O Preço dos Mangás no Brasil

Quadro x Quadro - Preços dos Mangás no Brasil

Este post sobre evolução do preço dos mangás no brasil começou na semana do Anime Friends 2018, quando um mangá previamente anunciado (Black Clover) teve seu preço aumentado em R$7,00 (ou 47%) às vésperas do lançamento. Foi por assim dizer, a gota d’água para o que eu percebia como um movimento natural do mercado (inflação, desvalorização do Real, dificuldades com distribuição, etc) para se manter equilibrado, tornar-se um preocupante movimento rumo a uma gourmetização deste segmento que me é tão caro, então parti para uma coleta de dados, para conferir se essa impressão se confirmaria.

O enfoque principal é uma análise baseada nos dados de publicações de novos títulos de janeiro de 2015 para cá, período escolhido por dois motivos: O primeiro é que é um recorte interessante, tendo em vista que 2015 foi o ano em que se instaurou a “crise do papel”. Seria melhor um recorte desde 2014, mas aí entra o segundo motivo: Não é nada prático encontrar dados dos lançamentos anteriores, exceto da JBC, que disponibiliza em seu site checklists desde 2014. Mas é possível que eu retome o assunto no futuro, ampliando os períodos.

Já opção por abordar inicialmente apenas novos títulos lançados, foi devido às políticas adotadas pelas editoras para a maior parte dos mangás em publicados até então: se a tiragem de um volume esgota, você não encontra mais aquele volume (ao menos não um novo por menos de dez, vinte vezes o valor de capa dependendo do caso), tornando difícil a entrada de novos compradores para títulos em publicação há mais do que alguns meses, afinal, a imensa maioria das publicações por aqui são de histórias contínuas, onde perder um volume impacta muito a experiência de leitura. Vale ressalvar que a New Pop sempre reimprimiu seus títulos após algum tempo, que a JBC, que já vinha fazendo isso com alguns títulos, se movimenta para ampliar este leque e que editoras novas no mercado de mangá parecem querer adotar postura semelhante. 

De fato, os preços vêm numa tendência de aumento, é assim desde sempre e é natural. Tu pode sentir saudades de mangá por menos de R$4,00, mas isso não vai voltar, assim como Coca-Cola a R$1,00 também não, por exemplo.

Falando mais do histórico, é importante lembrarmos que nosso mercado  era inicialmente muito restrito em termos de formatos. Começamos nos anos 2000, com todas as editoras publicando mangás em formato meio-tankohon, entre outros motivos, para não chocar ainda mais o público habituado a gibis com muito menos páginas que um volume japonês (tankohon). Porém, também foi adotado este formato de publicação para os mangás serem mais acessíveis em termos de valor. Isso perdurou alguns anos, houve uma transição, até que o padrão se tornou o tankohon. Sempre apostando majoritariamente em títulos de preços populares (não tenho os dados exatos, mas era uma maioria esmagadora), impressos em papel jornal, capa cartonada, sem páginas coloridas (mas a qualidade do papel e especialmente da impressão teve melhora significativa em relação aos primeiros lançamentos da Editora JBC, por exemplo). Apenas alguns títulos muito seletos da Conrad tiveram lançamento em formatos mais luxuosos (segunda versão de Vagabond, Adolf, segunda versão Evangelion, dentre alguns outros exemplos, grande parte cancelados) e ainda menos mangás tiveram um formato “intermediário”, com papel offset e algumas páginas coloridas no meio-tanko (lembro dos primeiros Evangelion e Vagabond). Acredito ter sido a partir da entrada da Editora NewPop no mercado em 2007, com o mangá 1945, que tivemos o início de um modelo sólido de lançamento de títulos em formato intermediário, com papel offset de boa gramatura, capas, impressão e acabamento de boa qualidade, ainda que a editora fosse uma ilha isolada. Apenas alguns anos depois tivemos outras empresas apostando em formatos semelhantes, e inaugurando uma nova fase do mercado, diversificando formatos numa mesma editora, tivemos Card Captor Sakura – Edição de Colecionador (Editora JBC, 2012).

Esta diversificação e entrada de material de maior qualidade (fisicamente falando), por obvio, gerava aumento de preço, além da inflação dos mangás atuando sobre todos os títulos. A cada novo aumento do “valor base” ou “valor padrão” dos títulos de todas as editoras, sempre seguiram ondas de reclamações de leitores. Mas é preciso compreender que do outro lado está uma empresa, que precisa pagar suas despesas e ainda ter algum lucro, mesmo enfrentando variações cambiais, inflação e outras coisas mais. Nunca fiquei feliz ao perceber que meu mangá passaria a custar 1 Real mais caro, mas sempre tive essa compreensão. Também compreendo que em determinados momentos, como no estouro da famigerada crise do papel, ou a dependência de um monopólio para distribuir o produto, fatores inesperados e completamente fora de controle, acabam gerando algum aumento extra e “amarram” as editoras. Entendo também que em certos momentos, as editoras têm a necessidade enquanto empresas de ganhar um pouco mais de dinheiro para compensar o que se perde em outra ponta (quando um título popular “Mangá XYZ” custa R$1,00 a mais que os outros títulos de mesmo formato, pode ter sido um contrato mais caro, mas às vezes está salvando do cancelamento algum outro título que não gera lucro). Ou seja, salvo casos pontuais, eu sempre achei que o mercado caminhava num bom ritmo. Eu nunca pude comprar tudo o que queria, coleções foram ficando pelo caminho, mas é a vida, faz parte.

Quadro x Quadro - Variação de Preços de Novos Mangás
Variação de Preços de Novos Mangás e Crunchyroll

Nestes últimos anos, fiquei até feliz com a diversificação de formatos, consequentemente de preços, como é possível observar no descolamento cada vez maior do preço médio em relação ao preço mais barato. Houveram algumas derrapadas (aqui é puramente e mais que nunca, apenas minha opinião) na seleção de títulos para serem mais caros (ou não necessariamente na escolha, mas sim no resultado final do formato entregue, como em Knights of Sidonia, da JBC), mas no geral me parecia que as escolhas acertadas eram maioria. Akira, Uzumaki e outros títulos mereciam versões de luxo e eu entendo haver público disposto a pagar o valor correspondente. A Panini encontrou uma boa opção intermediária para títulos como Vagabond ou Planetes. Creio haver público para tudo isso. Inclusive houveram movimentos interessantes das editoras na direção de compensar, de certa forma, o valor maior que estes mangás trouxeram, com a diversificação das periodicidades, que eram quase sempre mensais e estão se tornando mais espaçadas assim como a quantidade de novos títulos, que tem uma certa tendência de diminuição, como pode ser observado nos gráficos abaixo:

Quadro x Quadro - Quantidade de Novos Títulos por Periodicidade
Quantidade de Novos Títulos por Periodicidade
Quadro x Quadro - Quantidade de Novos Mangás
Quantidade de Novos Mangás por Ano

Entretanto, os aumentos começaram a chamar minha atenção de forma um tanto incômoda em meados de 2017. E não tanto pelos valores em si, ou pelo menos não isoladamente (ok, quando apareceu Ayako com preço de capa de R$130,00 foi um baque, mas é um produto muito específico), afinal com certa boa vontade, era possível geralmente enxergar estratégias razoáveis por trás disso. O que saltou aos olhos foi uma opção mais e mais frequente por formatos físicos mais caros do que se tinha como padrão, especialmente pela Panini, que “oficializou” (o braço de mangás da empresa passa por uma reformulação estrutural e tem estado difícil descobrir qualquer informação) como novo padrão para todos os novos títulos, o formato antes que era voltado apenas para mangás aos quais atribuíam um público alvo um pouco mais maduro e consequentemente de maior poder aquisitivo. E aí reside minha preocupação… A Panini é a maior editora do mercado brasileiro de mangás, publicou e publica vários dos títulos mais populares… Mas aparenta cada vez mais ser a editora que menos quer novos leitores. O conteúdo publicado tem diversidade, se encontra comédia, ação, romance, aventura e suspense. Se encontra shounen, shoujo e seinen. Clássicos como Lobo Solitário e Slam Dunk, mas também franquias populares recentes como Black Clover… Mas há cada vez menos títulos baratos disponíveis no mercado, em especial pela multinacional italiana (levando em conta os títulos disponíveis em seu catálogo). O que é um grande problema! Se por um lado se percebe um público leitor de mangás que se renova muito (pode-se observar nos “eventos de anime”, fóruns internet afora, redes sociais etc), por outro, temo que o público consumidor seja cada vez menor. Sem dúvida a crise econômica do país influencia nisto, mas muitos movimentos das editoras parecem colaborar com a diminuição. É claro, as editoras não são um cartel, nem um grupo que regula os preços praticados por todos, portanto, cada uma adota suas estratégias de mercado individualmente, algumas muito boas, outras que enxergo como prejudiciais, como o que se observa no movimento do mercado como um todo, na direção de aumentos substanciais nos preços, que pode ser observado no gráfico abaixo:

Quadro x Quadro - Preço dos Novos Mangás por Semestre
Preço Médio dos Novos Mangás por Semestre

Recentemente vieram a público notícias importantes que mexem com o mercado (já vinham mexendo sem que soubéssemos, na verdade, mas imagino que agrave um pouco mais): As maiores redes de livrarias do país, Cultura e Saraiva, pediram recuperação judicial, uma medida bastante extrema para empresas com dívidas em condições normais impagáveis. E parte dos credores são justamente as editoras de mangá, que portanto, sofreram mais este baque recente. Ainda assim, algumas parecem lidar muito melhor com a situação atual do que outras: Há de maneira geral uma diminuição no anúncio de títulos longos, há novas entrantes no mercado (Devir entrando no fim de 2017, Veneta Pipoca & Nanquim entrando em 2018), mirando públicos diversos. Temos a ainda pequena mas cada vez maior NewPop fechando 2018 com seu recorde de volumes lançados se consolidando ainda mais como “terceira força”. Tivemos iniciativas interessantes e ousadas por parte da JBC, como cortar a periodicidade da maioria dos títulos, lançando vários volumes ao mesmo tempo e dando pausas irregulares, com foco em reposição nas lojas especializadas e livrarias (ainda cabe ver como vai se desenrolar o projeto com o passar do tempo)… Porém, o maior player do mercado, a Panini, tem força para puxar os números gerais de forma significativa, como se pode observar no gráfico abaixo, de autoria do blog Biblioteca Brasileira de Mangás: 

Número de Volumes Por Editora, segundo o Biblioteca Brasileira de Mangás (Obrigado, Kyon 😉

E além do já citado “novo padrão” para novos títulos da editora, ela é atualmente a que menos inspira confiança na hora de escolher começar uma coleção, pois além do histórico de cancelamentos que traumatiza muitos leitores (embora seja do jogo), de não se valer tanto de seu volume e popularidade de títulos para produzir mais mangás baratos quanto um observador externo como eu pensa que seria possível, nunca se sabe se sua coleção não terá 3 aumentos ao longo de um mesmo ano, como Nisekoi, um aumento de 43% (Ninja Slayer) ou 56% (Yo-kai Watch) de uma só vez, possivelmente sem aviso prévio, dada a (falta de) comunicação complicada dos últimos meses… Vale ressaltar que estes últimos aumentos vieram acompanhados de espaçamento considerável na periodicidade, ainda assim, para títulos em andamento, acho uma majoração difícil de compreender. 

São tempos difíceis para se colecionar mangá, especialmente para quem sofre com efeitos da crise financeira do país. Espero que as boas iniciativas das editoras tenham sucesso e que tenhamos um 2019 mais estável e com mais mangá na prateleira. Caso queiram ver estes e outros dados detalhados coletados durante a pesquisa, podem acessar a planilha aqui!

 

Fontes:
https://mangasjbc.com.br/checklist-dezembro-2018/
http://www.guiadosquadrinhos.com/
https://blogbbm.com/checklists/

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