqui todos os vilões eram mais cômicos, os perigos eram ditos. mas não sentidos, então a mudança de paradigma traz muito mais relevância para o metaleiro dos anos 90.

Além disso, ele ainda é um dragonslayer (algo que ainda é legal, até o Mashima perder a mão completamente mais pra frente), fazendo dele um rival imediato para o protagonista e jogando o Gray para escanteio pelo resto da obra, adeus Gray, não foi bom enquanto durou.

Escalando de maneira certa

Continuando com as qualidades (quem diria), desse arco, nós temos as três escaladas que ocorrem em paralelo durante esse arco.

Primeiro e mais óbvio, temos a escalada da tensão. Todos os magos Classe S, com exceção da Erza, estão impossibilitados de lutar, seja o Makarov por causa de um ataque furtivo, sejam Laxus, Mistogan e Guildarts por estarem ausentes, ou até mesmo seja a Mirajanne que está psicologicamente debilitada. Junto a isso, grande parte dos “magos de fundo de quadro” está ferido, e quando tudo não parece que pode ficar pior, chega a Phantom Lord, do alto de seu castelo, com todos os seus membros com força total e um canhão ridiculamente grande.

Todas essas coisas, foram construídas de maneira muito certinha para deixar a sensação de perigo, sensação de uma impossibilidade da guilda se mostrar vencedora, chegando ao ápice quando a Erza tem que se “sacrificar” em prol da proteção da guilda.

Do outro lado temos a escalada emocional da Lucy, fugiu de casa, de um pai que não se importava com ela, pra encontrar na Fairy Tail uma nova família. É estranho, mas o papo de amizade que normalmente é empurrado goela a baixo nos b-shonen em geral aqui realmente funciona, você compra a proximidade dos personagens porque o Mashima consegue fazer a interação entre eles nos momentos mundanos muito bem.

Então, quando ela vê seus colegas membros de guilda tombarem um após o outro e tombarem por causa única e exclusivamente dela (ao menos na visão do personagem), é comprável a culpa que ela sente em querer se entregar em troca deles, é clichê, é óbvio, mas funciona.

E a última é uma melhor trabalhada no personagem da Mirajanne, que até aqui não é nada além de um personagem de alívio cômico, mas que começa a dar sinais de algo grande que quebrou tanto ela quanto o irmão, é um trabalho de formiga, que entrega o momento de superação do Elfman na talvez única luta contra os Element 4 que é digna de nota.

O desgaste da fórmula

Eu estou aqui falando muito bem desse arco, mas ele já começa a apresentar sinais de fadiga da fórmula na qual os arcos de Fairy Tail acontecem. Basicamente em todos os arcos os personagens conhecem o vilão, esse normalmente tem relação com algum membro da guilda, e lá pela metade, o arco se torna uma corrida contra o tempo.

E veja bem, eu não tenho problema com mangá formulaico pela fórmula em si. Adoro Jojo e One Piece, e ambos têm uma estrutura bastante fechada em como vão funcionar, mas a diferença principal é o tamanho. Enquanto uma parte de Jojo dura centenas de capítulos, e um arco de One Piece dura uma dezena de volumes, Fairy Tail tem um novo arco a cada 3 volumes mais ou menos.

Essa aceleração no plot é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que dá a sensação que não tem enrolação, também fica mais difícil de criar relevância, tanto para os vilões, quanto para o que está acontecendo, além de ficar bem mais óbvia, e cansativa, a fórmula utilizada na construção dos arcos.

Pega esse arco por exemplo, funciona enquanto tensão por utilizar como pivô emocional a deuteragonista do mangá, além de ser a primeira vez em que risco real é apresentado. Mas ao mesmo tempo o único vilão minimamente explorado é o Gajeel, os outros 5 são completamente descartáveis (tirando a Juvia, mas só por ela se tornar recorrente no mangá) ao ponto de que eu acabei de ler e já não lembro o nome de nenhum.

E se pegarmos o arco passado, ele tem um personagem menos relevante como pivô, e isso já faz dele muito menos funcional. Com isso, os próximos arcos nos mesmos moldes/duração com potencial para realmente funcionarem emocionalmente seriam algum focado no outro personagem mais próximo do leitor, o Happy, já que o Natsu é muito mais um conceito de protagonista de mangá de batalha que um personagem por si só.

A lei das fadas

Eu queria tirar um tempo pra falar das lutas principais desse arco, não por elas serem, em sua maioria, divertidas, mas porque é uma das únicas vezes em que elas servem algo que não seja a própria luta ou um power up.

Começando pela escolha inusitada, trazer o Elfman para a linha de frente e lhe entregar um backstory sem ter que recorrer a um flashback, faz com que a mesma luta sirva muito bem para apresentar esse personagem secundário, tirando ele do campo dos designs e ser só uma piada, ao mesmo tempo em que já é a superação do mesmo. Elfman não conseguia mais usar o seu poder, por ter matado a irmã em decorrência do mesmo. Esse conceito por trás do personagem, apesar de ter surgido e sido resolvido nesse mesmo arco, foi feito de maneira muito elegante.

A outra luta relevante para se olhar, é a de apresentação da Juvia. Uma luta basicamente com função cômica, mas que já estabelece basicamente como a personagem vai funcionar no resto do mangá. Ela ama o Gray, ela é rival da Lucy, simples e eficiente (talvez devesse trabalhar ela mais, mas isso não é culpa deste começo).

E pra fechar, temos Natsu contra Gajeel, a luta que começa um terrível vício em Fairy Tail, mas vamos começar pela parte boa. Ver essa luta acontecendo, com toda a sua brutalidade e eles estando em pé de igualdade, é muito satisfatório para o tanto que a pau no cuzisse do Gajeel foi estabelecida até aquele ponto. Ele bate nos colegas de trabalho e tortura pessoas por prazer, então ver ele sendo porrado continua sendo prazeroso, mas sempre tem um mas.

E esse mas vem da virada da luta, quando o Natsu se recupera ao comer fogo, algo aparentemente inofensivo, afinal, está no conceito do poder, mas saiba TODO ARCO A PARTIR DAQUI o Natsu vai enfrentar o vilão final, comer algum tipo de magia, ficar overpower e vencer o vilão, TODOS ELES, DA MESMA MANEIRA.

Não preciso nem dizer o quão preguiçoso e nocivo isso é para o roteiro do mangá, já que torna as lutas que deveriam ser as mais engajáveis, nas mais previsíveis e descartáveis, não bastasse o protagonista ser uma porta.

O bom filho a casa torna

Se pararmos para pensar qual a temática principal do mangá de Fairy Tail, é muito fácil cair no erro de assumir que é amizade, ou superação. Mas pra mim, é uma história que fala muito mais sobre família.

E é interessante olhar como ele é até bastante coeso de certa forma ao redor desse tema. O Natsu está em busca de seu pai, a Lucy fugiu do próprio, a Elfman e Mirajanne sofrem pela perda da irmã, o Gray perdeu a figura materna e entrou em disputa com o irmão mais velho, irmão esse que sentia ciúmes do caçula “se você não existisse, toda a atenção dela seria minha”, dentre outros que não cabe ficar citando aqui.

Então, retornamos a casa da Lucy, uma jovem, mulher e filha única de um magnata. Eu acho interessante, principalmente pra um autor como o Mashima, a escolha de fazer esse capítulo inteiramente dela. É a personagem quem decide ir de encontro ao seu pai, não são os amigos que a convencem, não é o vilão que a leva até lá. A própria Lucy decide enfrentar os fantasmas de seu passado, e com isso, se tornar adulta.

Outra parte interessante é ver que não era o ambiente opressor onde todos a tratavam mal, algo muito comum de se recorrer, fazendo dela uma donzela na torre. Não, todos ali a amavam, menos o próprio pai, apesar da Lucy ser a herdeira, sua verdadeira família eram os empregados e a falecida mãe.

E sim, nada disso é original, nada disso é novo, mas as vezes em uma história que consegue errar até no básico (como foi o caso do flashback do Gray que foi maior e menos rico), é importante se pontuar onde merece.

A chave do leão

Falando em fugir dos problemas, logo pós conclusão do arco da Lucy entramos no último personagem apresentado com destaque no segundo capítulo que ainda não tinha tido nada, isso mesmo, chegamos no arco do Loki.

Eu preciso dizer que eu gosto muito desse mini arquinho de 5 capítulos, mas realmente não sei dizer o quanto tá ali e o quanto sou eu quem está lendo, mas enfim.

O Loki, ou Leo, na verdade é um espírito estelar da chave do leão, que foi banido do mundo celestial por ter matado indiretamente o seu dono. Mas a parte mais interessante disso tudo, é que o Leo estava vivendo uma relação com um parente abusivo.

Era uma relação em que ele via a “irmã mais nova” sofrer diversos abusos, de cunho físico e psicológico, sendo levada a extremos como ser usada em turismo sexual. Diante disso, ele intervém e causa a morte da “mãe”.

E é aqui que eu acho que a história brilha, talvez inconscientemente. O Loki se culpa pela morte da maga, assim como quem sofre abusos no mundo real acaba se culpando por eles. Acha que o abusador, nem que seja lá no fundo, é bonzinho, e que se ele chegou ao ponto de abusar, então a culpa é logicamente da vítima.

Também é interessante observar como a mestra dele se comportava com relação aos pares românticos, porque é muito similar ao estado em que o Loki agora se encontra. Então, mesmo que ele não abuse das pessoas, ele está preso naquele ciclo de mimetizar o abusador e passar o abuso pra frente, nem que nesse caso seja apenas emocional, abusando das garotas com promessas falsas de relacionamento.

Isso faz do Loki, um personagem muito mais complexo e interessante do que o Mashima jamais demonstrou capacidade ou trato para lidar, e de fato o potencial dele nunca será alcançado em Fairy Tail.

Com a conclusão do arco do Loki catalisado pela Lucy, em que ele finalmente se aceita e se perdoa, o personagem perde seu brilho e volta ao padrão das chaves, uma gag com um poder diferente, mas aqui, nesses cinco capítulos, o Mashima mostra que ele pode mais, que ele consegue mais.

E é nessa nota positivo-melancolica que concluímos o texto de hoje, e pra compensar o elogioso texto dessa semana, semana que vem tem UMA DAS PIORES CAGADAS que o Mashima fez durante todo o mangá.

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