Wicked City é uma Montanha-russa do Mau Gosto

Wicked City conta a história de Taki Renzaburo, um homem que trabalha entre dois mundos, o mundo dos humanos e o mundo dos demônios. No mundo dos humanos ele finge trabalhar em uma empresa de energia, mas na realidade presta serviços como guarda-costas de figuras exotéricas. Wicked City nos mostra um destes contratos, onde o protagonista se alia a Makie, uma guarda-costas demônio para proteger o místico Giuseppe Mayart, peça chave na negociação de paz entre os dois mundos.

Acho que o único começo possível para falar de Wicked City é com alerta de conteúdo, esse filme apresenta várias, inúmeras cenas de nudez, também conta com mais de uma cena de violência sexual. Então se para você isso é um impeditivo completo, fique avisado, pare o texto aqui, tudo bem.

Isso posto, acho interessante abordar um pouco da produção de Wicked City. O filme foi dirigido pelo Yoshiaki Kawajiri (Vampire Hunter D, Ninja Scroll) que também fez os character designs, sendo uma adaptação da novel homônima, escrita por Hideyuki Kikuchi (Vampire Hunter D, The Name of the Wind is Amnesia).

É curioso notar que este é o primeiro filme que o Kawajiri dirigiu inteiramente sozinho. Também é importante apontar que ele foi produzido num tempo muito curto, apenas 1 ano. Na entrevista disponível nos extras, o Kawajiri fala que inicialmente era planejado que o filme tivesse apenas 35 minutos, e quando estavam na metade da produção, já na fase de animação, foi aumentado para 80 minutos. Essa mescla de fatores influenciou muito no resultado final de Wicked City. Talvez a maior força e a maior fraqueza do filme sejam diretamente decorrentes desses acontecimentos combinados, mas vamos por partes.

A melhor parte desse filme todo de longe é a atmosfera. O clima noire que é feito tanto pelo ritmo lento, com longas cenas dirigindo o carro, ou acendendo um cigarro, ou jogando xadrez, quanto pela paleta de cores predominantemente azul, vermelha e preta. Tudo isso dá a Wicked City um sentimento muito forte de estarmos caminhando no limiar entre o real e o fantástico. O design das criaturas também é muito marcante, com inspirações claras do Go Nagai com monstros muito sexuais. Temos nesse filme uma mulher-aranha que tem uma vagina com dentes que cospe teia; uma serpente que é um pinto gigante; outra mulher que abre a barriga com uma vagina gigante. É tudo muito sexual mesmo.

A trilha sonora complementa muito bem, sempre muito pontual, aparecendo apenas em momentos muito chaves. Mas de maneira geral é um filme bastante soturno, com sons ambientes, o que aumenta a tensão consideravelmente. A animação, embora bastante limitada em partes, entrega um gore e um body-horror de qualidade, com desmembramentos, explosões de cabeça, decepamento de membros e tirambassos que deixam crateras grotescas. Inclusive o trabuco de energia do Taki é um show a parte de destruição em massa. É notável o cuidado da produção em mostrar a potência da magnum espiritual do nosso protagonista.

Na parte visual o que já não é interessante são os designs dos seres humanos. Em especial, o design das personagens femininas. Temos 4 personagens que são demônios nesse filme, a única que eu consigo identificar é a do sabão, e por causa do corte de cabelo diferente. Todas as outras personagens tem o exato mesmo rosto e porte físico. Porte físico esse que se resume a modelo com peitão. Sem sacanagem, no começo do filme, aparece a mulher-aranha, ela transa com o Taki fingindo ser outra pessoa e foge. Quando ele vai se encontrar com a Makie, eu achei que ia ser uma história sobre trabalhar com alguém que te passou para trás antes. Na verdade eram duas personagens diferentes mesmo. Depois, na cena do covil do líder dos yakuza, aparece uma terceira demônio, que eu achei que fosse a mulher-aranha, só percebi que não era quando ela morre e na cena seguinte a verdadeira mulher-aranha aparece viva.

Mas voltando a questão do porte físico, temos um dos piores aspectos desse filme: ele parece ter saído da mente de alguém de 15 anos. Vamos lá, o filme tem 1h22min de duração. Na marca dos 45 minutos, já haviam ocorrido 3 estupros e uma cena de “você diz que não, mas seu corpo diz que sim”, todas feitas em cima da Makie. Isso sem contar outras 3 cenas de sexo consentido que rolam durante todo o filme (duas delas com o mesmo twist que na verdade eram mulheres demônio inclusive). As cenas de estupro são bastante gráficas e de um mal gosto terrível, claramente estando lá por fetiche e um roteiro preguiçoso. Além disso, o filme não perde a chance de mostrar as mulheres com os peitos amostra. 90% delas não acrescentam em nada pra história desse filme, os outros 10% são de péssimo gosto.

Fora dessas cenas o filme não vai muito melhor. Se por um lado, o ritmo é certeiro para construir o clima noire lento de suspense, ele é ridiculamente rápido para o relacionamento dos personagens. A história começa com o Taki sozinho, nos é dito que ele vive como um playboy pegando geral. Ele é informado dessa missão, em que ele precisa cooperar com uma mulher demônio. O Taki diz então que não confia em mulheres demônio. Ele se encontra com a mulher demônio com ela salvando sua vida numa emboscada. Eles buscam o Giuseppe Mayart e vão para um hotel seguro. Ele fica no saguão enquanto ela fica no quarto com o Giuseppe. O hotel é atacado, ela sofre a cena de abuso, paraliza o abusador e ele dá um tirambasso que mata o cara. Eles fogem de carro, são presos numa barreira demoníaca, ela sai pra enfrentar a barreira, cena de estupro 1, ela se sacrifica pra destruir a barreira. Eles chegam no ponto seguro dois, ele descobre que o vilão fez ela de refém e larga tudo para salvar a mulher que ele ama.

Se passaram entre eles se conhecerem e a cena dele largar tudo, aproximadamente 20 minutos de filme, com duas cenas onde eles interagiram de verdade. Não é nem de longe tempo suficiente para construir essa relação, apesar do filme acreditar o contrário. Mas tudo fica claro quando você pensa que era pra ser um filme de 35 minutos. Só que em um filme de 80, que não poupa recursos pra desperdiçar tempo com cena de nudez gratuita, é muito difícil de engolir.

Tirando o relacionamento mal construído, o roteiro do filme é todo torto. Para começar pelo grande vilão da história que não tem nem nome. Ele é apresentado na marca dos 40 minutos de filme, dizendo que o protagonista é “seu inimigo jurado”. Só que nunca antes esse vilão foi citado, ele não tem absolutamente nenhuma relação palpável com o protagonista. O Taki em si também não tem nenhum traço marcante de personalidade, ele é o lobo solitário mais sem sal que eu já vi. E a Makie não fica muito para trás, o filme martela várias vezes os demônios chamando ela de traidora por querer cooperar com os humanos. Quando finalmente temos uma cena deles conversando e o Taki pergunta o motivo dela fazer o que faz, a resposta é simplesmente “existem demônios que também querem paz”. E a personalidade dela morre aí, nessa motivação super vaga e impessoal, belíssimo casal principal. O último personagem nomeado é o Giuseppe e a personalidade dele se reduz a ser o clichê do ancião tarado. Realmente um baita elenco.

Ainda no roteiro, quando vamos para o lado dos vilões, além de serem rasos, todos tem mortes insatisfatórias. O primeiro deles é o Jin, que invade o hotel. O Jin é o ex-namorado da Makie, que morre na mesma cena que aparece, baleado pelo Taki. E essa morte tem nenhuma consequência pro personagem da Makie. Nós somos apresentados pra relação dos dois mal e porcamente, ele tenta abusar dela, o Taki dá um tiro nele e o assunto literalmente morre. Meia hora depois, na conversa das motivações apenas que a Makie revela para o Taki que se tratava de seu ex. A essa altura, esse relacionamento nem importava mais a pelo menos 2 atos inteiros.

O segundo é a mulher-aranha, que reaparece no ato final do filme para ser morta por um raio misterioso quando estava para matar os heróis. O vilão final morre duas vezes no filme, a primeira 3 minutos depois de ativar a forma final dele e a segunda depois de ser derrotado pelo Giuseppe e pela Makie. Em resumo, nenhum embate desse filme termina de maneira que empolgue o espectador, mesmo nas vezes em que ele entrega o gore.

Mas agora nós chegamos a cereja do bolo, o plot twist do filme. Wicked City vai trabalhando, bem nas migalhas, a ideia de que tem um plano por dentro do plano. Logo no hotel o gerente já levanta a ideia que talvez o Giuseppe seja uma isca. Depois disso o vilão final quer roubar informações do Taki sobre o verdadeiro plano. Um pouco mais pra frente a gente descobre que a mulher-aranha roubou sêmen do protagonista para fazer seu sequenciamento genético. Resumindo a história toda, o plano real é que o Taki e a Makie se apaixonassem e transem, para conseguirem gerar um filho que fosse humano e demônio. Esse filho traria a paz e governaria o novo mundo. O Giuseppe na verdade era o guarda-costas do Taki e da Makie, não o contrário, e ele fez com que eles passassem por isso tudo para que se apaixonassem. O vilão quer matar o Taki porque tem medo do nascimento de um híbrido, algo que só está se tornando possível agora, sendo eles o primeiro casal.

Eu não sei nem por onde começar do quão horrível é esse plot. Começando do começo, o Giuseppe então deixou a Makie ser abusada e estuprada, mais de uma vez em sua presença, para que ela pudesse ser salva pelo Taki e se apaixonasse por ele. O vilão do mal não sabia qual que era o plano do mal, mas ele atraiu o Taki pro covil dele e chamou ele de inimigo jurado, exceto que ele só soube que o Taki era especial depois dessa cena, e ele queria que o Taki contasse o plano secreto, mas ele sempre esteve atrás do Taki querendo impedir essa união. E o mais incrível de tudo, tem a cena da mulher-aranha tentando matar os dois, daí um raio (na verdade o Giuseppe) mata ela e eles desmaiam. Corta a cena e eles tão pelados num lugar todo branco e imediatamente começam a transar loucamente. Daí descobrimos que eles estavam transando em uma igreja na frente da estatua de Maria. O vilão final ressurge de dentro da estatua (numa belíssima cena, diga-se de passagem), eles lutam e a Makie usa poderes muito poderosos porque o feto na barriga dela já está amplificando os poderes dela. Sim, o feto da gozada de 20 minutos atrás. Isso sem contar que todo esse filme se passa em uma noite, e o protagonista foi de playboy pegador que não confia em mulheres demônios, para casado romântico pai de Jesus Cristo Satã. Realmente um roteiro muito inspirado.

Wicked City é um filme com um roteiro bastante ruim, mas um clima muito bem construído, pelo menos quando ele não está sendo absolutamente sexista e ofensivo. A falta de experiência da equipe, o prazo apertado e as mudanças bruscas no meio da produção destruíram qualquer chance desse filme ser minimamente bom. Pelo menos a trilha sonora é boa de verdade…

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