Oshi no Ko: Entre o ideal e o cinismo

Faz muito tempo que eu não apareço por aqui. Mais tempo ainda se considerar apenas com textos de recomendações. Provavelmente o último que teve deve ter sido sobre Blue Lock, ou Records of Ragnarok, ou algo do gênero. Então, para me sentir um pouco menos desnaturado em ter completamente abandonado os textos do site, eis que eu retorno para falar um pouco de um dos mangás que mais estão me intrigando em publicação: Oshi no Ko.

Oshi no Ko é um mangá que está chegando na marca de 50 capítulos agora. Ele é publicado semanalmente na Young Jump e conta com os roteiros de Aka Akasaka, autor de Kaguya-sama: Love is War e desenhos de Mengo Yokoyari, autora de Scum’s Wish. O mangá permanece inédito no Brasil.

Esse mangá é um daqueles meio difíceis de se recomendar, e isso se dá por alguns motivos. O primeiro deles é o de fazer uma sinopse. Não no sentido de ser impossível de se montar uma sinopse para Oshi no Ko, mas a história só deixa claro o que ela vai ser depois do primeiro volume. Então basta dizer que é uma história sobre o falso e o legítimo, sobre as múltiplas facetas da indústria do entretenimento japonesa, sobre amor, mas também sobre obsessão. Eu sei que não é exatamente o que você espera da recomendação de um mangá tradicional, mas esse frescor é parte do charme de Oshi no Ko.

Digo, abordando somente o seu prólogo, é realmente impressionante a confiança que a dupla de autores tem no que quer contar. Por que a escolha consciente de criar esse caos controlado com certeza alienou uma parte importante da audiência desse mangá. Eu mesmo, que acompanho esse mangá desde a estreia, levou um certo tempo para conseguir dizer que eu de fato gostava dele. No começo o sentimento que eu tinha era um fascínio com o caminho que ele tomava, misturado com um profundo respeito pelo quase que desdém a construção mais ortodoxa das coisas. Oshi no Ko poderia ter começado no último capítulo antes do fim de seu prólogo? Poderia, mas eu teria uma relação muito mais distante com ele por causa disso.

Depois disso o mangá entra muito mais nos trilhos e começa a contar sua história de forma mais tradicional. O roteiro é muito esperto em utilizar a heterodoxia inicial para te fisgar e depois poder desacelerar a narrativa e apresentar as coisas de forma mais calma. Você enquanto leitor já está completamente fisgado a essa altura, e compra completamente a jornada que o Aqua decide seguir, você esteve lá, experimentou da magia quase angelical e transcendental pelos olhos dele, justamente por isso compreende (ainda que não concorde) com a obsessão que ele desenvolve.

E nesse clima completamente pra baixo do começo do mangá nós vamos, passo a passo, começando a subir com ele do poço, ainda que com algumas recaídas. Isso é feito de maneira muito esperta por Oshi no Ko ao fazer com que o protagonista passe a interagir com outros artistas. Cada pessoa que o Aqua encontra dentro das produções, seja ao contracenar, ao trabalhar junto no reality, ou mesmo ao ver seu esforço, tira um pouco o garoto do lodo no qual ele se enfiou.

Esse é um bom momento pra abordar um pouco dos temas que foram citados no lugar da sinopse. Oshi no Ko trata sobre o mercado de entretenimento japonês, desde influencers, idols, atores, o grupo todo. E boa parte dos momentos, a visão do mangá é bastante negativa desse mercado, em parte por termos a história contada pela perspectiva do Aqua, em parte por ser um mercado bastante complicado mesmo. Chega a ser impressionante o quão bem Oshi no Ko anda por essas questões espinhosas da modernidade, dos fandoms tóxicos, dos produtores que jogam seus artistas no ostracismo em busca de cliques, do prazo de validade das idols, dos stalkers… Enfim, Oshi no Ko não se priva de abordar questões bastante sensíveis dos dias atuais. Um arco inteiro gira em torno de um cancelamento de Twitter por uma cena fora de contexto, por exemplo.

Se você está lendo esse texto antes de ter pego o mangá, chances são de estar imaginando que Oshi no Ko seja um grande Pikachu no pescoço em forma de mangá, mas eu asseguro que não. E isso se dá por dois principais motivos: o seu elenco, e o olhar dele para os artistas.

Falando do primeiro, é como se Oshi no Ko tivesse uma escala de gradação entre o mais idealista e o mais cínico dos personagens. De maneira muito esperta, o roteiro utiliza os dois irmãos gêmeos como os polos dessa régua, então de um lado temos a Ruby, que é a mais idealista de todas, a idol ideal, do outro temos o Aquamarine, um garoto completamente quebrado e desacreditado, que perdeu a magia nos olhos. Esse balanço permite a Oshi no Ko abordar as questões de diversos ângulos distintos, por vezes uma visão mais próxima da Ruby parece mais correta, por outras a do Aqua.

A outra questão é o olhar dele para os artistas. De maneira geral, Oshi no Ko acredita muito no fazer artístico. O mangá faz um esforço ativo para mostrar que toda aquela molecada que tá trabalhando com entretenimento está se esforçando muito para entregar o melhor. E mesmo os que estão nessa apenas pela fama, acabam sendo deixados bem de escanteio, uma escolha muito correta para evitar o efeito Gantz e dizer como essa geração está perdida e a sociedade é podre. Na maioria dos casos parece mais o contrário, essa geração está sendo machucada pelos engravatados que enxergam apenas o lucro, e esquecem do fazer artístico. E com isso eu volto com o começo do texto, e meu respeito pelo prólogo caótico, o Akasaka e a Yokoyari claramente tinham uma visão para essa história, e eles foram lá e a fizeram, mesmo que isso passasse por cima do testado e aprovado no mercado.

Outro ponto muitíssimo positivo está em como a história trata o próprio Aqua. O personagem claramente está em uma longa rota de autodestruição, e isso nunca é tratado como algo bom, mas ao mesmo tempo o Aqua é uma boa pessoa. Essa contradição entre o que ele acha que precisa se tornar e quem ele é dá uma ótima camada de profundidade para o protagonista. E coisas similares vão sendo pinceladas em todos os personagens, como essa história tem um olhar bastante empático com esses artistas, ela permite que eles respirem na narrativa, cresçam e mostrem quem são. Isso faz com que cenas absolutamente bregas como o show dos últimos capítulos tenham um impacto profundo no leitor, você torce por aquele grupo dar certo, mesmo sabendo de todos os problemas do mercado.

Se eu tivesse que resumir o mangá, usaria o capítulo 39. Nele, ao mesmo tempo em que temos o momento de começo de carreira do grupo idol da Ruby, uma outra garota está desistindo de ser idol. Do lado da Ruby, temos o idílico, o mágico, o sonho de ser idol, do lado da garota, temos a realidade, o mercado, a data de validade, e o sentimento de que nunca será boa o suficiente. Mas mesmo a garota sendo pouco mais que uma figurante, ainda temos um arco satisfatório de crescimento, com ela se mostrando satisfeita de ter perseguido o sonho, ainda que não tenha chegado ao estrelato. E é por toda essa grande quantidade de motivos, que eu definitivamente recomendo a leitura de Oshi no Ko para todo mundo que gosta de quadrinhos mais autorais e diferentes (ainda que ele seja bem mainstream).

Inclusive pra esse final de texto fica a pergunta, interessa mais posts com recomendações de mangá em andamento tipo esse? Porque eu ainda tenho mais uns mangás que ando lendo e acho que valem a recomendação, mas não sei se interessa vocês um texto per se, ou só um tweet já é suficiente, deixem ai nos comentários.

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